Depois de uma rápida e bem-sucedida passagem pelo McDonald’s, onde me tornei um dos melhores fritadores de batata da então loja da avenida Morumbi, em São Paulo, decidi partir com tudo para a área de comunicação. Aprendi muito como estagiário na Johnson & Johnson e executivo na Dow Química, mas minha maior escola foi, sem dúvida, os 14 anos em que atuei como um dos sócios de uma agência que nasceu dentro de uma produtora de vídeo e viria a se tornar uma grande especialista em comunicação interna. Um sem número de projetos de TVs corporativas, convenções, publicações, campanhas de endomarketing, entre outros produtos de comunicação, passaram por minhas mãos, deixando conhecimentos que jamais vou esquecer. O mais valioso deles, no entanto, não estava em nenhuma competência adquirida, mas justamente na falta de uma competência específica.
Aos 42 anos, eu até já poderia me considerar um profissional bem sucedido, dados os resultados consistentes e crescentes que vínhamos obtendo ao longo dos anos. Só que havia uma pedra no meio do caminho - na realidade, não uma pedra, mas uma enorme montanha surgiu a minha frente. Então foi que, de repente, sem qualquer preparação ou aviso prévio, de visionário, tornei-me... cego! E o que eu não conseguia ver? Não conseguia mais enxergar uma solução que realmente endereçasse os problemas de comunicação das empresas que atendíamos. Por mais que os produtos que criávamos se diferenciassem por sua criatividade ou qualidade, sentia que eram incapazes de promover a mudança desejada, mesmo que muitas vezes não expressada, por nossos clientes. Resultado: vivi um período totalmente descrente da comunicação, a ponto de pensar em desistir de vez de uma carreira de mais de 20 anos. Antes, porém, de me transformar num estressado dono de pousada no sul da Bahia, encontrei nessas palavras da Margaret Wheatley, mais do que uma tradução para o que eu estava vivendo, a aceitação para encarar a mudança, mesmo que não fizesse a mínima ideia de para onde ela estivesse me levando: “Nas tradições cristãs, os tempos de caos são chamados de ‘noite escura da alma’. Na noite escura, nós nos sentimos vazios de significado, totalmente sós, abandonados por Deus. Esses momentos negros são a condição para o renascimento, para que surja um eu novo e mais forte.”
Aproveitando a cegueira involuntária, saí à procura de novas lentes na tentativa de voltar a enxergar. Estudei filosofia, biologia e física e passei a ver o mundo com outros olhos. Ao invés de produtos de comunicação, passei a ver pessoas. Quando eu olhava para as empresas, continuava vendo pessoas. E ao estudar seus resultados, também eram pessoas que eu via. Me perguntei onde é que estavam todas essas pessoas quando eu fazia meu trabalho, seja como executivo de empresa ou de agência. Porque eu só via produtos, empresas e resultados. Tudo o que eu fazia, portanto, partia dessa visão, a qual, por experiência própria, tem suas compensações, pois se pode, sim, ganhar um bom dinheiro a partir dela. A questão, portanto, ia muito além do sucesso econômico.
Meu corpo falou comigo muitas vezes e de diversas formas e eu não o escutei. Falou por meio de noites insones, cólicas renais, arritmias, hérnias de disco. Mas quando ele gritou por meio de uma ruptura muscular na panturrilha, me obrigando a andar de muletas por um bom período, finalmente acabei por escutá-lo. Lamentei que isso precisasse ocorrer para eu reconhecer que as lentes que me foram úteis durante tanto tempo estavam velhas e desgastadas. Antes, no entanto, uma dificuldade de locomoção temporária do que um problema mais definitivo, se é que me entendem.
Com uma vida nova que ganhei de presente e um mundo novo que emergiu a partir de tantos olhares diferentes, pude reafirmar meu casamento com a área de comunicação, mas nem eu nem ela éramos mais os mesmos. Quando olhei para meus colegas de profissão, por trás dos velhos dilemas Comunicação X RH, Generalista X Especialista, Operacional X Estratégico, era como se cada um deles ou delas também fosse eu. Vi em seus olhos o mesmo desejo de fazer diferença, de dar vazão ao seu talento para realizar um projeto de vida que realmente pudesse ajudar as pessoas no âmbito de sua atuação, ou seja, as organizações. Estavam todos ali, cada um a sua maneira, se perguntando em como ser mais estratégicos. Conectar-me com o brilho em seus olhos fez com que eu me sentisse ainda mais forte e firme em meu propósito de servir a esses parceiros de jornada. “Estamos juntos, esqueci o resto”, dizia Walt Whitman.
Posso estar enganado, mas, ao longo de uma trajetória que, no ano que vem, estará completando 25 anos, sinto que descobri um caminho que ilumina essa questão de uma forma simples e, ao mesmo tempo, bastante crível.
Partindo do pressuposto de que organizações são, na verdade, comunidades de pessoas que atuam juntas, que cada membro dessa rede traz uma competência ímpar para o sucesso do todo e que, pelo que se pode observar, tem havido uma enorme dificuldade em fazer com que os diferentes talentos conversem para que o resultado coletivo se consolide, não poderia haver função mais nobre e estratégica do que facilitar que essa inteligência coletiva se manifeste e realize sua grande obra. E quem é o candidato natural a ocupar esse posto?
O profissional de comunicação tem tudo para se tornar o maestro da inteligência coletiva de uma organização.
Para isso, nem precisa ser especialista em nenhum instrumento. Sua função é criar o espaço para que os músicos conversem, se escutem e se entendam. Precisa, no entanto, ser mestre em gente, entender como seres humanos funcionam, o que os motiva verdadeiramente, quais seus sonhos e anseios, como operam melhor individualmente e juntos. Esse tipo de aprendizado dificilmente será encontrado nas academias de comunicação, ambiente onde a maioria de nós foi buscar os conhecimentos necessários para atuar como comunicadores. É preciso agradecer por tudo o que os conhecimentos que acumulamos sobre a área fizeram por nós até hoje, mas também é preciso abrir-se para o que ainda não sabemos e que não podemos encontrar nos mesmos lugares que já visitamos.
Essa consciência pode tardar a chegar, mas é inevitável que cada um de nós acabe indo ao encontro de sua própria noite escura, para poder ganhar olhos capazes de enxergar os tesouros que se escondem atrás da fachada de desamor que, um dia, erguemos para nos defender e que, no entanto, nos separaram do amor que tanto necessitamos para viver e do qual nenhuma organização que queira se perpetuar pode abrir mão.
Sobre os conhecimentos necessários para orquestrarmos a inteligência coletiva, Rubem Alves nos dá esse presente que eu costumava carregar como um amuleto enquanto fazia meu caminho pelo desconhecido:“As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor. Aprendemos palavras para melhorar os olhos.” E quando meus olhos passeiam por aí, vejo muitos olhos desejosos de palavras que os iluminem de novo.