Busca avançada                              |                                                        |                            linguagem PT EN                      |     cadastre-se  

Itaú

HOME >> ACERVO ON-LINE >> COLUNAS >> COLUNISTAS >> Rodrigo Cogo
COLUNAS


Rodrigo Cogo
rodrigo@aberje.com.br

@rprodrigo

Relações Públicas pelo Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria , é especialista em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e RP e Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Trabalhou por 10 anos com planejamento e marketing cultural para clientes como AES, Bradesco, Telefonica e BrasilTelecom. Tem experiência em diagnósticos de comunicação, para empresas como Goodyear, HP, Mapfre, Embraer, Rhodia e Schincariol. Atualmente, é responsável pela área de Inteligência de Mercado da Aberje, entidade onde ainda atua como professor no MBA em Gestão da Comunicação Empresarial.

A memória, o desejo de fruição do presente e a contação de histórias: uma linha de raciocínio na arquitetura discursiva organizacional

              Publicado em 22/03/2011

A aceleração do tempo e a preocupação com a perda de sentido do passado e o próprio aumento da capacidade de esquecer têm levado as sociedades contemporâneas a demonstrar grande interesse em recuperar a memória e também a história. A análise de Ribeiro e Barbosa (2007, p.102) aponta para o papel ocupado nas sociedades contemporâneas pela mídia, que, com suas complexas redes de informação e acelerados ritmos de transformação tecnológica, pareceria induzir – pelo desejo de fruição plena no presente – ao enfraquecimento da consciência história. A pós-modernidade enfatizaria a perda da memória e da referencialidade histórica como uma das marcas do tempo atual. O diagnóstico de John Gillis (apud FERREIRA, 2002, p.326) é de que a memória tornou-se um grande negócio e, com isso, vê-se situações de resgate de memória em que a comemoração em si tem mais importância do que aquilo que está sendo lembrado. A memória parece ter adquirido um atributo de mercadoria onde exposições em museus e eventos comemorativos estão cada vez mais parecidos com espetáculos. Ela invadiria o cotidiano, mas, na maioria das vezes, como mais um produto para satisfazer parcialmente uma demanda por identidade.

A atual concepção de presente é de uma estagnação entorpecida, na qual “boiamos anestesiados, impedindo a consciência e a sensibilidade da dor causada pelo vazio de sentido” (GIACÓIA JR, 2009, p.45), sobremaneira diante da permanente emergência que parece reger a sociedade com uma avalanche de informação. Haveria uma espécie de entorpecimento e de insensibilidade de um falso presente, que aprofunda o processo de “bagatelização da vida, de mediocrização do humano” (GIACÓIA JR, 2009, p.45). Fredric Jameson (apud ROCHA, 2009, p.53) diz que a patologia da contemporaneidade é de ordem temporal, dada a vivência totalizante do aqui e do agora que dificultaria a valoração do passado e a projeção do futuro. Rose Rocha (2009, p.53) entende que a “sensação de overdose de informações é inevitável, levando-nos várias vezes a refletir sobre se, de fato, nessa lógica de ansiedade e excesso, estamos realmente envolvidos em processos de comunicação”. Completa Grygiel (apud MIZIARA; MAHFOUD, 2006, p.101): “onde não há futuro, isto é, onde não há aquele realizar-se do passado, ali não há esperança. Por isso, a civilização dos que não tem identidade, aquela identidade que se realiza no homem entre o passado e o futuro, a civilização da atualidade e da produção, constrói o mundo da dúvida e do desespero”

Castells (2009, p.63) analisa as mudanças relativas ao conceito de tempo. O tempo biológico é definido por uma sequência programada de ciclos vitais da natureza, e o tempo social é modelado ao longo da história, no que ele denomina de tempo burocrático – a organização do tempo nas instituições e na vida cotidiana. Já a partir da era industrial, o pesquisador identifica o tempo do relógio ou, remetendo à tradição foucaultiana, o tempo disciplinativo, que busca atribuir tarefas e ordens a cada momento da vida. Mas isto tudo seria abalado na chamada “sociedade em rede”, quando “a relação com o tempo vem definida pelo uso de tecnologias da informação e da comunicação em um incessante esforço para aniquilar o tempo negando sua sequenciação” (CASTELLS, 2009, p.64, tradução nossa). É o que comenta Safra (apud MIZIARA; MAHFOUD, 2006, p.102), ao dizer que “o homem se encontra na fragilidade do entre: entre o dito e o indizível, entre o desvelar e o ocultar, entre o singular e o múltiplo, entre o encontro e a solidão, entre o claro e o escuro, entre o finito e o infinito, entre o viver e o morrer”.

Desde 1970, a memória está em moda no Brasil (D´ALÉSSIO, 1992-93, p.97), como necessidade de preservação do passado, o que se comprova desde o senso comum às políticas públicas. A necessidade identitária parece estar compondo a experiência coletiva dos homens e a identidade tem no passado seu lugar de construção. São os momentos de ruptura que empurram as atenções para a memória e sua duração, e ela funciona como recomposição da relação passado/presente, até como estratégia de sobrevivência emocional. Afinal, diz D´Aléssio (1992-93, p.97), “a história se torna mais rápida, a duração do fato é a duração da notícia, o novo – produzido incessantemente – conduz as vidas, criando a sensação de hegemonia do efêmero”. É preciso atentar para a situação de o passado ir perdendo seu lugar para o presente eterno, trazendo a ameaça de contrapor-se ao efeito desintegrador da rapidez contemporânea.

Ferreira (2004, p.98) pergunta-se o motivo da busca generalizada pelas origens familiares, institucionais e setoriais, ao que responde ser uma espécie de contrapartida de um processo de globalização que tende a diluir fronteiras e fragilizar tradições locais e laços interpessoais, transformando visões de mundo, comportamentos e produzindo um sentimento de insegurança. E resume: “a iniciativa de diferentes setores da sociedade para recuperar e divulgar suas memórias, através de livros, exposições, inauguração de monumentos e criação de centros de memória, tem como objetivo reelaborar identidades, difundir uma determinada visão sobre o passado (é bom lembrar que a memória, como a história, é sempre produto de seleção feita no vasto campo do passado), e reforçar a imagem pública de grupos ou personagens” (FERREIRA, 2004, p.98-99).

Pinto (2001, p.297) encorpa a discussão ao dizer que, diante da ameaça do esquecimento dada pelo presente acelerado e em desalinho, cria-se uma espécie de obsessão pelo passado conduzida em obsessão pela memória. Tanto que é “a memória que (re)conecta o homem contemporâneo, presa do quadro rarefeito da modernidade, ao passado como fonte de identidade, começo” (PINTO, 2001, p.298). A visão de Rousso não é diferente: ele fala na gestão e uso da memória, com preservação eficaz das marcas do passado, desenvolvimento em escala internacional, nacional, regional e local das políticas de patrimônio e hegemonia da memória entendida como um valor. Estas questões demonstrariam “a crise do futuro, o apagamento do futuro ou o término, suposto ou anunciado, da ideia de progresso” (2007, p.282-283), com conseqüências diretas na visão e no lugar do passado no imaginário contemporâneo e uma mudança inclusive de percepção de tempo e espaço. Então, “a modernidade inaugura um novo regime de memória, multiplicando os espaços de rememoração que [...] refletem o desejo de ancorar um mundo em crescente mobilidade, e transformação e de compensar a perda dos elementos mais sólidos e concretos que, antes, serviam de referência para os sujeitos” (RIBEIRO; BARBOSA, 2007, p.103).

Quando Nora (1993) fala em aceleração da história, quer aludir exatamente a uma oscilação cada vez mais rápida de um passado tido como definitivamente morto. É a percepção global de qualquer coisa como desaparecida, uma ruptura de equilíbrio, em direção a um “arrancar do que ainda sobrou de vivido no calor da tradição, no mutismo do costume, na repetição do ancestral, sob o impulso de um sentimento histórico profundo” (NORA, 1993, p.7) - dado o fenômeno da mundialização, da massificação e da mediatização.

Nesta linha, Matos (2005, p.17) aponta o ressurgimento da contação de histórias como reação à tecnologia, ao consumismo, ao imediatismo e à superficialidade e descartabilidade das relações. E é este raciocínio que tenho tentado encadear em minha dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (com bolsa CNPq), já encaminhando-se para seu final. A ideia é postular o storytelling como um recurso legítimo de atratividade de narrativa e de pulverização da voz nas organizações, e também como uma nova maneira de contar a história das interações em ambiente de trabalho.

 

REFERÊNCIAS

CASTELLS, Manuel. Comunicación y poder. Trad. María Hernández. Madrid: Aliança Editorial, 2009.

D´ALÉSSIO, Márcia Mansor. Memórias: leituras de M.Halbwachs e P.Nora. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.13. n.25/26. p.97-103. set.92/ago.93. 

FERREIRA, Marieta de Moraes. História, tempo presente e história oral. Topoi, Rio de Janeiro, dez.2002, p.314-332. 

FERREIRA, Marieta de Moraes. Memórias da história. Nossa História. Ano 1. n.8. São Paulo: Vera Cruz/Biblioteca Nacional, jun.2004, p.98. 

GIACÓIA JR., Oswaldo. Falso presente. MSG, revista de comunicação e cultura. n.2. São Paulo: Lazuli/Aberje. 2009, p.45. 

MATOS, Gislayne Avelar. A palavra do contador de histórias: sua dimensão educativa na contemporaneidade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 

MIZIARA, Karina Braga; MAHFOUD, Miguel. Contar histórias como experiência enraizadora: análise de vivências do Grupo de Contadores de Estórias Miguilim. Memorandum, Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, n.10, p.98-122, abr. 2006. Disponível em: <http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a10/miziaramahfoud01.pdf>. Acesso em: 12 abr.2010. 

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Trad. Yara Khoury. Projeto História, São Paulo: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC/SP, n.10, p.7-28, dez. 1993. 

PINTO, Júlio Pimentel. Todos os passados criados pela memória. In: LEIBING, Annette; BENNINGHOFF-LÜHL, Sibylle (Orgs.). Devorando o tempo: Brasil, o país sem memória. São Paulo: Mandarim, 2001. p.293-300. 

RIBEIRO, Ana Paula Goulart; BARBOSA, Marialva. Memória, relatos autobiográficos e identidade institucional. Comunicação & Sociedade, v. 47, p. 99-114, 2007. 

ROCHA, Rose de Melo. Sobre o que mesmo estávamos falando? Memória, lembrança e esquecimento na espiral midiática. MSG, revista de comunicação e cultura. n.2. São Paulo: Lazuli/Aberje. 2009, p.52-53. 

ROUSSO, Henry. A história do tempo presente, vinte anos depois. In: PORTO JR, Gilson (Org.). História do tempo presente. Bauru, SP: EDUSC, 2007. p.277-296.


Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 1986

O primeiro portal da Comunicação Empresarial Brasileira - Desde 1996

Sobre a Aberje   |   Cursos   |   Eventos   |   Comitês   |   Prêmio   |   Associe-se    |   Diretoria   |    Fale conosco

Aberje - Associação Brasileira de Comunicação Empresarial ©1967 Todos os direitos reservados.
Rua Amália de Noronha, 151 - 6º andar - São Paulo/SP - (11) 5627-9090