A difícil função de mediação do comunicador organizacional
A evolução histórica das relações estabelecidas entre os atores no ambiente das organizações contribui para a reconfiguração contínua da natureza de suas interações, uma vez que a transformação do contexto social, histórico e cultural se dá por meio das e nas interações, levando dessa forma à atualização da dinâmica de relacionamento. Por um lado, as empresas são cada vez mais cobradas em relação às suas responsabilidades frente à sociedade e passam a destinar parte de seus investimentos para o atendimento de demandas sociais. Para isso, precisam criar critérios e mecanismos estruturados capazes não apenas de organizar e avaliar a relevância da demanda de seus interlocutores como também viabilizar a gestão de seus recursos, destinando-os às áreas de maior prioridade estratégica. Por outro lado, as comunidades estão cada vez mais aptas a se articularem com outros interlocutores, o que, consequentemente, leva à maior influência na vida das organizações, a partir de um posicionamento mais ativo diante delas.
Essa situação nos indica que empresas e comunidades têm expectativas e exigências mútuas e interdependentes, de postura, de discurso e de atuação, que se apresentam de forma cada vez mais estruturada e definida. Todavia, essa definição não é algo pronto e dado, é construída nos processos de negociação entre os atores, ou seja, forja-se nas práticas comunicativas que estabelecem. Nesse sentido, torna-se importante pensar o fenômeno comunicacional a partir dos processos de construção e disputa de sentidos. A interação no contexto das organizações se dá no embate de forças que acontece a partir de uma problemática comum - o que envolve posições e condutas dos diversos atores sociais envolvidos, refletindo em suas práticas discursivas. O que significa que qualquer interação, por mais harmoniosa que seja, envolve sempre um processo de disputa de sentidos. Mas que esses processos, pelo mesmo motivo, tornam-se mais evidentes quando a problemática em questão é conflituosa, exigindo um posicionamento mais expressivo entre as partes.
Entender as práticas discursivas no contexto das organizações implica em ir além do que elas dizem em suas mensagens (e dos meios pelos quais diz) para compreender a relação em sua globalidade e complexidade. Ou seja, considerar os elementos que constituem a relação e como se afetam mutuamente: discursos, contextos, posições e interesses dos interlocutores, motivação do encontro e interferências econômicas, sociais, culturais e políticas. Diante disso, pode-se problematizar o exercício do profissional de comunicação de mediar os processos interacionais, afinal, a interação não se dá (somente) a partir do que é dito, mas da relação que os atores estabelecem para dar sentidos às ações da organização. Este entendimento exige, portanto, uma reconfiguração do modo como compreendemos, ensinamos e trabalhamos o fenômeno comunicativo no âmbito organizacional.
Para promover e gerenciar seus relacionamentos com a sociedade, as organizações contam com uma estrutura específica, no setor de comunicação, composta por vários profissionais. Cabe eles a função de intermediar o contato entre a empresa e seus interlocutores. No entanto, a natureza do relacionamento é, na maioria das vezes, conflituosa devido às diferenças de interesse entre os atores. Isso configura uma grande dificuldade para o profissional de comunicação, que é pressionado tanto pela organização quanto pelos interlocutores, fazendo surgir a pergunta: até que ponto é possível estabelecer interações negociadas entre atores com objetivos e demandas divergentes? Torna-se evidente que, neste caso, a mediação é um processo que envolve diálogos, disputas, argumentações, compartilhamentos e contra propostas.
Os estudos tradicionais que abordam as funções e papéis do comunicador estão relacionados, em sua maioria, com as práticas profissionais, ou seja, se voltam para a importância do aspecto informacional e da elaboração de instrumentos para promover a comunicação de forma eficiente. No entanto, outra perspectiva de análise – a que é aqui adotada – deve propor-se a investigar a atuação do comunicador a partir de uma dimensão interacional. Isto significa percebê-lo inserido numa teia de relações, entendendo sua dinâmica de mútua afetação e sua posição na relação em uma perspectiva não somente comunicacional, mas também política. Na medida em que a organização interfere na vida das pessoas, a demanda por contatos, trocas e respostas se amplia e o profissional, para representar a empresa, tem que se posicionar – e precisa ser dotado de certa autonomia para fazê-lo.
O profissional que estabelece a mediação entre a organização e seus interlocutores desempenha dois papéis que se tensionam. Primeiro, o de representar a organização, divulgando (e fazendo valer) suas políticas e apresentando suas demandas. E, segundo, o de ouvir e intermediar as expectativas apresentadas pela comunidade. Cada um desses papéis, por sua complexidade, gera tensões em diferentes âmbitos, que interferem na fluência da relação. Muitas vezes, as orientações organizacionais sobre o encaminhamento de determinada situação não condizem com as necessidades que emergem no processo interacional, em determinado momento.
Um dos desafios do profissional nesta relação é lidar, portanto, com as divergências, negociando demandas e expectativas dos atores envolvidos, sem se pautar apenas pela cobrança de resultados mensuráveis, por parte da empresa. Talvez para isto seja importante, mais do que promover a capacitação técnica, desenvolver e estimular nos profissionais de comunicação a sensibilidade e a intuição para entender as dimensões subjetivas do outro, nos processos comunicacionais que estabelecem no contexto organizacional. Assim, ele estaria não apenas mais bem preparado para lidar com as contradições e complexidades que marcam o cenário contemporâneo, como amparado por uma visão mais crítica e ponderada sobre sua própria atuação e sobre a inserção social das organizações para as quais trabalha.
Fábia Pereira Lima
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP. Professora de Comunicação da UFMG. Membro do grupo de Pesquisa “Comunicação no contexto organizacional: aspectos teórico-conceituais” (PUC Minas/CNPq). Email: fabialima@gmail.com.
Ao receber o convite da Aberje para assumir mensalmente esta coluna no seu site, propus a ampliação de participação com os meus colegas do Grupo de Pesquisa, “Comunicação no contexto organizacional: aspectos teóricos conceituais”, PUC-Minas/CNPq. O diálogo aberto permite a troca reflexões e estabelecer um vínculo mais próximo com o mundo profissional.. Vamos trazer mensalmente assuntos relacionados a comunicação no contexto organizacional, e desejamos receber opiniões de nossos leitores.
Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje
e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 938
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