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COLUNAS


Francisco Viana
viana@hermescomunicacao.com.br

Jornalista, Doutor em Filosofia Política (PUC-SP) e consultor de empresas.

 

Leonardo Bruni, o comunicador que legitimou a riqueza

              Publicado em 13/07/2011

“O dinheiro é necessário para manter o Estado e salvaguardar nossa existência social.”
Leonardo Bruni 1


“O dinheiro, agindo como um padrão, torna os bens comensuráveis e os igualiza, e não haveria comunidade se não houvesse permutas, nem permutas se não houvesse igualização, nem igualização se não houvesse comensurabilidade."
Aristóteles
2


“A riqueza não é boa, nem ruim, mas neutra”3.  Com essa afirmação, Leonardo Bruni condensa e supera o grande debate renascentista em torno das virtudes do culto à pobreza (paupertas) e do febril entusiasmo pela riqueza (divitiae), no momento em que o capitalismo mercantil se afirmava e a austeridade do cristianismo do medievo, herdada do estoicismo, começava, na prática, a ser deixada para trás. Ligada ao conflito entre a pobreza franciscana e estoica dos tempos em que Florença era uma cidade de vida simples, em que predominava o credo de agostiniano de que os bens materiais se encontravam em degraus muito abaixo dos bens espirituais, e a prodigiosa riqueza no Trecento, quando a cidade despontou como uma cidade-mundo, a polêmica se arrastava indefinida. Era comum afirmar-se: “o dinheiro não traz outra coisa senão problemas”, “Diógenes era mais rico em sua pobreza que Alexandre em sua grandeza”, “o que não dispõe de bens passa cantando entre os ladrões”. Ou ainda que escritos ensinavam ser as propriedades a fonte primária de avareza; quanto maiores são as riquezas, maiores são os trabalhos para conquistá-las; ou que a avareza não se sacia e quanto maior, mais cresce a cupidez4.


Bruni fez do aristotelismo um aliado da população contra a filosofia estoica em defesa da pobreza. Foi, igualmente, um contraponto ao platonismo religioso desidratado de seu caráter crítico. Aos olhos de Bruni, a valoração da riqueza era uma exigência da virtù5.  Bruni foi o primeiro a definir a Idade Média como “a verdadeira idade das trevas”. Com ele, nasce uma nova maneira de interpretar a história e de escrevê-la tanto em latim como em italiano. Em Santo Agostinho, a presença do homem no mundo era um acontecimento sem importância. A cidade dos homens era a expressão da “miséria da nossa condição de seres em queda”6.  Bruni, a exemplo dos humanistas, colocou  o homem no centro do universo. O termo virtù substitui a graça de Deus. É nesse momento que recorre a Cícero e sua crença na capacidade humana de construir seu destino, de modelar a sua própria história7. Foi ele o grande comunicador do humanismo que floresceu com o ressurgimento da vida política no ocaso da Idade Média.

Bruni, quase um desconhecido no Brasil dos dias atuais, como estadista do seu tempo revelou-se um comunicador excepcional, um intelectual de elevada virtù. Nasceu em 1374 na cidade toscana de Arezzo e descendia de uma família de escassos recursos, mas ao se mudar para Florença aproximou-se da elite intelectual voltada para os estudos clássicos, aglutinada em torno do chanceler ColuccioSalutati8.  Estudou direito civil e grego com o aristocrata Manuel Chrysolaras, que fora convidado a Florença pela Comuna da cidade para formar um núcleo de filosofia e ministrar palestras. À época, como relata em suas memórias, perguntou a si mesmo: se eu posso conversar com Homero, Platão e Demócrito, por que não fazê-lo9?  Embora a Itália tivesse assimilado seu sistema de pensamento do mundo grego, havia 700 anos não existia um italiano que conhecesse a língua grega. Os estudos com Chrysolaras formariam o centro da concepção filosófica de Bruni e lhe dariam alicerce intelectual no decorrer de toda a sua longa existência.


Falar latim e grego era a marca da aristocracia. Bruni tornou-se cidadão florentino em 1416 graças à influência de Giovani Médici e chegou ao apogeu da sua carreira no curso da ascensão dos Médici, mas manteve resoluta determinação de não se envolver nas lutas de facções políticas que grassavam na beligerante Florença. Foi o primeiro a traduzir Platão e Aristóteles do grego para o latim e o italiano e inovou virando as costas para o estilo medieval de traduzir letra por letra.


Seu pensamento em defesa das divitiae é assim, uma ruptura com a ordem estabelecida do medievo, mas, também, o cimento de uma nova ordem. Seu novo profeta é a riqueza; seu deus, a ética. Ou o capitalismo mercantil que se organizava e, no seu inexorável avanço, dissolvia a ordem medieval. A mudança da base produtiva e das relações de produção vai se desdobrar no Cinquecento na evolução do conceito de polis para o conceito de Estado, que levaria Maquiavel a defender a unificação da Itália como caminho para aproveitar o ciclo de expansão da economia e de renascimento político que se adensava na Europa. Mas que também fez Maquiavel advertir aos príncipes – monarcas ou oligarcas – o quão estéril era preocupar-se mais em desarmar o inimigo de classe, o povo, do que defender o Estado10.


A síntese das contradições do período é que a fortuna, que deveria estar subordinada à virtù, ganha preeminência, passando a ser preponderante da vida civil. Instaura-se o ódio de todos contra todos. O corpo social fragmenta-se, isola-se em grupos de interesse. Estes revelam-se incapazes de reagir aos golpes da “fortuna”. “Totalmente impotentes, transformam-se em bestas sem capacidade de ação e sem razão”11.  Mais tarde, Maquiavel exploraria o tema, mostrando os homens mais como vítimas da sua própria contradição do que das armadilhas da “fortuna”. É nesse ambiente que a participação popular reflui, os postos tornam-se privilégio dos que se aliam aos Médici e o humanismo cívico ganha contornos mais de aparência do que de realidade.


Em síntese, Bruni procura mediar o equilíbrio entre a virtù e a fortuna. O tempo dos negócios, com Bruni, impõe-se ao tempo de Deus. Onde fica a República nesse conflito? De qualquer forma, pode-se concluir que o humanismo do Quattrocento, a despeito das suas vastas contradições, caracteriza-se por uma concepção otimista do homem: seus valores são aqueles da liberdade e da virtù social, seu caráter revolucionário e suas práticas para a época demonstram que o tema da riqueza individual e coletiva não nasceu dissociado da ética. Pelo contrário, ao dizer que a riqueza é neutra, Bruni deixa claro que sem a virtù republicana a acumulação de riquezas passa a ser um joguete nas mãos do destino. Bruni é uma referencia para os comunicadores dos dias atuais: sua ação intelectual revela como se pode mudar o pensamento de uma época e fazer brotar o que é novo, o que se afirma como a grande tendência no rumo das mudanças.


Referências

1 BARON, 1993, p.197.
2 ARISTÓTELES, 1992. p. 101.
3 BIGNOTTO, 2001. p. 202.
4 BARON, 1993, p. 141-142.
5 O termo virtú pode ser entendido como a capacidade de mudar o destino.
6 Id, p. 33.
7 Bruni inspira-se com frequência em Aristóteles, mas a sua referência de República é a romana. De Platão, ele reconhece apenas o valor literário sem dar à República significado político concreto.
8 Salutati, admirador de Petrarca e de Cícero, foi chanceler de Florença de 1375 a 1406. Bignotto considera Salutati original, não pelo conteúdo dos seus escritos, tradicionais e repetitivos, mas pela clareza com que expôs suas dúvidas, presentes no elogio à vida monástica e no apego à vida pública, e por ter certeza de que o “caminho do mundo antigo podia representar uma ameaça para o cristianismo” (op. cit., p. 81).
9 BRUNI, 2007, p. 321, v. 3.
10 BARON, 2001p. 202.
11 Id., p. 38.

 


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