Conhecer os limites
Certa vez, um comunicador marcou um encontro comigo para discutir um trabalho e, no horário combinado, em lugar de encontrá-lo recebi um torpedo onde estava escrito: “Sai à noite com uns amigos, fiquei com uma garota e acabei não conseguido levantar cedo”. Li e, imediatamente, lembrei do melhor chefe de reportagem que conheci, Renan Miranda. Trabalhávamos em O Globo, Rio de Janeiro, entre o final da década de 70 e início dos anos 80. Renan costumava reunir os repórteres em casa, no bairro de Santa Tereza, nos fins de semana e bebíamos até o dia amanhecer. Era delicioso. Boas conversas, boas bebidas, boa comida. Mas havia um senão: ninguém podia chegar atrasado nos plantões que, invariavelmente, começava às 6 da manhã. Renan era o primeiro a chegar. Bebesse o que bebesse, estava sempre em forma, inteiro.
A lição ficou para toda a vida. Fora do trabalho podemos fazer o que desejarmos, mas o compromisso com os horários e o que se tem de fazer é sagrado. Quem não sabe beber, não deve beber. Quem tem compromisso cedo, deve dormir cedo. No ano passado, pela primeira vez na vida enfrentei graves problemas de insônia. Fiquei quase 15 dias dormindo muito pouco. Às vezes passava as noites sem dormir e tinha que trabalhar as 7. Nunca adiei um compromisso por não ter dormido. Herança dos tempos de O Globo. Ser pontual é mais do que uma virtude. É um compromisso consigo mesmo. Quem é pontual nos horários, está sempre em boa posição. Quem não é, perde o crédito ou vai perdendo aos poucos. No fundo, é uma questão hegeliana: quem cumpre horários e se apresenta bem, reconhece o outro como interlocutor. Quem age diferente, não reconhece. Trata-se da velha teoria do senhor e do escravo. Vale conferir em Hegel.
E não é só. Existe a necessidade da antecipação. Se temos trabalho a fazer é essencial marcarmos um prazo técnico e um prazo político. O prazo político é mais extenso, o prazo técnico mais curto. Se cumprimos o prazo técnico, surpreendemos. É difícil transmitir essas ideias? Certamente, não. Difícil e dizer que é difícil. O desafio é não tentar dar justificativas a si mesmo. Fazer uma farra e deixar de cumprir um compromisso de trabalho é infantil.
Pode-se admitir um erro por outras questões: saúde, trânsito, um imprevisto pessoal, enfim, a vida tem suas curvas e suas incógnitas. Mas impor um fato consumado por causa de uma farra é terrível. Há alguns anos participei de um evento em Londres. O responsável pelos trabalhos bebeu excessivamente na véspera e não compareceu. Foi terrível. Uma vergonha só. No grupo de jornalistas, havia um colega que também bebeu quase toda a noite. No dia seguinte, estava em perfeita forma. Qual a diferença entre os dois – o responsável pelo evento e o jornalista? Um não conhecia seus limites o outro conhecia. Era o caso de Renan Miranda. Excelente profissional, era um ser completo. Conhecia a ele mesmo. Nunca esqueci suas lições.
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