Três pontos críticos da relação entre organizações e comunidades
É voz corrente que um dos grandes desafios postos à comunicação das organizações nos dias atuais é o do relacionamento com a população das localidades que sofrem os efeitos de sua operação. As relações publicamente estabelecidas entre as organizações e este conjunto de pessoas e instituições que habitam a sua vizinhança não são, necessariamente, preocupação recente. No entanto, as formas de relacionamento vêm mudando gradativamente nos últimos anos. Em geral, podemos considerar que uma importante razão se origina nas formas de governança corporativa. No nível macroscópico, nota-se uma ampliação extraordinária das exigências de justificação dos negócios ao longo das últimas décadas, uma demanda por responsabilização dos entes privados pela vida coletiva, uma pressão pela manutenção de condições naturais frente ao desenvolvimento de uma sociedade de produção variada e complexa.
Por outro lado, há um grande desafio de compreender também o que ocorre em outro nível, microscópico. Trata-se do ambiente de interação ordinária, cotidiana, com este segmento, um conjunto que é tratado como stakeholder pelas organizações, dado o potencial que possui para influenciar as suas decisões. É a inserção potencial deste segmento numa esfera de poder da organização que o torna um público relevante.
Se no nível macro as relações com as comunidades são mais ou menos visíveis como institucionalizadas – elas adquirem grande proporção, por exemplo, através das exigências de abertura de fóruns, audiências públicas etc., nos momentos em que as normativas cobram respostas aos impactos ambientais, econômicos, sociais ou culturais – no nível microscópico, há toda uma base de interações significativas que ocorrem no cotidiano, permeadas tanto de colaboração quanto de conflito. Por este prisma, as relações que se constituem não são, necessariamente, institucionalizadas e percorrem de modo difuso e desarticulado este conjunto ao qual se denomina “comunidade”.
Ora, a própria referência ao termo “comunidade” evoca, em princípio, a ideia de “unidade”. No entanto, a observação mais sistemática e detalhada das pequenas relações triviais demonstra que, longe disso, sob este conjunto estão abrigadas formas diversas de organização coletiva. Em cada localidade, existe uma movimentação própria da população, tanto de maneira informal quanto sob as formas mais institucionalizadas de organizar a ação coletiva. Com frequência, a realização de fóruns comunitários pode desvelar alguns aspectos importantes dessa movimentação.
De toda forma, há uma tensão permanente e desafiadora nesta relação, que é o de tornar minimamente estável uma relação que se institui a partir de uma movimentação intensa de um público diversificado. No decorrer desse relacionamento, alguns pontos críticos podem ser observados:
- Não ocorre apenas um conflito entre interesses privados e públicos, mas também entre os aspectos culturais da(s) localidade(s) e a cultura burocrática da organização. Isso significa que há impactos da organização sobre a comunidade e vice-versa que se dão no terreno das trocas simbólicas e da produção de subjetividades.
- Além dos circuitos comunicativos formais, os circuitos informais de conversação extrapolam todo o tempo as fronteiras da organização, “transbordam” para a sua vizinhança, ou seja, existe também uma tensão subjacente entre comunicação formal e informal que não pertence apenas ao domínio interno da organização.
- As organizações alcançam a comunidade como um público por meio da identificação de uma “unidade” que se visualiza através das suas formas representativas: instituições comunitárias, lideranças, poder público local etc. Isso implica numa atuação da organização que não é politicamente neutra, embora possa assim parecer. Ao constituir algum canal de conversação com essas instâncias, a organização vê-se diante da necessidade de buscar interlocuções legítimas. Essa legitimidade, no entanto, não está dada de antemão, por um determinado padrão institucional de aceitabilidade no local e na sociedade em geral, mas também pela forma como a organização dispõe-se a considerar como legítimos cada um de seus interlocutores, ou seja, isso é um fruto do próprio processo de relacionamento.
Estes três pontos críticos evidenciam o quanto a própria noção de comunidade é construída e reconstruída no próprio curso do relacionamento que a organização reconhece e estabelece. Este processo se dá por meio de um embate constante entre o que a população local define sobre si mesma como “comunidade” e a unidade dessa vizinhança que é vislumbrada pela organização. O sentido que se atribui às práticas comunicativas é, portanto, dependente dessa construção.
Dessa maneira, embora numa dimensão macroscópica possam ser definidas tendências e alguns padrões dominantes nessas práticas, na dimensão micro é necessária uma grande atenção para o que essas práticas produzem como interferência nas relações correntes, em cada caso. No senso comum, “ouvir” as comunidades parece ser a palavra de ordem a conduzir as boas práticas neste campo. No entanto, esta escuta nem sempre se traduz em compreensão, e mesmo a boa compreensão pode não levar às ações mais efetivas. Este é, portanto, um campo fértil de indagações e que constituiu enorme demanda por uma formação mais específica, alinhada com as configurações sociais contemporâneas.
Márcio Simeone Henriques
Professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG.
Ao receber o convite da Aberje para assumir mensalmente esta coluna no seu site, propus a ampliação de participação com os meus colegas do Grupo de Pesquisa, “Comunicação no contexto organizacional: aspectos teóricos conceituais”, PUC-Minas/CNPq. O diálogo aberto permite a troca reflexões e estabelecer um vínculo mais próximo com o mundo profissional.. Vamos trazer mensalmente assuntos relacionados a comunicação no contexto organizacional desenvolvidos pelos membros do Grupo de Pesquisa.
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