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COLUNAS


Francisco Viana
viana@hermescomunicacao.com.br

Jornalista, Doutor em Filosofia Política (PUC-SP) e consultor de empresas.

 

Qual é a pulsão das ruas?

              Publicado em 05/08/2013

"Tem mais presença em mim o que me falta."

Manoel de Barros 

 
 
O conceito de pulsão foi cunhado por Freud. É algo, em termos simples, que significa ir além da razão, mas que, na essência, comunica um estar na vida numa mistura de instinto, desejo e vontade. Vistas dessa forma,  as manifestações no Brasil, que se prolongam há quase dois meses, sugerem duas leituras. A primeira, é  o cansaço da sociedade de ver os sonhos de uma  vida melhor se afastarem da realidade.
 
Há uma plena consciência que que a ilusão não pode habitar a linguagem das promessas. Pelo contrário, uma simples leitura dos cartazes dos manifestantes demostra que a sociedade almeja que o Estado funcione e isso significa melhor educação, melhor transporte, melhor segurança, controle dos recursos públicos, advindos, afinal, dos impostos. Enfim, que a democracia seja substancial e real não um jogo de faz de contas. É um resultado direto da grande ágora ( assembleia, lugar de reunião) em que a Internet se transformou. 
 
Por esse caminho, as massas de manifestantes falam a mesma linguagem das democracias européias e americana onde as conquistas se dão nas ruas. A novidade é que no Brasil estava-se acostumado a conquistas de cima para baixo como foi a Independência, feita num gesto épico por Dom Pedro I, a República, proclamada pelo estamento militar e as reformas varguistas. A Constituição de 1988 foi uma conquista popular, nascida do movimento diretas já, mas que foi se esvaziando com o tempo, até se imaginar que o brasileiro era apático ou vivia no melhor dos mundos. 
 
A segunda leitura é pelo ângulo da violência. Essa e uma pulsão abafada da realidade brasileira. Se formos segui-la, acompanhar suas origens, vamos encontrar uma sociedade escravagista, mas que sufoca a violência sob o diáfano manto da cordialidade e que, nas última décadas, tem visto a violência crescer por força da insegurança pública. É uma violência que se dá pela exclusão e se amplifica com a crescente insegurança que grassa por todo o pais, com crimes que desafiam a imaginação tal o barbarismo. 
 
O resultado é que houve um esvaziamento do humanismo e , em contra partida, uma afirmação da liberdade de expressão. Paradoxos de uma grande sociedade de massas. Entre um extremo e outro – manifestações pacificas e violência dos chamados vândalos, como os gregos e romanos chamavam aqueles que não pertenciam à Grécia ou ao império – ficam as questões? Onde as pulsões das ruas levarão o  pais? Ao aperfeiçoamento democrático ou ao conflito permanente? Onde desaguará a violência? O que é exatamente a violência: um país que não faz reformas ou as depredações que não por acaso atingem pontos como o Leblon e a Avenida Paulista, lugares conhecidos mundialmente? 
 
Sejam quais forem as respostas, a verdade cristalina é que vivemos uma crise sem precedentes.  Uma crise visível, mas que parece invisível. A alternativa prática é antecipar soluções e evitar, por esse caminho, que as manifestações se propaguem ainda mais e com maior intensidade. A ausência de antecipação construtiva é que faz as pulsões se multiplicarem e o futuro, de fato, se tornar indecifrável. Quanto maior a incerteza, maior a irracionalidade das pulsões. 
 
1- BARROS, Manoel. Livro sobre nada, 10ed, São Paulo: Record, 2002, p. 67.
Leitura sugerida: FREUD, Sigmund. The interpretation of dreams. In: The basic Writings of Sigmund Freud. Tradução A. A. Bril. New York: Random House Digital, 1995. 
 

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