“Não há nessa nação nada de bárbaro e de selvagem, pelo que me contaram, a não ser porque cada qual chama de barbárie aquilo que não é de costume; como verdadeiramente parece que não temos outro ponto de vista sobre a verdade e a razão a não ser o exemplo e o modelo das opiniões e os usos do país em que estamos". Michel de Montaigne¹
No final do ano passado, participei de um congresso sobre comunicação para a Sustentabilidade. Lá ouvi o depoimento do presidente de uma grande construtora.
Um dos momentos mais interessantes de seu discurso foi quando se referiu a um fato que o deixou indignado, num primeiro momento, e revoltado, logo após.
Sentado em sua confortável poltrona, no ambiente agradável de sua sala, recebeu através de dois funcionários, a notícia de que uma grande obra que estavam executando, a construção de uma tubulação que passava por baixo de uma grande rodovia, tinha sido interrompida.
O presidente surpreso perguntou:
- Por qual motivo? Já que todas as precauções de segurança e de impacto ambiental tinham sido discutidas e resolvidas com as comunidades entorno da obra?
Os funcionários constrangidos disseram:
- Porque que mataram a galinha de uma senhora da comunidade.
Veio o momento de revolta.
O presidente, incrédulo, esbravejou:
- Como pode um projeto de milhões de reais ser interrompido pela morte de uma galinha?
E assim, o executivo resolveu sair de sua sala e se dirigir até o local.
Ao chegar lá, ficou estarrecido: deparou-se com duas dezenas de pessoas, que interrompiam a estrada, vestidas à farrapos, reivindicando que dessem outra galinha a senhora, seu meio de subsistência, pois dois funcionários da empresa tinham a matado para fazer um ensopado.
O homem “poderoso” com seus sapatos lustrados nos pés tinha como interesse e valorizava o empreendimento, já a pobre e frágil senhora reivindicava apenas entre as poucas coisas que tinha de “valor”, sua galinha.
Moral da história: nada pode ser mais educativo e convincente para as organizações do que um fato como esse. Para alcançar a alteridade, elas precisam ampliar a escuta e a visão perante seus públicos de interesse, pois a maioria delas permanece surda e cega diante desses fatos.
Sem suas convicções, as organizações podem desmistificar as suas certezas e verem o que de fato é real. Fora do ambiente organizacional enxerga-se a distinção entre as culturas de seus públicos de interesse.
Se doesse nas organizações, como no caso da construtora, que teve sua obra paralisada, sentindo o que os seus públicos de interesse (no caso a comunidade) sentem ao serem lesados, talvez passassem a enxergá-los como organismos vivos e não como empecilho ao seu automatismo.
Isso parece ser um clichê à noção de identidade e do status organizacional, afinal a liderança tem uma natureza, ascendência e cultura diferentes.
Basta às organizações ampliarem a sua escuta para a realidade se revelar. Todas elas possuem a soberania, o poder para si, valem-se de ilusões para convencerem e persuadirem seus públicos de interesse.
A prática mais importante para as organizações manterem a credibilidade e agregar valor aos seus serviços e produtos perante seus stakeholders é manter as portas abertas em todas as direções. Esta postura não defensiva nutre compromissos, estabelecendo fundamentos e valores sem que se faça impedimento à geração de resultados da organização. Elas devem ser porosas e serem anfitriãs, terem a mente aberta para mudanças compensatórias que a médio e a longo prazo geram valor institucional e por conseqüência o alcance das metas comerciais ou mercadológicas.
No Sistema de Compensação, modelo de gestão que venho aqui delineando aos poucos com vocês, leitores, em artigos anteriores a esse, o comunicador está sempre transformando opiniões e juízos em histórias. Sua missão é transformar o discurso direto da organização, que é veemente por natureza, em uma locução hipotética e dialógica focada na sua história e na de seus públicos de interesse. Esse sistema se assemelha a uma espécie de hospedagem. Como convidar seus públicos de interesse a serem anfitriões de suas políticas? Como cativá-los para que eles vejam na organização com a qual se desentende, uma aliada?
1° - Fazê-los perceber que essa fala contém honestidade, coerência institucional e mercadológica e que eles serão recompensados com sua proposta.
2° - Respeitar as diferenças culturais e através delas criar políticas e estratégias compensatórias.
3° - Enfatizar o que há em comum entre organização e públicos de interesse.
Ao seguir essas premissas a organização deixa seu discurso ególatra e ganha a entonação de entendimento de seus stakeholders.
Abrir os ouvidos para acomodar seus públicos de interesse e lhes dar espaço é hospedá-lo.
Em termos mais simples, podemos dizer que o Sistema de Compensação é uma espécie de marketing indireto, pois o alcance das metas mercadológicas das organizações depende de uma estratégia que tem como base o fortalecimento da identidade organizacional ou institucional (transparência e credibilidade), focada na alteridade.
Conhecendo seus públicos de interesse e suas necessidades, a organização tem a possibilidade de agregar valor que proporcione condições verdadeiras que permitam a sua prosperidade e a sua perenidade.
A comunicação serve como meio e como fim. No primeiro caso, servindo como forma de interação que gera integração entre as interfaces (internas e externas), portanto como forma de diagnosticar através de diálogos, entrevistas e investigações que sirvam de material para estratégias, projetos e execuções as áreas de gestão organizacionais. Como fim, a comunicação serve como meio de projetar, através dos mais diversos canais de comunicação, a imagem como reflexo da identidade organizacional.
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¹ Michel Eyquem de Montaigne (1533/1592) foi um político, filósofo e escritor francês, considerado como o inventor do ensaio pessoal. Nas suas obras, mais especificamente nos seus ensaios, analisou as instituições, as opiniões e os costumes, debruçando-se sobre os dogmas da sua época e tomando a generalidade da humanidade como objeto de estudo.