Alguns tópicos sobre os processos de contar histórias no ambiente organizacional
A partir da metade dos anos 90, os estudos da narrativa progressivamente abandonaram interesses básicos iniciais, como a identificação de componentes estruturais, para focalizar em outras dimensões da construção, como sobre a relação delas com a experiência humana e o que significa contá-las (BASTOS, 2004, p.119). Zanetti (2004, p.11) lembra que “a magia do ato de se contar uma história não se resume à história contada, mas ao próprio ato”, reiterando que histórias transmitem segurança e conforto e trazem significados para a vida.
As narrativas são eficientes meios de interação, pois comunicam, fornecem e transmitem informações. Esse ato está encontrando uma nova forma e novos objetivos na mídia tecnologizada. Não interessam mais só as qualidades do produto em si, como argumento para a venda, mas interessam também criar uma narrativa em que a trajetória da organização seja inspiradora e crie conexões que podem desencadear relações e, por conseguinte, amparar negócios. Contar histórias através de várias mídias é algo básico, essencial, simples e poderoso.
O ponto da narrativa é a sua razão de ser, além disto precisa ser contável, isto é fazer referência a algo extraordinário. A mensagem central e a reportabilidade são componentes que garantem a carga dramática e o clima emocional, onde o narrador utiliza recursos linguísticos-discursivos, como intensificadores lexicais (como uma briga muito feia), fonologia expressiva (alongar vogais, como uma briga muuuuuiito feia; ou acelerar ou diminuir o ritmo da fala e aumentar ou abaixar o volume da voz), repetições (tipo uma briga muuuuiito feia, mas muuuuiito feia mesmo).
Taylor et al (apud BRUSAMOLIN; MORESI, 2008, p.48) investigaram por que algumas narrativas são mais efetivas que outras, sendo que a estética da história pode ser selecionada segundo os seguintes aspectos: sentimento de significado – a intuição do ouvinte tende a acreditar na história; conectividade – a história desperta ressonância no ouvinte, que viveu experiência semelhante; apreciada por si mesma – a história é agradável e por isso aceita pelos ouvintes, que reduzem seus filtros críticos e possíveis questionamentos.
Como destaca Poupinha (2007, p.700), nessas histórias que circulam, nas narrativas que se vão produzindo e reproduzindo consoante as lógicas próprias às relações sociais e às capacidades dos indivíduos em estruturar suas versões, os acontecimentos são narrados e os indivíduos são representados, assumindo o valor de personagens numa ação que se vai perpetuando no interior da organização. Para ele, a contação de histórias permite a estruturação das representações dos assuntos organizacionais em três níveis: a) uma zona de histórias estabelecidas, visíveis nos históricos da organização; b) uma zona de histórias em movimento, visíveis nos projetos e respectiva ação de comunicação da organização no momento presente; e c) uma zona de histórias potenciais, relativas a assuntos que façam parte da estratégia da organização e que impliquem tratamento futuro e ainda a assuntos que possam fazer parte ou que já tenham existido na trajetória narrada da organização - mas que em algumas das suas dimensões não façam parte do domínio público, tendo circulado em espaços privados de relação e conhecimento. Essa narratividade implica uma dramaturgia organizacional, no sentido em que compõe, através da memória, o quadro de auto-apresentação da organização para conformação da reputação. Sunwolf (2005, p.312), sobre isto, complementa dizendo que ajudar as pessoas a notar seus papéis em uma história mais ampla “tira-as do foco estreito em si mesmas, estimulando-as gentilmente a se concentrar em suas comunidades e nas histórias tecidas e compartilhadas que as cercam”.
As histórias possuem a capacidade de lidar bem com a complexidade: uma boa narrativa é dinâmica e desenvolve-se no imaginário de quem a ouve, conduzindo a um nível de compreensão por vezes até superior ao do narrador. O triângulo da narrativa de histórias é composto por história, narrador e audiência num determinado contexto, elementos que têm a mesma preponderância.
É importante pensar nos modos de funcionamento cognitivo, que Jerome Bruner (1997, p.14) divide em lógico-científico (ou paradigmático) e narrativo. O primeiro busca gerar conhecimento com base na verificação da veracidade ou falseamento de hipóteses, adotando uma descrição e explicação formais e objetivadas do contexto que as geram. O modo narrativo, por sua vez, consiste em contar boas histórias, dramas envolventes, relatos críveis e trata de intenções e ações humanas e das vicissitudes das intenções humanas. A abordagem, neste segundo caso, concentra-se em compreender o particular, em buscar os significados que as pessoas constroem, baseando-se em suas histórias, sejam elas orais ou escritas.
Segundo Echeverría (2003, p.263), qualquer que seja o problema enfrentado por uma organização, este sempre poderá ser examinado em sua estrutura conversacional. Ele apresenta algumas tipologias de conversações: a) de orientação, conversas à base de declarações fundamentais sobre o futuro desejado da organização, princípios, valores, políticas nutridas pelas ações de diferentes equipes; b) de desenho, conversas à base de declarações sobre como se estrutura a organização, definição de processos, papéis e atribuições, especulação de futuro e conversações de estratégias; c) de implementação, conversações de compromissos, identificação de objetivos, pedidos, ofertas, negociação e implementação das ações, assim como a abertura de maiores redes de colaboração e soluções de problemas; e d) de aprendizagem, conversações de avaliação, na qual surgem as perguntas sobre como se está estruturando a organização sobre o próprio fluxo conversacional e a rede de relacionamentos que a constitui. A partir do correto manuseio destas tipologias, uma narrativa pode ser fraca, sem impacto no contexto, ou poderosa quando faz sentido para outros gerando consequências, significados, mundos e novas possibilidades de ação, enriquecendo a compreensão dos fenômenos. O empoderamento da narrativa acontece ainda quando o público-alvo pode tornar-se uma espécie de co-autor, ao ser consultado de antemão sobre o enredo a ser desenvolvido; ou ser atuante na trama narrada em tempo real, quando, então, ele vive a trama, enquanto ela se desenrola (DOMINGOS, 2008, online).
Referências
BASTOS, Liliana Cabral. Narrativa e vida cotidiana. Scripta, Belo Horizonte: Programa de Pós-graduação em Letras da PUC-MG, v.7, n.14, p.118-127, 1.sem.2004.
BRUNER, Jerome. Realidade mental, mundos possíveis. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
BRUSAMOLIN, Valério; MORESI, Eduardo. Narrativas de histórias: um estudo preliminar na gestão de projetos de tecnologia da informação. Ciência da Informação. Brasília, vol.37, n.1, p.37-52, jan./abr. 2008. Disponível em: <http://revista.ibict.br/index.php/ciinf/article/viewArticle/1005>. Acesso em: 3 fev. 2010.
DOMINGOS, Adenil Alfeu. Storytelling: narrativas midiadas como fenômeno de comunicação institucional. Jornada de Ciências da Saúde e Jornada de Ciências Sociais Aplicadas, III, 2008, Bauru, SP. Anais... Bauru, SP: Faculdades Integradas de Bauru, 2008. Disponível em: <http://www.fibbauru.br/files/Storytelling-%20narrativas%20mediadas%20como%20fen%C3%B4meno%20de%20comunica%C3%A7%C3%A3o%20institucional.pdf>. Acesso em: 15 abr.2010.
ECHEVERRÍA, Rafael. Ontología del lenguaje. 6a. ed. Santiago, Chile: J.C.Saéz, 2003.
POUPINHA, Luís Miguel. Comunicação estratégica: Aplicação das ideias de dramaturgia, tempo e narrativas. In: FIDALGO, António; SERRA, Paulo (Orgs.). Actas volume IV - Campos da Comunicação. 2007, p.699-703.
SUNWOLF, J. Era uma vez, para a alma: uma revisão dos efeitos do storytelling nas tradições religiosas. Comunicação & Educação. São Paulo: Revista do Curso de Especialização em Gestão da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da USP, a.10, n.3, p.305-325, set./dez. 2005.
ZANETTI, Elói. Pai me conta uma história. Gazeta do Povo, Curitiba, 9 ago. 2004, Opinião, p.11.
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