Existe um fascínio exacerbado pela tecnologia e suas modernas soluções para a comunicação organizacional. O louvor das novas mídias, especialmente a internet, leva à perda da noção crítica e da relativização dos benefícios.
É positivo termos tantos canais de comunicação e mídias convergentes, em que todos podem virar autores. Publicamos, postamos e lemos com muito mais facilidade, o que é bem interessante, apesar dos muitos plágios e repetições. Mas, como perguntou Caetano Veloso nos anos 60 - em sua bela música Alegria Alegria -, podemos nos perguntar em 2012: Quem lê tanta notícia ?
O Facebook foi o maior publisher da mídia digital no ano passado: em dezembro, os visitantes gastaram, em média, 4,8 horas no site, ante os 37 minutos do mesmo período de 2010. A visualização de vídeos online cresceu 74% e os brasileiros viram 4,7 bilhões deles. Isso consolida o segmento como uma das atividades online mais importantes da internet. Os dados são do relatório anual sobre as tendências digitais do Brasil, o “2012 Brazil Digital Future in Focus”, da ComScore.
Abordagem interessante a da jornalista Natasha Singer, no The New York Times. Em artigo recente, afirma ser muito provável que a Acxiom Corporation saiba muitas coisas sobre nós - como idade, raça, sexo, peso, altura, estado civil, escolaridade, tendência política, hábitos de consumo, preocupações com a saúde, sonhos e assim por diante - do que sabem os nossos amigos. Para isso a empresa “de marketing de bancos de dados” (sic) utiliza mais de 23 mil servidores que capturam, comparam e analisam dados de consumidores. Seus servidores processam mais de 50 trilhões de “transações” por ano, em cerca de 1.500 categorias de dados por pessoa. Esta coleta e análise em grande escala tem como clientes grandes bancos, montadoras, pretrolíferas, grandes redes – e todas as companhias importantes que procuram conhecer muito bem os clientes. No Brasil, a Acxiom, afirma ter o registro de 175 milhões de pessoas !
Eli Pariser, autor do livro O Filtro Invisível, é um ativista digital que vem alertando contra a personalização em sites do gênero Facebook e Google. Segundo ele os resultados são filtrados para cada pessoa. Exemplo disso é que duas pessoas podem estar procurando a mesma palavra no mesmo momento e receberem resultados muito diferentes. Formas sutil de censura, que ele denomina de filtro invisível, na qual o internauta não é proibido de ver nada, mas a sua atenção é dirigida de forma que não perceba que a informação existe. Para Pariser há um dilema ético nessas formas como os resultados de busca são apresentados.
Além de questões éticas e da privacidade, creio que excessos de canais podem ser o tal tiro pela culatra. Com a avalanche de informação, temos os plágios, repetições exaustivas e a falta de conteúdos criativos. Hoje os norte-americanos confiam bem pouco nas principais organizações de notícias dos Estados Unidos, revelou pesquisa elaborada pela Pew Research Center For The People and The Press. Em 2012 os veículos jornalísticos atingiram o menor grau de credibilidade da última década: 44% dos entrevistados atribuem nota 1 e 2 (negativa) para os meios. Em 2002 eram 30%.
O sociólogo francês Dominique Wolton, um dos expoentes atuais das reflexões sobre a comunicação e na crítica da Web, alerta que o progresso tecnológico não significa, por si só, o avanço da comunicação humana e social. Para ele a mídia está submetida a uma dupla influência muito forte com a pressão econômica, através da concentração e a influência dos políticos que querem controlá-la. A elite dos jornalistas e das empresas de comunicação está muito próxima da classe dirigente.
O Diretor do Laboratório de Informação, do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, afirma que a concorrência entre as mídias faz com que todos tratem do mesmo assunto. Esse comportamento mimético acabaria por diminuir a confiança que o público tem no jornalista. Seria necessário um jornalismo menos autoreferente e com postura reflexiva sobre todos os problemas da sociedade.
Para Wolton, a internet é o “Titanic da cibercultura” pois vê nessas tecnologias contemporâneas de comunicação uma ilusão de contato que, na verdade, fecha cada um sobre si mesmo. Em seu livro Informar não é Comunicar trata dessas questões e da idolatria da internet que tem por trás grupos poderosos e às vezes interesses escusos, coisas que poucos conseguem enxergar.
Outro autor crítico interessante é David Rothkopf, que dirige a revista Foreign Policy e escreveu livros como Power, Inc. Nesta última publicação cita exemplos de como empresas gigantes podem se tornar empecilho ao funcionamento dos Estados. Segundo o jornalista, dos 193 países membros das Nações Unidas, 161 tem menos recursos que as 2 mil principais empresas do mundo. O crescimento das corporações pode não trazer problemas se não influenciarem resultados políticos, regulamentação de mercados financeiros etc. Mas, segundo ele, o que não deveria acontecer, muitas vezes acontece. O governo deveria ser, além de provedor de serviços essenciais, um garantidor de jogo justo, cumpridor das leis anti corrupção, mantendo distância do dinheiro privado em campanhas públicas e limitando a capacidade de atores privados de fazerem lobby.
Rothkopf cita exemplos como a Exxon Mobil, cujo faturamento anual se compara ao PIB Sueco, que tem orçamento dirigido especialmente aos direitos da população. Toda a soma que o país gasta em diplomacia é menor do que a companhia gasta em relações públicas. Ela opera em mais localidades do que as que têm embaixadas da Suécia.
Em 2000 Naomi Klein publicou Sem Logo - A Tirania das Marcas em Um Planeta Vendido. Em visão cética, construiu formulações sobre o reino das marcas. Abordou os efeitos negativos que o marketing pode ter na cultura, no trabalho e nas escolhas do consumidor, mostrando como multinacionais convertem o mundo em uma oportunidade de mercado. O livro se transformou em manifesto do movimento antiglobalização, ao relatar pressões impostas pelas grandes empresas sobre seus trabalhadores.
Klein hoje escreve sobre questões como culture jamming e reclaim the streets. Apologiza o movimento que se posiciona contra os efeitos negativos da globalização sobre a vida urbana em sociedade. Coloca-se contra o automóvel como modo predominante de transporte e contra certa corrida tecnológica e produtiva que fez os trabalhos de fabricação passarem para países estrangeiros, em locais conhecidos como zonas de processamento de exportação, sem leis trabalhistas e em péssimas condições de trabalho. Como influência dessa corrente do pensamento, hoje temos movimentos como o Occupy, cujos participantes se rebelavam contra um tipo de capitalismo predatório.
Em um livro mais antigo, o Ideologia da Sociedade Industrial, Herbert Marcuse repetiu a crítica ao racionalismo da sociedade moderna, e tentou esboçar o caminho que poderá nos afastar dele. Representante da Escola de Frankfurt, já relacionava avanço tecnológico e reprodução da lógica capitalista, com ênfase no consumo. Para ele o problema da sociedade moderna é a invasão da mentalidade mercantilista e quantificadora a todos os domínios do pensamento. Essa mentalidade se representa economicamente pelo valor de troca, ligado de modo íntimo aos processos de alienação do homem. Marcuse se preocupava com o desenvolvimento descontrolado da tecnologia, o racionalismo dominante nas sociedades modernas, os movimentos repressivos das liberdades individuais e o aniquilamento da Razão.
Em outro clássico Apocalípticos e Integrados, Umberto Eco analisava essa divisão frente à cultura de massa e a indústria cultural. De um lado a análise de que massificação da produção e do consumo constituíam a perda da essência da criação artística. Do outro lado aqueles que acreditavam vivermos enormes avanços, incentivo à criatividade e fortalecimento da democracia.
Hoje com tantos jogos, chats e aplicativos sabemos que eles podem ter caráter viciante. A busca pelo equilíbrio na era digital fez surgir movimentos como o Wisdom 2.0. Em suas conferências seus integrantes abordam o que consideram o grande desafio do nosso tempo: fazer dos conectados, através da tecnologia, uma forma benéfica para o próprio bem-estar, eficaz em nosso trabalho, e útil para o mundo.
Já é consenso que tecnologia demais faz mal à saúde. Nas conferências e entrevistas podemos notar que até os líderes e o alto escalão das grandes empresas de tecnologia têm manifestado preocupação com a intensidade do uso desses dispositivos e como estão prejudicando a produtividade e as interações pessoais.
Alain de Botton é outro crítico da superficialidade do ambiente digital. Ele afirma que “companhias nervosas querem sempre entender o que é a mídia social. Mas se você observar de perto, na verdade as pessoas são bizarras”. Para o filósofo e escritor, que soma quase 240 mil seguidores no Twitter, o digital é apenas uma ferramenta de tecnologia.
Em entrevista durante a sua participação na Flip 2012 o escritor Jonathan Franzen afirmou que especialmente os jovens estão fascinados pela tecnologia como promessa de realização pessoal. Eles seriam mais contaminados por esse universo da imagem e da técnica, que não combina com o mundo real. “A tecnologia não cura a angústia” lembra o premiado autor.
É certo que, nas palavras de Eco, estou sendo mais apocalíptico que integrado, ao citar autores dissonantes. Seria mais fácil utilizar os do discurso entusiasta, que encaram a tecnologia como o êxtase da Comunicação. Esses são bem mais abundantes. Mas, para evitarmos falências narrativas, é sempre bom termos visão crítica e considerar que, como no velho ditado, nem tudo que reluz é ouro.