Pare de dourar a pílula!
Em 1988, quando me formei jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, concordei, entre outras coisas, em realizar um trabalho em que a produção e a divulgação da informação deviam se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público. E que isso deveria ser cumprido independentemente da linha política dos proprietários e/ou diretores dos veículos ou da natureza econômica de suas empresas (1). Meus colegas de Relações Públicas, ao se formarem nessa atividade, concordaram em se empenhar para criar estruturas e canais de comunicação que favoreçam o diálogo e a livre circulação de informações (2). Em ambos os casos, citei literalmente alguns dos princípios fundamentais que figuram no código de ética que rege cada uma das referidas profissões.
Daí o meu espanto, portanto, ao assistir episódios frequentes nos quais colegas de profissão pisam, sapateiam, rasgam, incendeiam esses mesmos princípios. Sim, ainda me espanto. E muito. E me envergonho, porque, mesmo discordando e não seguindo as mesmas práticas, atuo no mesmo mercado. E, a cada vez que uma empresa impede o trabalho da imprensa, manipulando e restringindo o acesso a informações de interesse público, a cada vez que um órgão de imprensa atua de maneira não apenas parcial, mas escancaradamente partidária, única e exclusivamente preocupado consigo mesmo, eu também sou levado pelo mar de lama. Os atos de terceiros prejudicam a mim e a você que, repito, a despeito de discordarmos e não seguirmos as mesmas práticas, também somos prejudicados.
O que podemos fazer diante dessa situação que tem manchado de vergonha a profissão que a grande maioria de nós abraçou por amor?
Minha primeira inclinação ao me fazer essa pergunta foi partir para aquilo que mais tenho visto e, infelizmente, eu mesmo, também praticado: reclamar. Qual o problema em reclamar? Em princípio, nenhum. Reclamar é melhor do que ficar quieto, omisso, em um canto. No entanto, reclamar nos leva invariavelmente a um espaço de ilusão onde nos colocamos fora do problema. O problema são os outros. A diretoria, a empresa, o trânsito, o governo.... tudo devidamente colocado na terceira pessoa, de maneira a aliviarmos nossa culpa. Sim, se vivemos no mesmo planeta, somos corresponsáveis por tudo de bom e tudo de ruim que acontece por aqui. E, quando nos definimos como ETs, além do tremendo autoengano, simplesmente, nos colocamos num lugar de impotência. Quem frequenta estádios de futebol já deve ter visto a turma da pipoca, que fica na arquibancada criticando o time – comendo pipoca enquanto os jogadores são os únicos que podem fazer algo de fato para mudar o placar. Se você não faz parte do problema, não tem como fazer parte da solução. Esta é uma de minhas máximas preferidas, porque ela me lembra que, se eu tenho algo a ver com isso, tenho algo a fazer com isso. E meu convite, portanto, é que, todos nós que nos espantamos com o que está acontecendo com nossa profissão de comunicadores, percebamos que também somos parte do problema. Assim...
Quer uma dica? Comece por recusar convites para apresentar algo difícil ou desagradável como uma coisa mais suave e mais fácil de aceitar. Isso mesmo, pare de dourar a pílula! Eufemismo só é bonito em literatura. Na vida cotidiana é enganação. E nós dois, muito menos as empresas para as quais trabalhamos, não queremos ser tachados de enganadores, né?
Fontes:
(1) Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, FENAJ, 04/08/2007
(2) Código de Ética dos Profissionais de Relações Públicas, CONFERP, 06/11/1985
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