Por que contar histórias está tão na moda?
As histórias possuem a capacidade de lidar bem com a complexidade: uma boa narrativa é dinâmica e desenvolve-se no imaginário de quem a ouve, conduzindo a um nível de compreensão por vezes até superior ao do narrador. O triângulo da narrativa de histórias é composto por história, narrador e audiência num determinado contexto - elementos que têm a mesma preponderância. Num cenário de tamanha sobrecarga informativa como se vê hoje, com multiplicidade de canais concomitantes disputando atenção de um público também produtor e difusor de conteúdos, uma opção que torna todos iguais em interação é bastante interessante.
Outro ponto relevante diz respeito à crescente demanda do grande público pela história vivida com a valorização das obras de history makers - denominação atribuída a autores que escrevem sobre o passado sem fazer uso das regras estabelecidas pela comunidade acadêmica, ou que recolhem depoimentos orais carregando a crença de que o relato individual expressa em si mesmo a história. Essa produção tem sido vista como mais atraente por apresentar uma narrativa de leitura ou de escuta mais agradável e de mais fácil compreensão. Afinal, o que o público deseja são lembranças de eventos que sejam “narráveis” e em que a contingência da materialidade seja compensada pela invenção da narrativa. Nisto, Nora (1993, p.20) também menciona como “retorno da narrativa” que se pode notar nas mais recentes maneiras de se escrever a história, bem diferente da narrativa tradicional, fechada sobre si mesma.
Nassar (2009, p.303) visualiza que a comunicação tem primado pela objetividade e pelas mensagens de perfil quantitativo, notadamente ligada a funcionários, não havendo tempo para dialogar, fantasiar e para contar histórias. Isto é um paradoxo diante da constatação de que a subjetividade organizacional viabiliza a formação de uma cultura do sonho, da participação e da inovação, que são vitais para o atendimento de demandas sociais intangíveis e de legitimidade. Quanto trata de dimensões intangíveis, o pesquisador refere-se à reputação, à credibilidade, à confiança, que determinam a qualidade dos relacionamentos entre a organização, seus públicos e sociedade. Neste sentido, é importante pensar nos modos de funcionamento cognitivo, que Jerome Bruner (1997, p.14) divide em lógico-científico (ou paradigmático) e narrativo. O primeiro busca gerar conhecimento com base na verificação da veracidade ou falseamento de hipóteses, adotando uma descrição e explicação formais e objetivadas do contexto que as geram. O modo narrativo, por sua vez, consiste em contar boas histórias, dramas envolventes, relatos críveis e trata de intenções e ações humanas e das vicissitudes das intenções humanas. A abordagem, neste segundo caso, concentra-se em compreender o particular, em buscar os significados que as pessoas constroem, baseando-se em suas histórias, sejam elas orais ou escritas.
Por isto, para Domingos (2008, online), “o storytellling é uma tentativa de humanização do espaço de interação”. As narrativas tratam de assuntos diversos, como a vida dos grandes empreendimentos, ou mesmo narrativas ficcionais que possam servir para exemplificar um estado de espírito capaz de colocar toda uma empresa em interação comunicativa. O objetivo é formar uma atitude pragmática e viva, nas relações de trabalho, acrescido de forte valor não só intelectual, mas também ficcional. As personagens podem tornar-se suportes vivos de histórias vivas, onde se concretizam e encarnam ideias que, mesmo que complexas, podem se tornar acessíveis a todos por meio de um storytelling. As histórias fazem apelo a metáforas e metonímias, tendo por finalidade elucidar situações e tratar problemáticas complicadas. As metáforas desencadeiam ideias, ajudam a interpretar e ajustar, como meio de interação comunicativa eficaz para entrar em contato com um mundo que está além das palavras – “a vida que não pode ser dita, mas sim vivida” (DOMINGOS, 2008, online). Este pesquisador complementa que são textos narrativos que produzem efeitos diretos nos grupos que as praticam, de modo invididual ou até mesmo global, nas dinâmicas de mudanças, de inovação, ou de clima relacional nas organizações e sociedades em rede - produtos puros da imaginação, embora sempre baseadas nas experiências com o real (DOMINGOS, 2008b, online).
Aliás, o debate entre subjetividade e objetividade transformou-se numa oposição entre escrita literária e escrita cientificista. Haveria, segundo analisa Pollak (1992, p.210), de um lado o vazio, o seco, o enfadonho, que seria o discurso científico, ainda por cima reducionista e fechado à pluralidade do real, e de outro a história oral seria uma das possibilidades de reintroduzir nas ciências humanas, depois do período estruturalista, uma escrita não apenas subjetiva, mas sobretudo literária.
Estes são alguns pontos que tenho estudado em meu mestrado em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, sob orientação do professor-doutor Paulo Nassar. Você teria algum caminho pra indicar?
Referências
BRUNER, Jerome. Realidade mental, mundos possíveis. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
DOMINGOS, Adenil Alfeu. Storytelling e Mídia: a narração de histórias construindo o poder político. In: Encontro da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura, II, 2008, Bauru, SP. Digitalização e Sociedade. Bauru,SP: Unesp, 2008. Disponível em: <http://www.faac.unesp.br/pesquisa/lecotec/eventos/ulepicc2008/anais/2008_Ulepicc_0392-0409.pdf>. Acesso em: 15 abr.2010.
NASSAR, Paulo. História e memória organizacional como interfaces das relações públicas. In: KUNSCH, Margarida M. Krohling (Org.). Relações Públicas - história, teorias e estratégias nas organizações contemporâneas. São Paulo: Saraiva, 2009. p.291-306.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Trad. Yara Khoury. Projeto História, São Paulo: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC/SP, n.10, p.7-28, dez. 1993.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.5, n.10, p.200-212, 1992.
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e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 1666
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