A questão da vigilância e as organizações
Larissa C. Jóia*
A vigilância que sempre foi um recurso histórico dos grupos dominantes para manter e aumentar o poder, parece hoje estar mais próxima de ser totalizante. Dados de governos, de empresas grandes e pequenas, de sujeitos ordinários e extraordinários, estão registrados no big data disponível para todos.
É nesse contexto que duas tendências podem ser reconhecidas: a concentração da informação nas mãos de agências governamentais e empresas de internet e a descentralização da comunicação por meio de aparelhos/dispositivos pessoais que permitem às pessoas a se comunicarem de forma independente.
O fato é que quanto mais descentralizada a comunicação, mais produziremos informação que será concentrada para armazenamento, recombinação e reutilização. Ambas tendências trazem consequências que reduzem a privacidade dos sujeitos e os direitos em decidir quais aspectos da vida podem tornar públicos ou não.
Não podemos esquecer que a expansão e intensificação das agências de vigilância aconteceu num contexto de imperialismo pós 11 de setembro, em que os países temeram o terrorismo e usaram, a partir daí a prevenção contra ações de grupos extremistas como justificativa para a retenção maciça de informações sobre cidadãos do seu país e de outras nações. (FUCHS, 2011).
Dessa maneira, o tema que pretendo explorar é como essa “nova” vigilância (quase totalizante e disponível) inscrita na internet, principalmente, traz implicações para a produção de identidades e subjetividades das organizações na contemporaneidade.
A vigilância não mais isola e imobiliza sujeitos em espaços de confinamento, mas parece hoje aproximar ou mesmo se confundir com o fluxo do cotidiano de trocas informacionais e computacionais. Vigia-se o que as organizações fazem, o que outros dizem sobre suas ações, o que amigos falam sobre ela. Essa possibilidade de vigilância que individualiza o olhar por parte dos sujeitos, coloca as organizações sob o foco de uma visibilidade que atravessa e ao mesmo tempo “produz seu corpo e sua alma”. (BRUNO, 2008).
A noção de visibilidade é fundamental para esta reflexão, pois as organizações estão sempre acionando processos expositivos potencializados pela internet, lançando luz sobre o que expressam. No entanto mesmo que seja “puro exibicionismo”, compartilhamento, ou para demarcar espaços e intenções, não podemos esquecer que outras configurações desses discursos são assumidas na medida que a alteridade percebe e se apropria do que foi expresso. Portanto, a internet, potencializa a visibilidade do que é exposto e de quem expressa, se constituindo como uma arena de disputa, em um lugar de atualização e (re)configuração de diferentes relações de poder. (BALDISSERA, 2010).
A internet com essa potência para os sujeitos de ser vigiado e de ser vigia, amplifica e complexifica as formas de visibilidade e de constituição das organizações. O aumento do fluxo de conteúdo e ampliação do número de sujeitos que produzem e disseminam informações sobre as organizações, bem como o controle e circulação desses dados torna-se cada vez mais trabalhoso para as empresas. A atividade comunicacional hoje experimentada trata-se de um entorno de interações assimétricas e incongruentes. Apesar da consciência e noção de radar (FAUSTO NETO, 2008) das empresas, seus mecanismos reguladores ficam à deriva, diante do avanço das plataformas circulatórias de bens tecnocomputacionais. As tentativas de controle e dominação das organizações nesse cenário, sinalizam para o fracasso dos radares. As estratégias previstas e previamente calculadas, são apenas pequenos muros de contenção, que a medida que a força vai aumentando, a tendência é desmoronar.
Dessa forma, mesmo que a organização tenha atitudes em perspectiva disciplinar sobre os vários sujeitos que a constituem, não significa que consiga anular ou eliminar os objetivos portados em cada sujeito que se associou. (BALDISSERA, 2010). Os sujeitos e a vida material e simbólica das organizações são por natureza marcadas por desajustes. Por isso a comunicação não é um ato de atribuição de sentidos, que se concretiza automaticamente e em simetria. Pelo contrário, é um jogo de sentidos, que se desenvolve em meio às disputas de estratégias, subjetividades e de operações de enunciação. As organizações não vivem hoje em um universo fechado e monotemático, mas se vê o tempo toda vigiada, envolvida em fragmentos e injunções de multitemas e de problemas de diferentes grandezas no campo social.
A comunicação de uma organização, sua identidade e subjetividade existem e se renovam, mais do que nunca, na tensão entre organização e desorganização das informações e comunicações que estão no mundo digital. Além disso, a vigilância digital dos sujeitos nas organizações, parece não estar tão interessada na verdade e profundidade dos discursos, mas na performance, estética e nos fluxos de informação e comunicação.
Permanecem indefinidas e em grande parte desconhecidas as implicações da vigilância digital nas subjetividades e identidades das organizações na contemporaneidade. Pois o olhar de vigia dos sujeitos (também vigiados) sob as organizações se manifesta a todo momento na internet, são discursos que demonstram participação, compartilhamento, liberdade de expressão, visibilidade e certa autonomia. Porém, toda essa proliferação dos dispositivos de visibilidade e vigilância está repleta de ambiguidades, onde os desejos do ver e do ser visto se misturam.
Referências
BALDISSERA, R. Organizações como complexus de diálogos, subjetividades e significação. In: KUNSCH, M. M. K. A comunicação como fator de humanização das organizações. São Caetano do Sul, SP: Difusão, 2010. p. 61-76.
BRUNO, Fernanda. Monitoramento, classificação e controle nos dispositivos de vigilância digital. Famecos, Porto Alegre, n. 36, p. 10-16, 2008.
FAUSTO NETO, Antonio. Comunicação das organizações: da Vigilância aos Pontos de Fuga. In: Ione Lourdes Oliveira; Ana Tereza Soares. (Org.). Interfaces e tendências da Comunicação no contexto das organizações. 1ed.São Paulo: Difusão, 2008, v. 1, p. 27-39.
FUCHS, Christian. Como podemos definir vigilância?. Matrizes, São Paulo, n. 1, 2011, p. 109-136.
*Larissa C. Jóia é publicitária, mestranda pelo Programa de Pós-graduação da PUC Minas - "Midiatização e Práticas Interacionais" e membro do Grupo de Pesquisa “Comunicação no Contexto das Organizações: aspectos teórico-conceituais” - PUC-Minas. Tem experiência na área de planejamento publicitário e mídias digitais. E-mail: laracjoia@gmail.com
Ao receber o convite da Aberje para assumir mensalmente esta coluna no site, propus a participação do Grupo de Pesquisa, “Comunicação no contexto organizacional: aspectos teóricos conceituais”, PUC-Minas/CNPq. Ficamos ausentes um tempo, mas estamos de volta e a partir desse mês publicaremos mensalmente pequenos artigos sobre temas relacionados à comunicação organizacional. Esperamos opiniões de nossos leitores.
Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje
e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 1474
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