As fotos insinuantes da atriz Carolina Dieckmann publicadas em sites, sem autorização, aceleraram as discussões em relação à intimidade e ao crime virtual no Brasil. Nesses quesitos, a lei patina há 12 anos. O velhinho PL 84/99, conhecido como “Lei Azeredo” voltou a ser avaliado depois de perder 17 dos seus 22 artigos anteriormente aprovados pelo Senado. Outro projeto de lei - o 2793/11 -, que tipifica crimes virtuais, entrou novamente na pauta.
Ao mesmo tempo está em consulta pública mais um projeto de lei - o PL 2126/11 - chamado de Marco Civil da Internet. Uma bandeira dos ativistas da liberdade na web, ele estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.
Nos Estados Unidos a CISPA - Cyber Intelligence Sharing and Protection Act - é o polêmico projeto que visa proteger empresas privadas de ciber ataques. A lei permite troca de dados, sem estabelecer requisitos, para que indústria e governo protejam dados e identifiquem pessoas. Para os críticos, isso significa que informações pessoais podem ser passadas sem a necessidade de mandado judicial, o que fere a privacidade. Os usuários de internet seriam vigiados e qualquer ação considerada suspeita faria suas informações serem compartilhadas entre órgãos governamentais. Para os apoiadores do projeto ele visa impedir ataques cibernéticos, especialmente os que vêm de fora dos EUA.
Já o SOPA - Stop Online Piracy Act – expande a capacidade dos EUA em aplicar a lei para combater o tráfico on-line em direitos autorais e propriedade intelectual. Uma ferramenta de controle que altera de forma crucial o funcionamento da rede. Impõe medidas severas às violações de direitos autorais, como alterações no sistema de nomes de domínio, filtragem em mecanismos de busca para que sites não sejam encontrados, além de instruções de bloqueio a operações financeiras, como doações feitas em apoio ao site considerado infrator. A medida desafia a arquitetura da rede mundial, em sua estrutura aberta que incentiva a participação e a criação colaborativa. A grita é grande, tanto que sites muito visitados como Wikipedia fizeram blecaute para protestar contra esses projetos de lei. O Google chegou a colocar uma tarja preta sobre seu próprio logo.
Depois do Wikileaks, tivemos o Vatileaks com a recente acusação contra Paolo Gabriele, mordomo do Papa, devido a posse de documentos secretos após vazamentos que geraram polêmica na Santa Sé.
Com ou sem apropriação de fotos insinuantes ou vazamento de documentos dos famosos é cada vez mais comum essas ocorrências no universo cibernético. Por outro lado, o que se releva é o momento único no país para as organizações, companhias e cidadãos discutirem liberdade sob um novo olhar.
Um dos três Projetos de Lei, em pauta no Brasil - o 84/99 -, visa tornar crime ações praticadas na internet tais como destruição de dados eletrônicos de terceiros, acesso e obtenção de informações em sistemas restritos sem autorização e a transferência não autorizada de dados particulares. Qualquer uma dessas ações se tornariam passíveis de prisão e multa. Para os críticos a lei traz criminalizações generalizadas e pode punir injustamente pessoas que trabalham com segurança digital. O projeto chegou a ser rotulado de AI-5 Digital.
A liberdade de imprensa foi assegurada aos brasileiros em 28 de agosto de 1821. O Ato Institucional Nº 5, de 1968, foi o quinto de uma série de decretos emitidos pelo regime militar brasileiro nos anos seguintes ao Golpe de 1964. Ele se sobrepunha às constituições federais e estaduais, dando poderes extraordinários ao Presidente da República. O AI-5 recrudesceu o Estado Autoritário, suspendeu várias garantias constitucionais e implantou a censura no Brasil. Em 1985, com o fim do regime autoritário de duas décadas, o Brasil voltou a ter liberdade de imprensa.
Mas, precisou de mais quatro anos para que a população pudesse votar em seu candidato a Presidente da República. Mesmo com liberdade e eleições diretas asseguradas, só no mês de maio de 2012 é que realmente os brasileiros passaram a contar com maior garantia de acesso à informação.
A Constituição Federal em vigor é de 1988 e assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Em outro artigo estabelece o direito do brasileiro em ter acesso às informações públicas. Porém, isso nunca foi regulamentado. Se um morador tivesse interesse em saber como foi a licitação para a coleta de lixo em sua cidade encontraria muita dificuldade para obter esse dado. Saber quanto foi gasto em Saúde ou quantos funcionários e médicos tem um hospital público era uma informação nebulosa.
O projeto de Lei de Acesso à Informação (LAI) ficou parado no Senado de abril de 2010 - quando foi aprovado em regime de urgência pela Câmara dos Deputados - até outubro de 2011. Ao chegar à Comissão de Relações Exteriores, já um ano depois de estar no Senado, o andamento do projeto travou. O presidente dessa Comissão, o senador Fernando Collor, levou quatro meses para assumir a relatoria da matéria.
A LAI apresenta procedimentos a serem observados pela Administração Pública objetivando assegurar o direito fundamental de acesso à informação. Garante aos cidadãos o direito de obter o acesso a qualquer documento, registro administrativo e informação sobre atos de governo. Acesso esse que deve ser facilitado e disponibilizado, especialmente, via internet. Deve ser cumprida pelos órgãos públicos dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) dos três níveis de governo (federal, estadual, distrital e municipal), dos Tribunais de Contas, Ministérios Públicos, órgãos da Administração Indireta e entidades privadas sem fins lucrativos que recebam recursos públicos e tenham vínculo contratual com órgão público.
Leis de acesso à informação já existem em 90 países, sendo que o primeiro a instituir a sua foi a Suécia, em 1766! Países como Inglaterra, Alemanha, França, Portugal e Bélgica ainda estabeleceram que as empresas estatais precisam publicar relatórios de sustentabilidade para informar a sociedade sobre a evolução de dados como os impactos socioambientais e questões relacionadas a gênero e raça nas empresas.
Concomitantemente, nesse mesmo momento de aprovação da Lei de Acesso à Informação, o Brasil instalava a Comissão Nacional da Verdade. Por pressão internacional e questões humanitárias, a primeira missão será elucidar as circunstâncias em que 150 pessoas desapareceram por serem opositores ao regime militar. Brasileiros que depois de presos por agentes do estado sumiram para sempre. Se já existisse Web em 1968 possivelmente o destino do país seria diferente.
Foi graças à internet que o noticiário internacional soube que protestos juvenis, contra o desemprego, tinham se transformado em uma manifestação de grandes proporções. Ela tomou as ruas da Tunísia e ganhou conotação política, criticando a falta de liberdade no país. Era o início daquilo que se espalhou por outros países da região e ficou conhecido por Primavera Árabe.
O Google Art Project, criado em 2011 para tornar obras de arte de todo o mundo mais acessíveis tem hoje mais de 150 espaços digitalizados. São 41 países, que somam mais de 30 mil obras de arte em alta resolução. O kit de gravação possui quinze câmeras de alta definição, em 360º, que recria fielmente o ambiente. É uma espécie de Street View de museus. Aliás, são duas ideias geniais do Google.
O lado “perverso” está presente a partir do momento em que os veículos especiais, que gravam as cenas para as visões das ruas, registram também os sinais sem fio dos roteadores das casas, gravando o ID e a localização exata de cada um. Além disso, se a rede sem fio do morador está desprotegida os computadores do Google podem salvar informações nela contidas.
As diferentes visões sobre os direitos na internet mostram que é complicado estabelecer a cidadania digital. Usuários, empresas e governos têm interesses diversos. Não há consenso quando se discute a neutralidade na rede. Está em jogo o domínio do universo virtual, as políticas de identidade e privacidade. Como na vida humana a internet também está permeada por virtudes e infâmias. São falsos ideais convivendo com potencial revolucionário, ativismo com exibicionismo.
A internet nasceu livre e democrática. As investidas contra suas características essenciais podem fazer com que seus atributos de pluralidade cheguem ao fim.
A regulamentação da Lei de Acesso à Informação, as discussões em torno dos direitos e deveres na Web e o início dos trabalhos da Comissão da Verdade podem levar o país a um novo e importante patamar. É uma boa chance de ficarmos na História como aquele país que soube aproveitar o momento para aprovar leis modernas e sepultar de vez a censura.