Para que serve a Comunicação quando todos são comunicadores?
Recebi um convite para participar de um painel sobre Comunicação Interna voltado para profissionais de empresas e agências. Retorno sobre investimento, gestão de imagem e reputação, sensibilizacão da diretoria sobre a importância da função eram alguns dos temas que seriam abordados. Lembraram de mim por causa do diálogo, algo sobre o qual, nos últimos cinco anos, venho insistindo em falar e, de preferência, praticar. Apesar de soar como uma espécie de um samba de uma nota só, o diálogo é só a ponta do iceberg. Dependendo do publico e da necessidade, proponho uma conversa mais embaixo, Perguntei a quem fez o convite qual era o objetivo do evento. Num momento onde as pessoas vão para as ruas e documentam brilhantemente aquilo que a grande imprensa ignora ou, simplesmente, é incapaz de cobrir e, dentro das organizações, os funcionários publicam livremente seus posts nas redes sociais, tudo em tempo real e a custos baixíssimos, para que serve uma área de Comunicação? Foi essa a pergunta que me ocorreu quando entendi que o objetivo do painel para o qual fui convidado era provocar uma reflexão sobre a importância da Comunicação Interna.
Para que serve uma área chamada Comunicação quando todo mundo é comunicador? Se eu trabalhasse em Comunicação Interna, seja como executivo de uma empresa ou profissional de agência, era essa a pergunta crucial que me faria nesse momento. Posso estar enganado, talvez haja outras questões mais críticas que eu não seja capaz de identificar, mas, se você também é do métier, convenhamos, seu trabalho nunca esteve tão ameaçado por esse fenômeno de massa que faz de qualquer pessoa, mais do que fonte de informação, um autêntico veículo de comunicação. isso quer dizer que aquela teoria que você aprendeu na universidade dividindo as pessoas em emissoras e receptoras não serve mais para nada? Melhor acreditar que não serve mesmo. Assim, você evita a armadilha de ver os funcionários da empresa como receptores e os líderes como um dos meios para atingi-los. Reconhecer que esse imenso contingente de pessoas é, de fato, constituído por comunicadores já é um primeiro passo para endereçar nossa questão, mas e o que vem depois?
Atuo em dois domínios que me permitem observar de perto como as empresas têm operado em sua jornada pela sustentabilidade. E, tanto como consultor quanto como pesquisador, observo um padrão que se repete com algumas poucas variações e é caracterizado pelo clássico modelo perde-perde. Os resultados econômico-financeiros aquém do desejado levam, de um lado, à insatisfação de quem tem seu bolso diretamente impactado por essa dimensão, como os donos da empresa, acionistas e gestores remunerados por bônus e, de outro, ao aumento contínuo de pressão sobre o conjunto de colaboradores da organização, gerando estresse, medo, insegurança e todos os demais ingredientes que contribuem para um clima interno negativo, com perda de engajamento e redução dos indicadores de qualidade e produtividade. Nesse contexto, não importa do lado que se esteja, ninguém realmente parece muito feliz.
Já ouvi de gente que respeito que empresa existe para ganhar dinheiro e não para propiciar que as pessoas sejam felizes. Quando me deparo com modelos de gestão como o do Google, concluo justamente o contrário. E não se trata mais apenas do Google. A felicidade é parte da nova economia, onda pela qual diversas organizações já vem surfando e cujos primeiros resultados podem ser observados em estudos como o conduzido recentemente pelo Gallup, que demonstrou que empresas com funcionários altamente engajados tiveram um aumento de 342% no lucro por ações em relação às demais companhias. Outra instituição de respeito, o Great Place to Work apontou que as 100 melhores empresas para trabalhar nos EUA tiveram um crescimento de valor de mercado de 10,32% ao ano de 1997 a 2011, enquanto que as 500 maiores empresas cresceram apenas 3,71% ao ano, ou seja, três vezes menos. Já a Price-Jones foi mais além e identificou, num estudo de 2010, que as pessoas mais felizes, em comparação com as menos felizes, são 25% mais eficientes, 47% mais produtivas, 50% mais motivadas, 82% mais satisfeitas e 108% mais engajadas.
Reconhecer que a felicidade - e não só a do cliente - é parte essencial do negócio da empresa é outro passo importante para reposicionar a Comunicação Interna como função estratégica. Mas não pense que essa contribuição se dê apenas pela produção e veiculação de conteúdos sobre a organização. Acredite: há algo ainda mais poderoso que uma área de Comunicação Interna pode fazer para ajudar a empresa a encontrar seu próprio modelo ganha-ganha. O nome que dou a essa competência é "facilitação da inteligência coletiva" e está baseada em três premissas:
1. Inteligência coletiva
Primeiro, é preciso reconhecer a força da máxima "duas cabeças pensam melhor do que uma". O dito popular já foi testado "n" vezes, como na pesquisa realizada pelo cientista Bahador Bahrami, da prestigiada Universidade College London, e publicada na revista Science em 2010. Ao aplicar uma série de testes em pares de voluntários, Bahrami descobriu que a melhor solução de um problema era sempre fruto de uma discussão madura entre os dois indivíduos. Transpondo o ditado e a pesquisa para a organização, imagine o quão poderoso seria se todas as cabeças de uma empresa pensassem juntas soluções para os grandes problemas que a afligem?
2. Carência de diálogos
A segunda premissa é que a cultura matriarcal-patriarcal em que vivemos se reflete, no âmbito empresarial, na prática de jogos políticos que nos afastam de conversas genuínas, diálogos abertos onde as pessoas sintam-se à vontade para falar o que pensam e com a mente e o coração abertos para ouvir opiniões diferentes das suas.
3. Oportunidade para a Comunicação Interna
A combinação das duas primeiras premissas resulta numa tremenda oportunidade: alguém precisa facilitar o acesso a essa inteligência coletiva. As pessoas precisam de ajuda para se reconectarem ao diálogo, essa capacidade instalada de fábrica, como explica o biólogo e cientista Humberto Maturana, que fundamenta a a origem do humano na criação da linguagem como coordenações de condutas consensuais de ações, emoções e sentires íntimos e base para a sobrevivência e evolução de nossa espécie.
Aqui há a necessidade de se fazer uma distinção do que chamo Comunicação de caixa alta e comunicação de caixa baixa. Comunicação de caixa alta é o nome de um departamento ou função dentro de uma organização. Já a comunicação de caixa baixa é uma competência humana, parte insperável de nossa origem e de nossa história como seres humanos - portanto, não está restrita a nenhuma função e é inerente a todas as pessoas que trabalham na organização. Aceitar essa distinção nos permite dizer que existem experts tanto em Comunicação quanto em comunicação. Por exemplo, um gestor que não seja formado em Comunicação, mas que, como líder de equipe, pratique a comunicação em seu dia-a-dia, pode ser um expert em comunicação, na medida em que bons comunicadores são formados na prática da comunicação e não no estudo da Comunicação. Aliás, o pesquisador Henry Mintzberg, da McGill University de Quebec, Canadá, revelou em "The Nature of Managerial Work", livro de 1973 que se tornou um clássico em Administração, que os líderes passam cerca de 78% de seu tempo em algum tipo de conversa, do que se pode concluir que a natureza da liderança é o comunicar.
Enquanto a Comunicação, como qualquer departamento, tem atribuições e responsabilidades específicas, como coordenar canais e produção de conteúdos comunicacionais oficiais e pode, assim, estar circunscrita a uma função na estrutura da organização, nenhuma área pode pleitear a responsabilidade pela comunicação. Essa condição é o que, possivelmente, tem levado à ignorância sobre os problemas de comunicação e os caminhos possíveis para desenvolver as habilidades naturais de comunicação existentes nas pessoas, porém inexistentes como função estruturada. Nas tentativas para preencher esse hiato, vejo muito mais esforços por parte de Recursos Humanos do que da área de Comunicação. Tanto é que, como parte dos Programas de Desenvolvimento de Líderes, surgem os Programas de Comunicação de Liderança com seu enfoque previsível de capacitação e treinamento. O risco dessa abordagem é posicionar a comunicação olhando para o próprio umbigo. Isso porque iniciativas baseadas no objetivo de aprimorar as habilidades de comunicação do líder desfocam o valor central e propósito essencial da comunicação, que não é transformar ninguém em comunicador, mas construir uma ponte suficientemente sólida entre as pessoas, para que elas se escutem, se entendam e visualizem juntas um mundo que seria impossível de ser imaginado sozinhas. Isso significa dizer que, para funcionar, um programa de Comunicação de Liderança não deveria ter como objetivo melhorar a comunicação de liderança - este é apenas um subproduto. É preciso entender e usar a comunicação como meio para que os líderes consigam ouvir e ser ouvidos entre eles mesmos e entre eles e suas equipes e, a partir desse espaço de diálogo, endereçar as grandes questões que afligem a organização e aos próprios líderes, que são parte inseparável desse sistema. Aliás, costumo citar uma das leis sistêmicas mais esclarecedoras quando o assunto é mudança organizacional: se você não faz parte do problema, não tem como fazer parte da solução.
Isso nos leva diretamente à resposta que, no momento, faz sentido para mim, quando me pergunto para que serve a Comunicação num mundo onde todos são comunicadores: para mostrar que a comunicação fundamentada no diálogo é o melhor caminho para endereçar os desafios complexos vividos pelas organizações nos dias de hoje. Porque duas cabeças pensam melhor do que uma. Porque, quando nos abrimos a escutar a verdade do outro, nos aproximamos do outro, nos tornamos pessoas mais influentes e, o mais incrível, aprendemos algo novo e evoluimos. Essa é a história dos seres vivos. Como mamiferos bípedes da classe particular dos Homo Sapiens, somos seres vivos imersos na linguagem. Evoluímos uns com os outros, em cooordenações consensuais recursivas de ações, emoções e sentires íntimos, ou seja, nos comunicando uns com os outros.
No entanto, para que a Comunicação seja útil nesse contexto altamente complexo - e é complexo simplesmente por ser humano -, é preciso que os Comunicadores aprimorem suas habilidades de comunicação, uma vez que não conheço nenhuma universidade de Comunicação que ensine a comunicação baseada no diálogo, tão preocupada a academiai parece estar com as técnicas, competências e produtos de Comunicação. E esse talvez seja o maior desafio dos Comunicadores: reconhecer que eles também, como parte do sistema, precisam de ajuda para se reconectarem com esse sofisticado equipamento de diálogo que veio com eles ao nascer e que, com o tempo, por falta de uso ou pelo uso indevido, precisa de uma boa revisão para poderar operar novamente a pleno vapor.
Bibliografia recomendada:
- Para se aprofundar sobre o pensamento sistêmico a a influência da cultura sobre a forma como operamos: "Paixões do Ego" (Humberto Mariotti), "A Quinta Disciplina" (Peter Senge) e "O Habitar Humano" (Humberto Maturana e Ximena Dávila)
- Para entender as bases biológicas do conhecimento e relação do ser humano com a linguagem: "A Árvore do Conhecimento" (Francisco Varela e Humberto Maturana)
- Para se aprofundar sobre os fundamentos e a prática do diálogo: "Diálogo - Comunicação e Redes de Convivência" (David Bohm)
- Para refletir sobre o novo papel do líder nas organizações: "Liderança para Tempos de Incerteza" (Margaret Wheatley)
Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje
e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 10722
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