Consultor vira-lata da linha ziriguidum
Tem consultor para tudo hoje em dia. Eles estão presentes na sua vida pessoal, decorando sua casa, escolhendo suas roupas, o corte de seu cabelo, o que você deve comer, e também trabalham ajudando empresas a desenvolver e implantar processos, transformar culturas, treinar pessoas, entre tantas outras coisas que, um dia, alguém ainda irá organizar um compêndio sobre o trabalho do consultor. Claro que já se publicaram milhares de livros – isso mesmo, milhares! -, mas nenhum na forma de uma “lista OESP”. Não tem a lista, mas tem o Google.
Se você, por exemplo, pesquisar a palavra consultor, além das definições do Wikipedia, vai encontrar a notícia de que o Parreira foi nomeado consultor para a Copa do Mundo 2014 – Deus nos proteja! Mais abaixo, verá um convite para trabalhar como consultora Natura e, se tiver um pouco mais de paciência, poderá ler o artigo “Consultoria: é moda ser consultor?” e se deparar com um dos mitos do trabalho de consultoria: se você se apresenta como consultor, é porque deve estar desempregado. É claro que podem existir casos onde isso acontece. Tanto é que nas empresas de outplacement – consultorias especializadas em ajudar as pessoas a se recolocarem no mercado -, uma das alternativas que costumam ser trabalhadas com os clientes é a carreira na área de consultoria. Espera-se que não seja por falta de opção, mas por vocação. Porque o mercado carece de profissionais de consultoria. As empresas, às vezes, precisam enxergar-se com os olhos de outras pessoas. Consultores trazem olhares para as empresas por ângulos que elas não conseguem ver sozinhas.
Nesse ponto, encontramos basicamente dois tipos de consultores. O primeiro olha para a empresa como um médico olha para o paciente. O trabalho dele é diagnosticar os problemas e prescrever as soluções. Como qualquer médico, normalmente, esse consultor é especialista em alguma competência, mas também já vi consultores do tipo clínico geral, que opinam sobre tudo. O segundo tipo, menos comum do que o primeiro, trabalha como um animador de torcida. Meus colegas irão me matar por essa analogia. Até pensei em fazer uma metáfora com o trabalho do maestro, mas um consultor de processos, como define Edgar Schein, um dos profissionais mais consagrados nessa área, não lidera nenhuma orquestra, mas, qual um animador de torcida, anima um grupo de pessoas a agir. No dicionário, anima significa dar vida a; dar alento, força, coragem; promover o desenvolvimento; imprimir movimento. É exatamente essa a definição do trabalho de um consultor de processos: alguém que ajuda uma empresa a se desenvolver no aspecto que for, porque quem faz o movimento não é o consultor, mas a empresa, ou melhor, as pessoas que fazem parte dela e que são, portanto, as pessoas que mais conhecem sua cultura e que reúnem as competências necessárias para transformá-la. Só que, lembrando uma frase famosa de Einstein, nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou. Por isso, o principal desafio do consultor de processos costuma ser criar as condições necessárias para que um determinado grupo de pessoas possa ampliar sua consciência e, assim, resolver o problema endereçado. Aí entra uma lei sistêmica importante: se você não faz parte do problema, não tem como fazer parte da solução. Por mais que se aliem a seus clientes, consultores não fazem parte do problema, não têm, como, portanto, resolvê-los.
Outra definição para anima pode ser encontrada na psicologia junguiana. “Partindo da noção de complementaridade entre a consciência e o inconsciente, ela estabelece que o homem tem uma alma feminina – a anima - e a mulher, uma alma masculina – o animus. Para Jung, o que caracteriza a feminilidade da anima é o sentimento, enquanto o animus está ligado predominantemente ao pensamento racional, essencialmente masculino. No processo de individuação, integrar a anima para os homens e o animus para as mulheres é uma das etapas fundamentais, vindo logo depois da integração da sombra e imediatamente antes da realização do Si-mesmo.” (Para mais informações, vá para “O que é animus e anima na teoria jungiana?” em Yahoo Respostas)
O que esse conceito da psicologia tem a ver com a consultoria de processos? Tudo! Pelas próprias características do atual modelo econômico, as empresas possuem o animus muito mais forte do que a anima. Com o predomínio do pensamento racional, as organizações definem metas ousadas, operam de maneira agressiva, conquistam mercados. Nesse percurso, fazem um estrago danado às relações, desumanizadas pela falta de anima, uma vez que os sentimentos são ignorados. Tanto é que profissionais que costumam demonstrar seus sentimentos são desvalorizados. Chorar, só no banheiro e, mesmo assim, não esqueça de levar o colírio! É preciso integrar anima e animus, buscando um balanço entre os pensamentos masculino e feminino. Isso é necessário para a realização do Si-mesmo, afirma Jung – algo que vale também para as empresas, na medida em que são constituídas por grupos de pessoas e, portanto, para todos os efeitos, também são organismos vivos, entidades humanas sujeitas às mesmas leis biológico-culturais que regem qualquer pessoa.
Chegando aqui, aparece uma outra distinção no trabalho de consultoria e que é expressa a partir de uma pergunta que me deixa de cabelos em pé: “Qual é sua linha?” Como o trabalho do consultor de processos, em certa medida, confunde-se com a atividade do psicólogo, a pergunta não deveria surpreender. Qualquer um que já passou por tratamento psicoterápico teve, em algum momento, a curiosidade de pesquisar a linha trabalhada pelo profissional. Freudiana, Reichiana, Jungiana? E muitos deles, orgulhosamente, se identificam como psicanalistas freudianos - o pleonasmo é por minha conta! -, terapeutas bioenergéticos, entre outras denominações, associando o seu trabalho a uma determinada corrente de pensamento. Uma linha é como um pedigree, dá uma certa autoridade para quem a tem. E esse é o meu problema: não consigo me identificar com uma única linha, o que faz de mim um consultor vira-lata! Sou jornalista de formação, mas não trabalho como um “consultor jornalista” ou como um “consultor em comunicação”. Fiz formações em Consultora Antroposófica, Teoria U, Biologia-Cultural, Pensamento Sistêmico, Diálogo de Bohm, mas não consigo colocar-me como representante de nenhuma dessas linhas. Pensei em me tratar por SRD (Sem Raça Definida) para me identificar, mas me senti ainda mais diminuído pelo uso da sigla.
Vira-latas são cães e gatos que descendem de várias raças e, por isso, também são chamados de mestiços. Darcy Ribeiro, em sua obra mais famosa, “O Povo Brasileiro”, explica a formação de nossa identidade a partir dos mamelucos. “Os nascidos do cruzamento de portugueses com índios não eram considerados pelos índios como sendo um deles, pois para estes, a ascendência que contava era a paterna. A recepção pelo lado paterno era muito pior, pois os mamelucos eram motivo de deboche entre os reinóis e luso-brasileiros. Caso indagasse a si próprio sua identidade, o mameluco só encontraria uma resposta: não sendo mais silvícola, e nem europeu, o mameluco é ninguém.“ Aí surge a ideia da “ninguendade”, cunhada por Darcy. Não se identificando com ninguém, resta-lhe assumir-se como brasileiro, um povo novo. Ainda bem, digo eu! Somos o que somos graças a nossa origem vira-lata.
Saber dessa historia me dá um alívio danado. Não é tão ruim assim ser vira-lata. Pelo contrário, um poodle só pode agir como poodle. Um cachorro filho de um poodle com um pastor alemão, embora não seja lá uma imagem muito agradável aos olhos, pode tanto agir como um poodle quanto como um pastor alemão. Um vira-lata é livre para agir como quiser. Um consultor vira-lata, formado a partir de muitas correntes de pensamento, é livre para trazer as características do pensamento ou pensamentos necessários para cada cliente, a cada momento.
Uma amiga, também consultora vira-lata, me disse que, quando lhe perguntam qual é sua linha, ela simplesmente responde: “minha linha é uma mistura de tudo aquilo que aprendi, mas, se você precisa de um nome, eu lhe darei. É a linha ziriguidum.” Portanto, se você tiver curiosidade em saber o que faço, é simples: sou um consultor de processos por vocação, vira-lata por natureza e adepto incondicional da linha ziriguidum.
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