Elementos para contar histórias: estudando uma dramaturgia organizacional
Uma história não é um texto comum, sendo formada por elementos estruturais particulares, como se vê no estudo de Migon e Silva Junior (2007, online) sobre Group Storytelling como técnica de utilização de histórias em grupos de pessoas e método de comunicação para compartilhamento de conhecimento. Estes elementos são a divisão em eventos, a causalidade, o início, meio e fim, uso de personagens e linguagem única. Cada história precisa ser analisada sob o ponto-de-vista de sua aplicação para cada situação, tempo disponível e público. Os autores retomam a questão dos participantes colaborem na trama, significando ajudar também na identificação de possíveis problemas no ambiente de trabalho – que podem ou não ser reais e apontam gargalos pequenos ou críticos, redundâncias, exceções, atalhos, excessos, falta de informação.
Para Terra ([s.d.], online), histórias importantes têm algumas características que as distinguem. Elas marcam eventos importantes ou que foram destacados como importantes pelos líderes da organização, incluindo tramas, desafios ou mesmo pequenos incidentes carregados de significado. As histórias precisa fazer sentido em qualquer época, com pontos altos e desfechos marcantes ou mesmo inesperados. São curtas, com propósito e carregadas de analogias, metáforas e visões de mundo. Para ele, histórias de impacto contam invariavelmente com personagens que carregam em suas ações muito simbolismo. Alguns destes personagens viram mitos e, ao longo do tempo, suas ações, ao serem recontadas, vão se distanciando da realidade efetiva – o que tende a perdurar são as lições, valores, dilemas e posicionamentos morais ou éticos dos personagens. E complementa, afirmando que “a experiência, as lições aprendidas e o contexto são transmitidos de forma a estabelecer um significado, uma emoção e servir como padrão ou arquétipo para tomada de decisão ou ação futura” (TERRA, [s.d.], online).
As histórias precisam favorecer o onírico, o fantasioso e espetacular, com predomínio do emocional sobre o lógico, permitindo diálogos e informações mais humanizados entre as pessoas – ainda que, em ambiente organizacional, o mais indicado seja utilizar histórias reais evocadas pelos públicos de relacionamento ou pela própria organização (aqui entendida como funcionários e diretoria). Assim, o storytelling permite que tanto o sujeito narrador como seu receptor sejam conduzidos a um ambiente praticamente sem censura ou crítica (DOMINGOS, 2008c, p.101). Sunwolf (2005, p.307) afirma que histórias orais podem ser “recurso ímpar para alimentar o espírito, pois produzem impacto emocional. Um conto poderoso é sempre fundamentado não na trama, mas na emoção, que a oralidade da narrativa destaca”. De, todo modo, histórias têm apelo muito grande em virtude de seus temas e personagens. Os temas tendem a ser muito abrangentes e incluem arrependimento, perdão, ressureição, necessidade de justiça social, com aspectos temáticos como certo e errado, sofrimento, amizade e imortalidade. E não fogem do ciclo de vida com fases próprias de nascimento, crescimento, emergência, queda, dormência, numa relação com a escala de seu impacto social (POUPINHA, 2007, p.700).
Os contadores de histórias frequentemente falam ‘eu’ ou ‘nós’ para dar sentido ao contado e aproximá-lo das pessoas, com palavras vívidas em toda a narrativa a fim de retratar detalhes cênicos (SUNWOLF, 2005, p.308). As fábulas são narrativas curtas, que dependem quase exclusivamente do uso de animais como personagens, mas também são usadas porque focam atenção no comportamento e nos dilemas universais da vida em vez de em determinadas pessoas e seus feitos. Como um conto de sabedoria, a fábula relaciona-se ao provérbio, embora possa ter uma trama maior – alguns se referem a ela como provérbios estendidos. Já as parábolas, outra forma de estrutura de histórias, vêm sendo usadas como recurso popular para contar histórias espirituais (SUNWOLF, 2005, p.309).
Há visões que indicam que performances de contadores de histórias contêm muitas das condições necessárias para induzir transes, aqui entendidos como estado de consciência voltado para dentro da pessoa, de tal forma que os olhos dos ouvintes possam estar no contador, porém suas consciências estão voltadas para dentro delas mesmas. É o que Benson (apud SUNWOLF, 2005, p.311) fala sobre “resposta relaxante”, quando os ouvintes encontram-se relaxados, abertos para uma retenção mais ativa daquilo que está sendo dito e ficam menos defensivos. Uma boa narrativa é aquela que podemos aceitar ou rejeitar e, paradoxalmente, tal liberdade torna mais provável a aceitação.
Pozzer (2005, p.40) concentra suas pesquisas em três linhas: geração, interação e visualização de histórias. A Geração refere-se à forma como a história é gerada, ou seja, como se dá a criação da estrutura que vai guiar aspectos mais gerais, como personagens, objetos e relacionamentos. A Interação (direcionamento) procura estabelecer como se dá a interação entre usuário, história (enredo) e personagens. Também é responsável pelo gerenciamento das ações dos personagens autônomos (agentes) de modo a manter a história coerente. Por fim, a Exibição trata a forma de representação visual da história, a transformação das abstrações das estruturas internas das personagens em ações realistas dentro de um espaço. A ideia é contar histórias que motivem e inspirem os envolvidos, com uso de linguagens mais cotidianas e narrativas que, em geral, despertem o interesse, criando entretenimento.
Sunwolf (2005, p.313) apresenta o “modelo de cinco funções de histórias orais para contadores e ouvintes”, que sugere que contos narrados e ouvidos dentro de vários contextos podem funcionar como: a) Ponte: uma maneira de conectar diferentes pessoas (narrativas relacionais); b) Sementes: um modo de aprender (narrativas pedagógicas); c) Ferramentas: uma forma de criar narrativas eurísticas); d) Álbum de recordações: um jeito de lembrar (narrativas históricas); ou e) Visionário: um meio de visualizar o futuro (narrativas visionárias). Vale referir que o modo interpessoal de contar histórias, frente a frente, ajuda os contadores e suas audiências a construir o próprio ‘eu’, a realidade, a achar o sentido de eventos vividos, a compartilhar conhecimento ou a influenciar valores, crenças e ações uns dos outros. O autor complementa defendendo que “uma linguagem vívida traz credibilidade, deflagra a atenção e tem poder de adesão. A linguagem falada, de fato, sempre cria um efeito mais intenso no ouvinte do que a linguagem escrita recitada. O ritmo, as pausas, as frases, tudo é diferente” (SUNWOLF, 2005, p.321).
Ainda é preciso mencionar que, após a seleção de histórias a serem narradas, deve ser programada um agendamento para cada uma delas, no qual constem itens como data prevista, local onde acontecerá, instalação de equipamentos, especificação das pessoas que devem estar presentes e definição do narrador (BRUSAMOLIN; MORESI, 2008, p.48). O ato de contar histórias, o ritual e os símbolos são os principais meios através dos quais os integrantes de um grupo ligam-se uns aos outros. Se expandir o pensamento para além dos púlpitos, os gestores verão espaços mais ricos para a prática e a partilha de contos e histórias. Por isto, para além do formato da contação de histórias, é preciso centrar atenção nos indivíduos narradores. Alguns são naturalmente excelentes contadores, mas, como aconselha Terra ([s.d.], online), se storytelling passar a fazer parte do arsenal de ferramentas gerenciais estratégicas, gestores e líderes precisarão ser treinados para incorporar habilidades para contar ou escrever boas histórias. Conforme analisam Brusamolin e Moresi (2008, p.41), quando o gestor conta uma história, constrói uma camaradagem com a equipe por meio do compartilhamento de sua experiência, o que conduz a percepções de confiança.
Busatto (2005, p.26) afirma que o contador de histórias do século XXI apresenta seu trabalho por meio de espetáculos de narração oral, performances artísticas elaboradas, com o domínio de técnicas corporais e vocais e critérios de seleção para escolha de histórias. Performance é a vida dada ao texto pelo narrador, por meio de sua voz. Ou, ainda, “um ato de comunicação que se distingue de outros atos da fala, principalmente por sua função expressiva e poética” (BUSATTO, 2005, p.26). Entre as possibilidades, estaria o uso de música, dança, poesia, declamação, mímica e artes plásticas. Todavia, para o ambiente organizacional, vale dizer que o ato de narrar a história deve ser conduzido de forma natural. Não convém a uma história organizacional que o narrador faça uma performance, modificando seu tom de voz e comportamento usual. A narrativa deve ter credibilidade e, para tanto, os gestos devem ser verdadeiros. Neste caso, vale a posição de Shedlock (2004, p.23) de que “contar histórias é a arte de esconder a arte”.
Esta pesquisa bibliográfica faz parte de meus estudos de Mestrado em Ciências da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, sob orientação do professor-doutor Paulo Nassar, em andamento com bolsa do CNPq. Se você tiver alguma contribuição, por favor escreva nos comentários deste artigo – caso prefira, também pode ser usado o e-mail rodrigocogo@usp.br .
Referências
BRUSAMOLIN, Valério; MORESI, Eduardo. Narrativas de histórias: um estudo preliminar na gestão de projetos de tecnologia da informação. Ciência da Informação. Brasília, vol.37, n.1, p.37-52, jan./abr. 2008. Disponível em: <http://revista.ibict.br/index.php/ciinf/article/viewArticle/1005>. Acesso em: 3 fev. 2010.
BUSATTO, Cleomari. Narrando histórias no século XXI: tradição e ciberespaço. 2005. 132 f. Dissertação (Mestrado em Literatura) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2005. Disponível em: <http://www.tede.ufsc.br/teses/PLIT0195.pdf>. Acesso em: 22 mai.2010.
DOMINGOS, Adenil Alfeu. Storytelling: fenômeno da era da liquidez. Signum: Estudos da Linguagem. Londrina: Universidade Estadual de Londrina. v.11, n.1, p.93-109, jul.2008c.
MIGON, Lilian; SILVA JUNIOR, Luiz Carlos. De histórias a processos: utilização da técnica de Group Storytelling para apoio à elicitação de processos de negócios. In: Brazilian Workshop on Business Process Management, I, 2007, Gramado, RS. Knowledge discovery in business process. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007. Disponível em: <http://www.ic.unicamp.br/~beatriz/wbpm2007/35314.pdf>. Acesso em: 3 mai.2010.
POUPINHA, Luís Miguel. Comunicação estratégica: Aplicação das ideias de dramaturgia, tempo e narrativas. In: FIDALGO, António; SERRA, Paulo (Orgs.). Actas volume IV - Campos da Comunicação. 2007, p.699-703.
POZZER, Cezar Tadeu. Um sistema para geração, interação e visualização 3D de histórias para TV interativa. 2005. 157 f. Tese (Doutorado em Informática) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2005. Disponível em: <http://www-usr.inf.ufsm.br/~pozzer/arquivos/pozzer_tese_2005.pdf>. Acesso em: 22 mai.2010.
SHEDLOCK, Marie. Da introdução de A arte de contar histórias. In: GIRARDELLO, Gilka (Org.). Baús e chaves da narração de histórias. Florianópolis: SESC, 2004.
SUNWOLF, J. Era uma vez, para a alma: uma revisão dos efeitos do storytelling nas tradições religiosas. Comunicação & Educação. São Paulo: Revista do Curso de Especialização em Gestão da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da USP, a.10, n.3, p.305-325, set./dez. 2005.
TERRA, José Cláudio. Storytelling como ferramenta de gestão. In: Biblioteca Terra Fórum. São Paulo, [s.d.]. Disponível em: <http://www.terraforum.com.br/biblioteca/Documents/Storytelling%20como%20ferramenta%20de%20gest%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 21 mai.2010.
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