Manifesto por uma linguagem mais humana para as organizações
Uma pesquisa realizada na Inglaterra com duas mil pessoas e publicada recentemente pelo The Guardian apontou que 72% da amostra com idade entre 18 e 25 anos acham mais fácil mostrar seus sentimentos em “emoji” do que em palavras escritas. A turma de minha geração – a X – logo se apressou em apontar o empobrecimento da linguagem com o que eles chamaram de movimento de super simplificação. Fico pensando se não valeria a pena pegar o caminho de volta e adotar, por exemplo, vossa mercê ao invés de vc. Claro que isso é só uma forma irônica de nos lembrar que a agilidade com que os mais jovens se comunicam pode levar a interpretações apressadas.
Nesse caso, vejo coerência no uso dos “emoji” e penso: Que bom que eles têm esse recurso para expressar seus sentimentos! Por outro lado, não encontro a mesma coerência no universo das organizações, que, a despeito de afirmarem que desejam fortalecer uma cultura baseada em inovação, autonomia e protagonismo, ainda usam uma linguagem secularmente emprestada da física e da mecânica. E, como seres imersos na linguagem, quando fazemos uso de uma linguagem que não reconhece que pessoas não são máquinas e, portanto, não pensam nem agem como “coisas”, retiramos delas justamente a capacidade que só um ser humano tem de responder a esses desafios que, em sua natureza, também são complexos. Mais do que isso, pessoas que não são tratadas como pessoas, invariavelmente, acabam por adoecer.
Motivado por essa triste constatação, resolvi pedir a ajuda dos amigos para identificar as palavras e expressões que emprestamos do mundo das coisas e das ciências exatas e que usamos todos os dias, sem nos darmos conta de que estamos apenas reforçando ainda mais esse caminho que desumaniza as organizações e retira delas essa fabulosa capacidade adaptativa que só os seres vivos possuem e que é tão necessária para que elas continuem evoluindo.
Para efeito didático, das dezenas de contribuições, resolvi comentar apenas algumas palavras que, em minha experiência, são significativas o suficiente como alarmes para a necessidade de iniciarmos um novo dicionário que eu nomeio de “humano-organizacional”. Fique à vontade, portanto, para completar esse ensaio com termos e expressões que você também observa em seu cotidiano.
Engrenagem: originária do francês “engrener”, significa tanto encaixar rodas dentadas quanto colocar grão no moinho. Quando entendemos a empresa como uma máquina, normalmente usamos a palavra engrenagem para explicar o seu funcionamento. Dessa forma, se existe algum problema, eventualmente, nos referimos a pessoas como “peças” que precisam ser trocadas ou repostas.
Ferramenta: em latim, quer dizer “conjunto de instrumentos de ferro”. No mundo organizacional, é empregada de maneira genérica e indiscriminada para identificar qualquer meio que uma pessoa ou um grupo de pessoas utiliza para atingir determinados resultados. Uma das aplicações são as famosas “ferramentas de gestão”, conjunto de técnicas – instrumentos - que um líder dispõe para realizar o seu trabalho de liderar equipes, projetos etc.
Transmissão: no contexto da física, refere-se à parcela de energia que não é absorvida nem refletida; é o nome dado à caixa de câmbio de um veículo; também é usada para explicar o processo de transporte de energia entre dois pontos. Nas empresas, a palavra é empregada para reduzir o processo de comunicação à dinâmica entre um emissor que “transmite” uma mensagem e um receptor, que a recebe, ignorando que o processo comunicacional não se dá de modo linear, sempre envolve, no mínimo, dois comunicadores e o significado é construído conjuntamente.
Alinhamento: a origem é do latim “lineare”, que significa arranjar coisas em fila, em linha. Na mecânica, é o ato de fazer a correção geométrica de um conjunto de elementos que formam a suspensão e que permitem ao veículo manter sua trajetória – alinhamento de pneus e de direção. É usada para expressar o desejo de que todos tenham o mesmo entendimento sobre um determinado objetivo e se orientem em torno de uma única direção. Como construir uma empresa inovadora se todos pensam e agem da mesma forma?
Bateria: possui inúmeras aplicações, como bateria militar, instrumento musical, bateria automotiva e conjunto de pilhas. Nas organizações, costuma-se usá-la em expressões que se referem à energia das pessoas: “Fulano está com a bateria baixa”.
Combustível: palavra usada metaforicamente para se referir a algo essencial para o sucesso de uma empresa, como, por exemplo, o lucro.
Acelerar: do latim “accelerare”, que significa apressar, fazer algo mais rápido. Acelerado costuma ser o ritmo em que a maioria das empresas prefere operar - palavra esta originalmente relacionada a realizar algo com esforço -, mesmo que a melhor oxigenação possível de nosso cérebro ocorra quando estamos menos acelerados.
Meta: sua origem remete a marco, baliza, bem como o nome do objeto de forma cônica que definia o local onde os cavalos podiam fazer a volta nas competições.
Feedback: nome emprestado da engenharia elétrica e eletrônica e que explica o procedimento através do qual parte do sinal de saída de um sistema (ou circuito) é transferida para a entrada deste mesmo sistema. Quando a retroalimentação diminui o nível da saída, fala-se em feedback negativo. Quando a retroalimentação aumenta o nível de saída, fala-se em feedback positivo. Nas empresas, costuma ser o principal termo para denominar o processo de avaliação de desempenho que, não raras vezes, é realizado para “consertar” pessoas. De tão mal empregado, caiu em desgraça e já é vulgarmente conhecido f...dback.
Desempenho: empenhar vem do latim “impignare”, de “pignus”, que significa penhor, objeto dado em garantia, ao que se pode concluir que, em sua origem, desempenhar quer dizer resgatar ou recuperar um objeto dado em garantia. Assim, a palavra, que também é usada no inglês “performance”, sugere que haja uma dívida por parte de uma pessoa ou grupo de pessoas para com a organização. A palavra é também largamente utilizada no mundo dos esportes, referindo-se tanto ao desempenho de pessoas – atletas e equipes – quanto máquinas – por exemplo, carros. Aparece muitas vezes associada à eficiência, palavra que vem do latim “effectus”, que quer dizer resultado, realização, performance.
Quando uma pessoa apresenta um baixo desempenho, não se comportando de maneira eficiente e alinhada com as metas da empresa, ela recebe um feedback negativo e, se não for capaz ela mesma de consertar o problema com as ferramentas disponíveis, acabará por ser reposta, para que a engrenagem continue funcionando perfeitamente. Afinal a máquina tem que continuar operando em ritmo acelerado e não pode parar, né?
Colaboraram nas reflexões que levaram à elaboração desse artigo: Adriano Manzani, Andréa de Mello Silva, Angélica Serapicos, Beatriz de Caroli, Cristobal Gaggero, Denise Asnis, Denise Pragana, Esteban M. R. Guevara, Fabiane Vasconcelos, Fernanda Mori, Flavia Lemes, Gisele Lorenzetti, Guilherme Almeida, Joel C. Oliveira, Letícia C. Ferreira, Ligia Correa, Monica Cristina B. Iwata, Paulo A. Resende, Rene Pimentel, Suellen C. Macena, Tatiana Libbbos.
Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje
e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 1508
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