Diálogo de tempos que se entrelaçam
Ele começou a trabalhar como empregado num jornal partidário de prelo, preço altos e tiragem limitada. Tornou-se proprietário de uma publicação rotativa. Transformou-a num jornal moderno de alta tiragem. Jorge Caldeira, Júlio Mesquita e seu tempo (p. 37, v.1)
Como o tempo de Júlio Mesquita, o ocaso do império e as primeiras décadas do Brasil republicano dialogam com a mídia nos dias atuais? O jornalista e escritor Jorge Caldeira, em debate na Aberje, não hesitou em responder à questão: "Escrevi o livro para construir esse diálogo." Como? A resposta pode surgir aos poucos. Em parte esteve presente no debate que foi mediado por Eugênio Bucci, também jornalista e escritor, e envolveu cerca de uma centena de comunicadores que, atentos, ouviram Caldeira contar a história do livro, que contou com o apoio da Natura. Em parte, e esse é o desafio maior para a percepção, o sentido do diálogo aflora naturalmente da obra, que, em resumo, defende um jornalismo independente, orientado pela verdade factual como processo e as demandas do leitor.
São dois momentos distintos. Um, o tempo de Júlio Mesquita, uma época futurista, que começa em 1888, às vésperas da proclamação da República, e se prolonga pelos agitados e promissores anos 20, décadas que testemunharam o germinar das ferrovias à eletricidade, do avião ao automóvel, da ascensão do capitalismo e, também do socialismo e do fascismo. O outro, o tempo atual, vincado por grandes incógnitas e em que contracenam a globalização e a expansão da internet e a crise das grandes mudanças, agora envolvendo o declínio dos grandes discursos, não apenas do capitalismo e do socialismo, mas, igualmente, as ideias de religião, liberdade e de cidadania. Entre um momento é outro, como elo mediador, a figura do jornal O Estado de São Paulo. E o método? Vamos por partes.
O Jorge Caldeira mergulhou na vida do fundador do Estadão, Júlio Mesquita, e veio à tona com uma biografia singular: 1.720 páginas, quatro volumes, 15 anos de trabalho. No livro I, ambientado num Brasil em que o voto era privilégio de poucos homens e os jornais eram partidários, o Estadão, antiga A Província de São Paulo, abre caminhos no rumo da independência e da modernização. Virou as costas às subvenções partidárias e foi atrás de um público capaz de comprar jornais e votar. No livro II, nova guinada na história do jornalismo: graças às reportagens de Euclides da Cunha, o jornal que no início entendia a rebelião de Canudos como movimento monarquista, no interior da Bahia, acordou para a realidade. Em lugar de ser um rebelde, Antonio Conselheiro e seus aguerridos seguidores eram vítimas da nascente República. Pobre gente esquecida que perdeu o medo de morrer e se rebelou. O jornal não brigou com os fatos, pelo contrário. Fez jornalismo e não ficou à margem da história.
A esse grande salto narrativo, seguiram-se as grandes tiragens, retratadas no livro III. Quando Júlio Mesquita completou duas décadas à frente do jornal, eram 5.440 os assinantes, gente que pagava antecipadamente para receber notícias diariamente e que não fazia parte das tradições do empreendimento jornalístico que, aliás, estava dando os passos inaugurais. No início, eram 904 assinantes. O crescimento foi de 8, 8 por cento ao ano. "Um número que por si só indicava a amplitude da prosperidade do negócio", escreve Caldeira. Como desdobramento, crescia a estrutura informativa, as reportagens passavam a combinar textos, fotografias e gráficos, consolidava-se a rede de correspondentes, multiplicavam-se as páginas de anúncios. A indústria e a cidade de São Paulo foram anexadas aos temas de interesse essenciais. Novas rotativas entravam em cena.
O quadro completa-se no livro IV, com um vasto painel sobre a vida econômica. O Brasil estava mudando. Cresciam as indústrias. Cresciam as exportações de café. As economias regionais se atualizavam na luta para a transição capitalista. O símbolo mais evidente era a circulação de papel moeda, por toda a parte, inclusive pelo caboclo abandonado, gente simples da lavoura do Vale do Paraíba, simbolizada na figura de Jeca Tatu de Monteiro Lobato. Escreve Caldeira (p. 249):
“Júlio Mesquita vendia seu jornal tanto para jecas sertanejos quanto para urbanoides modernos, cuidava para que todo o público, estivesse onde estivesse, fosse informado com as técnicas mais avançadas de comunicação do seu tempo. Assim criava outro tempo, que já não seria mais o seu.”
No retrato que traça do caminhar do tempo e suas múltiplas faces, o biógrafo ressalta temas dolorosos da vida de Júlio Mesquita, como as experiências da prisão, censura e incontáveis embates sociais. Volta sempre ao mesmo ponto de partida: Júlio Mesquita como modernizador da imprensa brasileira. Certamente, esse é o ponto de interseção com os novos tempos: em que medida a trajetória do fundador do Estadão pode contribuir para a melhor compreensão e contribuir para que se encontre caminhos de saída para o labirinto em que vive a mídia brasileira na atualidade?
A lição de Canudos, que deu origem ao clássico Os Sertões, sugere dois temas para reflexão. O primeiro é que os fatos são maiores que as versões; a segunda, entrelaçada à primeira, é que um jornal não pode abandonar o povo. As elites mudam, o povo fica. E há ainda uma terceiro elemento substancioso: o negócio jornalístico só existe se houver independência financeira. Seriam esse os pilares do método jornalístico? Agora é ler a saborosa epopeia narrada por Jorge Caldeira e refletir em torno das suas muitas lições, a começar pela capacidade de entender as novas idades dos tempos. Capacidade que, justamente, não faltou a Júlio Mesquita. Boa leitura!
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