“A principal ferramenta de liderança para promover o aprendizado é a conversação. Mas o trabalho da conversação traz consigo uma novidade: a personalidade do indivíduo passa a ocupar o primeiro plano no ambiente de trabalho. Se a tarefa do líder, na nova economia, é eliminar o medo, gerar confiança e facilitar conversações que criem novos conhecimentos; então, autenticidade, integridade e identidade tornam-se os trunfos mais importantes do gestor.
Enquanto remove velhos pressupostos sobre administração e trabalho, a nova economia traz para o centro do cenário antigas virtudes e verdades humanas. O maior paradoxo da nova economia pode residir no fato de que ela, afinal, não é tão nova assim.”
O pequeno trecho, extraído de um artigo do especialista em inovação Alan Webber, publicado pela Harvard Business Magazine, em 1993, alertava para a importância da criação de um ambiente onde os colaboradores de uma organização pudessem aprender através de sua própria experiência e através de trocas com os demais stakeholders de uma empresa. Se, por um lado, o escritor reconhecia a importância da tecnologia no processo de produção de novos conhecimentos, por outro, enfatizava que o novo residia nas pessoas que integram uma corporação. Portanto, há quase 20 anos, ele ressaltava o diálogo, estimulado pelos líderes, como forma de propiciar o conhecimento imprescindível à renovação dos negócios, que surge apenas em ambientes de confiança e partilha.
O texto foi bem comentado quando publicado, mas, ainda hoje, a prática das conversações como meio de aprendizagem e inovação ainda não consolidou seu espaço em grande parte das organizações mundiais. Presos a velhos e ultrapassados paradigmas, muitos gestores seguem fiéis a suas crenças, alheios às inovações necessárias e latentes que podem surgir mediante a soma de sabedorias indistintas e individuais. Dialogar continua sendo um desafio, especialmente para as lideranças, a quem cabe o papel de estimular as conversações. Por isso, decidi compartilhar minha experiência, que, de alguma forma, poderá contribuir com aqueles que, de fato, desejam equipes inovadoras e performáticas.
Utilizando metodologias de base dialógica com diferentes grupos, comecei a observar as trocas e transformações que acontecem em um nível individual, comigo e com os participantes, em cada trabalho que facilito. A existência de uma intenção clara, comum a todos os envolvidos, por si só, já cria alguma tensão e ansiedade acerca do que ocorrerá naquele que pode ser um evento com poucas ou muitas pessoas. O que acontece ao longo do desenvolvimento do processo depende diretamente do ambiente que todos (coordenadores, facilitadores e participantes) conseguimos criar.
Muitas vezes, especialmente para eventos maiores, há um trabalho de composição de cenário, da escolha de ferramentas de suporte que podem variar de hidrocores e papéis coloridos a computadores e apresentações mais sofisticadas. E esse esforço contribui para criação de um clima propício ao diálogo. Em todos os casos, no entanto, o trabalho começa dentro de mim. Como facilitadora de uma conversação, não importando a metodologia utilizada, tenho que me preparar pessoalmente para estar presente e atenta ao grupo e às sutilezas que fazem a diferença entre a relevância e a espontaneidade das colaborações que se sucederão. Se quero obter o melhor de cada um e criar uma rede de inteligências que, conectadas, alcançarão percepções mais poderosas, até então inexistentes ou não-reveladas, tenho que levar àquele grupo, também, o meu melhor. Para tanto, preciso mergulhar de corpo e alma nos processos que conduzo.
A constatação pode parecer óbvia, mas estar verdadeiramente presente em uma dinâmica social acelerada que nos desconecta uns dos outros a todo instante através de tecnologias e mecanismos de comunicação instantânea e veloz, exige esforço, atenção e muito centramento. Essa tem sido uma grande experiência pessoal: não se pode conduzir ou criar um ambiente de diálogo sem conexão consigo mesmo. Percebo que quanto mais autêntica e integrada com a minha essência humana, mais consigo estimular outras pessoas a fazerem o mesmo. Somente quando os integrantes do grupo sentem-se à vontade para ser quem realmente são podem colaborar com a sua sabedoria individual, criando uma rede de conexões.
Daí pra frente, o ambiente ganha uma energia diferente, que pode ser percebida, embora nem sempre explicada, por todos os participantes. Pessoas confiantes expressam suas ideias e o que pensam, indo além dos papéis formais que desempenham, criando conexões poderosas onde o saber individual realmente tem condições de fluir, gerando uma sabedoria maior: a coletiva. Não bastasse poder experimentar os efeitos humanos dessa conexão, que podem ser traduzidos por olhares brilhantes, declarações entusiasmadas, atenção profunda ao que o outro diz, vontade genuína de evoluir o nível da conversação, alegria diante de novas descobertas, conforto diante da compreensão coletiva de questões que pareciam ser exclusivamente pessoais; há a surpresa, sempre positiva, quando soluções e novas ideias emergem. Na ausência de respostas prontas, o grupo busca soluções em conjunto, conectado e integrado, e as respostas vão surgindo no único lugar em que podem ser encontradas: no seio do sistema em que está inserido.
E isso não é tudo! Se a organização é um sistema complexo, composto por cada um de seus stakeholders, cada indivíduo que a compõe é um sistema em si. Quando se percebe parte de uma rede maior, ele também olha pra dentro de si de forma diferente, conectando-se consigo em níveis mais profundos e produtivos para outros aspectos da sua vida, além do profissional. O clima de confiança necessário às conversações reverbera em todos os pontos da rede e gera pequenas transformações na forma de atuação de cada um. Gradualmente, com a prática de diálogos, seus participantes vão reproduzindo essa forma tão humana e, como constatou Alan Webber, tão antiga de se comunicarem.
Sinto, a cada processo que conduzo, que alguma transformação acontece também dentro de mim. Saio de todos os trabalhos revigorada, feliz e grata pela troca de experiências. Muitas vezes, enfrento, eu própria, meus desafios para estar presente e conectada ao grupo. Para observar sem nenhum julgamento e com uma atenção capaz de detectar algum sentimento que possa comprometer a energia dos demais, como indiferença, descrença, desconfiança e resistência. São comuns em ambientes que experimentam conflitos ou a ausência de diálogo. Quando percebidos, podem ser levemente tocados, mediante o estímulo e a valorização à contribuição individual. Infelizmente, raramente pode-se acabar, em um espaço curto de tempo, com sentimentos que foram construídos pela ausência; mas sempre pode-se iniciar uma transformação ou um pequeno processo, dentro de um sistema menor, que, como parte do todo, acabará por refletir nos resultados do grande grupo.
A atuação do líder, na criação desses ambientes e no estímulo às conversações em suas equipes, não é diferente da minha, como facilitadora. O caminho para ampliação das redes de conversação nas organizações passa pelas lideranças, sendo iniciado, inequivocadamente, dentro de cada um de forma pessoal e individual. Abrir-se ao diálogo é uma condição para a evolução sustentável da economia. Trata-se de uma prática antiga e conhecida, mas que, paradoxalmente, apresenta o novo e que, por isso, exige de cada líder a coragem de mergulhar no desconhecido ao lado de seu time. Afinal, nunca se sabe o que pode emergir quando seres humanos conectam-se e, em confiança, ousam contribuir com o que guardam dentro de si.