Narciso S.A.
Na reunião estavam os dois diretores da agência, três representantes do cliente, além de mim e um parceiro que também atua em consultoria. O encontro foi agendado para que a agência pudesse apresentar sua proposta para uma campanha institucional. As imagens eram lindas, a direção de arte primorosa. O conceito, no entanto, era equivocado – pior, era mentiroso. Ia muito além do “inspiracional” para prometer algo impossível de ser concretizado.
De repente, me vi transportado para o mundo de “Mad Men”, o seriado que mostra um grupo de inescrupulosos publicitários da década de 60, capazes de fazer qualquer negócio para criar uma imagem consumível para seus clientes. Não, até mesmo os “Mad Men” parecem fichinha perto daqueles dois diretores da agência. Cada um de nós, clientes e consultores, repetia a mesma história, só que usando palavras diferentes, e eles insistiam que o que queríamos não era possível de ser realizado e que eles, entendidos em publicidade, sabiam o que era melhor para o cliente. De tão apaixonados por sua própria ideia, não conseguiam ouvir nada do que falávamos. E ainda sugeriram que criássemos um slogan e um conceito, como uma tentativa para que o briefing ficasse mais claro. Isso mesmo, colegas, ao invés de simplesmente abrir mão de suas ideias, eles preferiram confrontá-las com as nossas – uma brincadeira do tipo “vamos ver quem é melhor?” O que mais me espanta disso tudo é que o cliente parecia visivelmente constrangido por ter de dizer que não concordava com a campanha apresentada. Afinal, quem é que estava pagando a conta ali?
Essa experiência me transportou para uma situação em meu início de carreira, quando fui reclamar para o diretor de Comunicação que os funcionários não estavam nem aí para a linda revista que eu produzia com tanto zelo e dedicação. O diretor simplesmente virou-se para mim e disparou: “Betti, percepção é realidade.” Na hora, fiquei chocado com a falta de sensibilidade de meu chefe, mas, a cada ano que passa, sou mais grato por ter ouvido essa frase. Ela me ajuda a voltar para a realidade quando me perco em meus próprios pensamentos e ideias. Jan Carlzon, em “A Hora da Verdade”, disse, entre outras coisas, o seguinte: “Se você não serve a um cliente, sirva alguém que serve a um cliente”. Essa frase parece ter sido escrita para nós, comunicadores. Nós não servimos ao cliente. Não produzimos nada que ele consome. Nós apoiamos pessoas que fazem isso e, portanto, devemos servir a elas. Quando escutamos nossa própria voz e servimos a nós mesmos, fazemos, portanto, um desserviço.
Servir tem entre seus significados ajudar, auxiliar, ser útil, servidor, benfazejo. Sim, faz parte desse processo de servir que apresentemos e defendemos nossas ideias, mas nunca podemos perder de vista que ninguém conhece mais da situação do que o próprio cliente. Precisamos, portanto, aprender a manter nossos ouvidos abertos a ele e estar sempre prontos a abandonar o que antes tínhamos como certeza. Sobre isso, meu querido professor Humberto Maturana, tem uma citação ótima, que venho repetindo como um mantra: “A certeza cega. Quanto mais certeza você tem, menos você vê.”
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