Contribuição para a teoria das crises II: Da fortuna e da virtù
A natureza das coisas é tal que um erro trivial é suficiente para levar um plano ao fracasso, mas o acerto em todos os detalhes mal basta para assegurar o sucesso.
Polibius, História1
Polibius foi testemunha ocular da ascensão do Império romano2. Cunhou os conceitos de história como fortuna (destino), e de virtú como capacidade de mudar o destino. Onde estaria presente, nas crises, a mão férrea do destino, este entendido também como sorte, e da virtú, está também entendida como determinação? Esse foi o caminho antes percorrido por Platão e Aristóteles. Polibios se inspirou em ambos, mas com uma diferença: entendeu que o Estado, no caso o romano, deveria abarcar todas as tendências e entrelaçar, numa mesma trama, aristocratas, a burocracia ascendente e a plebe. Quer dizer, o Estado precisaria ser construído, se almejasse o êxito e a superação dos conflitos.
“A ascensão dos romanos não foi obra da sorte nem espontânea, como pensam os helenos3 ; se tivermos em vista o seu aperfeiçoamento em tão vastos e perigosos cometimentos, é perfeitamente natural que os romanos não somente tinham tido a coragem de aspirar um domínio mundial, como também transformado seus planos em realidade4”. Essa visão polibiana, de articular os regimes aristocrático, monárquico e democrático, em um projeto pragmático de república, identifica-se com a solidez das instituições, com o conflito e com o espírito da equidade.
Com alternância, a depender do alcance dos conflitos, envolvia a autoridade dos cônsules, responsáveis pelos assuntos públicos, das legiões aos magistrados; do Senado, de perfil aristocrático, que detinha a autoridade sobre o tesouro público, os negócios externos e a investigação de crimes públicos; e o povo cujo poder maior estava em aprovar e rejeitar as leis. Polibios teorizou a consolidação do Império Romano. São deles construções – modernamente utilizadas e adaptadas, sobretudo as companhias – como “a força de ânimo e espírito de iniciativa”, “incrível tenacidade” (como ficou provado na construção de uma armada para enfrentar Cartago quando Roma não dispunha de naus providas de convés ou um simples bote) e a vontade de realizar um objetivo como “sustentáculo da coesão” (na época de Roma).
O quadro completava-se com o valor dado à reputação e o trato generoso com vencidos e aliados. Um romano dos primeiros tempos, os 53 anos de ascensão da República, não roubava o erário público, era frugal e conquistaram reputação de superioridade menos pelo brilho dos homens e mais pelo brilho do coletivo5. Considerava que nada disso seria possível, sem que os romanos desfrutassem de boas leis, bons costumes e do culto à liberdade. Isto explica, por exemplo, a vitória de Roma contra Cartago 6, de poderio e prosperidade mais antigos, mas cuja construção “ já havia degenerado e a de Roma lhe era superior”.
A ideia central é que as crises ocorrem em consequência do desfibramento dos bons hábitos e da manipulação da prática da liberdade. Não seria esta a gênese das crises contemporâneas? A prevenção não seria uma construção coletiva, como testemunhou Polibios? Etimologicamente, Polibius significa muitas vidas. A realidade tem demonstrado que a filosofia política (portanto de comunicação, também) vem resistindo ao tempo. Transportou-se da Roma Antiga, de Tito Lívio, para o Renascimento, com Maquiavel, e a pós-modernidade com Hardt e Negri, com a teoria das multidões em movimento constante, artífices reais da transição da república moderna para a república pós-moderna. Em outras palavras: se a plebe foi o fiel da balança da república romana, hoje são as multidões.
1 POLIBIOS, História, Brasília: Editora Universidade de Brasília: 1966, p. 383.
2 Esta visão é uma originalidade maior de Polibios em relação aos dois outros grandes historiadores do Mundo Antigo. Heródoto e Tucidides. Heródoto foi o primeiro a apresentar as guerras que opuseram gregos e bárbaros. Tucidides é o historiador da guerra que envolveu atenienses e o Peloponeso. Polibios foi mais longe: ele fala das guerras entre romanos e macedônicos, romanos e cartagineses e romanos e todo o mundo conhecido da época. É este traço que dá originalidade a sua História: Polibios é globalizante, universalista, autor de uma história completa. Seus antecessores circunscritos ao âmbito regional. Polibios nasceu entre 210 e 208 a.C., em Megalópoles, na Grécia, foi enviado para Roma como refém (para assegurar um tratado de paz) em 167 e viveu cerca de 82 ou 84 anos. Levou 20 anos para escrever a sua História.
3 Gregos.
4 Polibios, 1966, p. 93.
5 Tebas “cresceu e atingiu o apogeu durante a vida de Epamêinondas e de Pelópidas”. Atenas viveu o período de glória mais longo e atingiu o zênite na administração de Temístocles, mas é comprada por Polibios a “uma nau sem rumo”(POLIBIOS, 1966, p. 338).
6 Polibios analisou as constituições dos povos que Roma conquistou. Todos alimentavam exacerbado culto ao dinheiro. A ganância na vida privada se refletia na injustiça na vida pública. Destaca Creta onde o “ sórdido amor pelo dinheiro e avidez insaciável de riqueza chega a tal ponto entre os cretenses que eles são o único povo do mundo para o qual nenhum ganho é vergonhoso”( Id., p. 340).
Leituras recomendadas
BACON, Francis. A sabedoria dos antigos. Tradução Gilson Cesar Cardoso de Souza. São Paulo: Unesp, 2002.
HARDT, Michel, NEGRI, Antonio. Império. Tradução Berilo Vargas. 7ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.
POLYBE. Histoire. Tradução Denis Roussel. 2ed. Paris: Gallimard, 2003.
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