Na última semana, reli um livro chamado o Gene Egoísta de Richard Dawkins¹ (1976), que me remeteu ao conceito de MEME, termo muito usado atualmente e que, em minha visão, tem a ver com as mudanças paradigmáticas no contexto do organismo social, ou seja, nas organizações públicas, privadas e na sociedade como um todo.
Antes de entrar no assunto, retomemos alguns aspectos que contextualizam a transição axiomática pela qual passamos:
A partir da década de 90, a ênfase na tecnologia digital baseada na interatividade, na formação de redes e na busca incansável de novas descobertas tecnológicas, mesmo quando não faziam muito sentido comercial, não combinava com a tradição hierárquica de controle e autoritarismo advindos de sistemas burocratizados ou fundamentalistas das organizações, fossem elas públicas ou privadas. Elas viviam, e muitas delas vivem até hoje das reminiscências atávicas do capitalismo pós-revolução industrial.
Poderíamos dizer que essa evolução difundiu, pela cultura de nossas sociedades, o espírito libertário dos movimentos dos anos 60.
O resultado foi uma arquitetura de rede que, como queriam seus criadores, não pode ser mais controlada e centralizada, pois passou a ser composta por milhares de redes de computadores autônomos com inúmeras maneiras de conexão.
Essa rede foi sendo apropriada por pessoas e grupos no mundo inteiro, com objetivos, e segmentada em nichos, com interesses específicos, bem diferentes das preocupações bilaterais que se encerraram com a Guerra Fria.
Isto quer dizer que o capitalismo informacional, com base nas novas tecnologias digitais, se configura num contexto menos ideológico e mais sistêmico, ou seja, pragmático, dialógico e não linear alinhado às interfaces do organismo social movido por um modelo COMPENSATÓRIO. Esse, por sua vez, busca o equilíbrio social, ambiental e econômico que fortaleça politicamente os laços institucionais entre organizações e sociedade, hoje dispersada em rede, mesmo com todas as deficiências estratégicas que dificultam a existência de uma força social politizada capaz de consolidar, em curto prazo, indicadores e objetivos bem definidos.
Vivemos um momento de transição e, no entanto, partimos para a utilização imediata de novos conceitos como, por exemplo, o de Sustentabilidade que se amalgama com todas as ideologias no decorrer da evolução humana e da história.
Sendo assim, COMUNICADORES CONSULTORES ao se relacionarem com organizações, muitas vezes não se farão entender, ou serão mal compreendidos.
Voltemos agora ao meme:
Segundo Richard Dawkins, criador do conceito, o meme é um código cultural que prevalece de acordo com a sua força de transmissão e assimilação dentro do organismo social. Usado como metáfora, Dawkins, analogamente, observa o processo de evolução cultural, assemelhando-o à teoria da evolução de Darwin: um meme seria como um gene, ou seja, sobrevive aquele que melhor se adapta ao meio. Assim, como o gene, ele mantém sua capacidade ou força de persuasão, até ser eliminado ou superado por um novo meme.
Transpondo esse conceito para o mundo organizacional podemos inferir:
Os memes verticalizados, sejam os das organizações públicas, privadas ou da mídia eletrônica (que contém os códigos culturais e que até há pouco tempo prevalecia e conduzia soberano, a conduta social) defrontam-se, hoje, com novos memes, que se formam nas redes sociais dentro do ambiente das mídias digitais, num embate constante com o automatismo da REPLICAÇÃO EGOÍSTA ou verticalizada.
Ele descreve os seres humanos (aqui no caso, também, as organizações formadas por eles), como veículos e replicadores de genes (porção do DNA capaz de produzir um efeito no organismo que seja hereditário e possa ser alvo da seleção natural) e de memes que se replicam e sobrevivem de forma semelhante aos genes, através de um processo de seleção e competitividade. Segundo ele, somos veículos, mas não necessariamente serviçais:
"Somos construídos como máquinas de genes e educados como máquinas de memes, mas temos o poder de nos revoltar contra os nossos criadores. Somos os únicos na Terra que temos o poder de nos rebelar contra a tirania dos replicadores egoístas".
Para Dawkins, uma das razões para o grande apelo exercido pela teoria da seleção de grupo talvez seja o fato de ela se afinar completamente com os IDEAIS MORAIS E POLÍTICOS partilhados pela maioria de nós. Como indivíduos ou organizações, não raro, nos comportamos de forma egoísta (identidade). Nos momentos idealistas reverenciamos e admiramos aqueles que colocam o bem-estar dos outros em primeiro lugar (imagem).
Na maioria das vezes o “altruísmo” no interior das organizações se faz acompanhar pelo egoísmo e conflito de interesses entre elas. Aí a necessidade de uma POLITICA COMPENSATÓRIA, entendendo-se por isso, a função de cada uma delas, com FOCO NOS SEUS OBJETIVOS (missão e visão) e RESULTADOS, respeitando a cultura de todos aqueles envolvidos no processo.
Fundamentalismo Organizacional
Como em qualquer tipo de fundamentalismo, o organizacional ou empresarial fica preso aos memes advindos do pensamento individualista da burguesia em ascensão pós-revolução francesa (século XVIII) que deu início a revolução industrial (século XIX). À época passamos da produção artesanal, para a produção industrial em massa. Como Karl Marx dizia, a exploração do homem pelo homem. O homem visto como extensão da máquina.
Advindos da evolução do pensamento científico administrativo desta época, os memes originados do taylorismo e fordismo, mesmo que ultrapassados, permanecem vivos e atuantes, mesmo com as mudanças proporcionadas pelas tecnologias da informação, principalmente, a digital.
Saímos da semântica da aplicabilidade dos termos “capitalismo”, “comunismo”, “sustentabilidade” para nos atermos à historicidade, à dialética, à prática. O ponto de partida é o SISTEMA DE COMPENSAÇÃO que prossegue com o esclarecimento de uma evolução que desloca a sociedade de um modelo de submissão para um modelo interativo e reivindicatório, cada vez mais contundente, devido às diversas filtragens e trocas de informações.
O conceito de sustentabilidade da forma como é proposto, portanto, muitas vezes soa genérico demais, para não dizer utópico, para grande parte das organizações. Explicada de forma específica, pragmática e sistêmica, a SUSTENTABILIDADE, obedecendo a uma semântica mais adequada ao mundo corporativo, possibilita uma melhor recepção de sua complexidade e aplicabilidade pelos líderes organizacionais.
Enfim, a sustentabilidade mais do que um conceito, é um processo evolutivo da sociedade, ou seja, faz parte da metamorfose que se deu de baixo para cima graças à formação de memes horizontais e transversais. Eles evoluíram, como consequência dos embates entre grupos, organizações e sociedade e se fortaleceram, principalmente, com o advento das tecnologias digitais.
Como adverte Dawkins, devemos lembrar que a evolução não procede no interesse dos genes, nem daqueles indivíduos que carregam os memes, mas apenas no exclusivo interesse dos próprios memes. É por esse motivo que tanto os memes, quanto os genes, são descritos como “egoístas”. Os replicadores (pessoas, grupos, organizações, sociedade organizada) não são egoístas no sentido de seus hedonismos e idiossincrasias. São egoístas no sentido de que serão replicados, se puderem sê-los. No caso dos memes, eles nos usarão para que possam ser copiados e permanecerão aqueles com maior força de persuasão/impacto dentro do organismo social, dependentes de estratégias e projetos bem definidos, sem se interessarem por seus efeitos sobre nós, sobre nossos genes, sobre nosso planeta ou sociedade.
¹ Richard Dawkins nasceu em Nairobi, Quênia, em 1941. Lecionou zoologia na Universidade da ,California, em Berkeley e na Universidade de Oxford, Inglaterra Em 2005 foi eleito o mais influente intelectual britânico pela revista Prospect, e nesse mesmo ano assumiu a cátedra Charles Simonyi de Compreensão Pública da Ciência, que ocupou até 2008.
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Referências:
DAWKINS, Richard. O Gene egoísta. 8º ed. Companhia das letras, 2013. 540p.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede Vol.1. 13º ed. Paz e Terra, 2010. 698p.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia politica Vol.1. 31º ed. Civilização Brasileira, 2013. 571p.