As pessoas e os números
É no estabelecimento da relação entre esses dois universos que pode estar a chave de uma comunicação realmente estratégica.
Certa noite, uma aluna minha chega à faculdade com cara de choro, de farol baixo. Perguntei logo o que havia acontecido.
– Você não imagina. Eu vou ter de colocar na capa da revista interna o presidente segurando o autorretrato dele. É ele com ele na capa da revista. O que eu faço?
Eu olhei para ela , respirei fundo e falei:
– Reza! Reza, porque definitivamente você não pode fazer nada.
– Mas por que isso acontece?
– Talvez por ego, excesso de vaidade ou, principalmente, por sua área não ser vista como estratégica, mas sim como pontual, como periférica e a revista não passar de mais um veículo de comunicação. Por isso, você acaba passando por situações desse tipo, em que vai acabar tendo de botar o presidente com o seu clone na capa e vai ter de dormir com um bicho desses.
Esse não foi um fato isolado. Depois de anos como docente, é significativa a quantidade de alunos que diz: “minha área foi reduzida”, “na primeira crise, o meu veículo foi cortado”, “diminuíram o nosso orçamento”, “disseram que a nossa área não é estratégica”.
Na hora de reduzir despesa, uma frase de um presidente de empresa que eu adoro é: “Ou você aumenta a ponte ou diminui o rio”. Sendo a ponte, no caso, a receita e o rio, a despesa. Como aumentar a ponte sempre é complicado, num mercado que está constantemente oscilante, é preciso diminuir o rio, por onde escoam as despesas. Mais recentemente, na crise econômico-financeira mundial, as estruturas de comunicação sofreram um impacto muito grande. Muitas áreas foram reduzidas a um número mínimo, várias foram terceirizadas e outras tantas simplesmente suspenderam seus veículos. Isso contrasta com o discurso de que a comunicação é estratégica, que é diferencial competitivo. Na hora do “vamos ver”, uma das primeiras áreas a serem esquartejadas é a comunicação. Onde fica o discurso do estratégico com a prática?
A primeira reflexão: para a área ser estratégica, ela tem de falar de estratégia. Não adianta ser apenas informativa, comunicar somente a entrega da carteirinha do plano de saúde, o novo benefício da previdência privada, a data das férias coletivas, organizar a coletiva de imprensa, preparar as cartas dos brindes corporativos de Natal, etc. Isso tudo é importante, faz parte do composto da comunicação, mas definitivamente não é estratégico.
E os alunos costumam argumentar: “Em se tratando de comunicação interna, eu não posso falar de estratégia, senão o concorrente vai saber”. E aí eu faço uma segunda reflexão: O que o seu concorrente ainda não sabe de você e o que você não sabe do seu concorrente? Uma vez, ouvi do consultor José Carlos Teixeira Moreira que "só há duas coisas que o concorrente não sabe: o salário do boy e o salário do presidente, que é melhor não saber para você não ficar deprimido, nem ambicioso demais".
De resto, você sabe tudo do seu concorrente. Com as redes sociais, com a mídia, com a web 2.0, com as pesquisas, as informações estão disponíveis. A não ser que seja um segredo industrial, um projeto, um terreno comprado que ainda não está registrado, esse mito de que “não posso escrever, porque o concorrente vai saber da minha estratégia” acaba prejudicando o público, que não tem acesso à informação. Dessa forma, a área fica informando um bocado de coisa, mas não é estratégica.
Um exemplo pontual é a divulgação dos balanços. Muitas áreas de comunicação não exploram positivamente o resultado de um balanço como se poderia. De que jeito? Fazendo a análise daqueles dados, tecendo comentários, traduzindo aqueles números para o dia a dia, construindo a ponte da compreensão de que aquele esforço coletivo gerou aqueles números. Pode-se humanizar aqueles resultados, em vez de coisificar com conquistas absolutamente numéricas. É possível dizer: “Graças às pessoas, ao nosso planejamento estratégico, ao esforço coletivo, ao departamento A ou B, à melhor compreensão do público consumidor, à pesquisa de mercado que me trouxe subsídios...”. Assim, eu consigo fazer o debriefing do balanço e posso fazer com que as pessoas compreendam e se situem em relação a onde a empresa está, de onde ela veio e onde quer chegar. Contexto. Mas muitas vezes o balanço é divulgado na intranet, é mandado em um release, publicado no jornal por uma questão legal, mas eu perco a oportunidade de trabalhar estrategicamente e aí sim, me valorizar como área, fazendo um comentário analítico, reflexivo sobre aquele número. Se ele é bom, explorando as potencialidades, se não é tão bom, pontuando questões mais críticas, e dizendo que alternativas a empresa está articulando para caminhar para a frente. A questão da estratégia é definitivamente de posicionamento, de coragem, e de clareza de propósito do gestor da comunicação.
É claro que a comunicação tem um foco nas pessoas, mas é fundamental agregar um arcabouço de negócios. Vejamos rapidamente o discurso da sustentabilidade, do triple bottom line, do econômico, do social, do ambiental. Vale observar que a maioria das empresas faz campanhas internas ou externas ligadas ao meio ambiente e à questão social. Porém, pouco se fala ainda do pilar econômico. E não que ele tenha importância maior que os demais, até porque é um pilar – e os três são necessários. Mas ele é relegado, porque talvez não tenha o glamour e a urgência da causa do aquecimento global, não tenha o efeito do sorriso da criança da creche na qual a empresa decidiu atuar socialmente na circunvizinhança. É o pilar econômico, entretanto, que vai dar sustentação ao seu discurso e perenidade à empresa.
Tudo liga tudo. Somente a empresa que tenha uma gestão consistente, com um bom planejamento, uma governança bem alicerçada e uma administração adequada, aliadas a ações socioambientais transformadoras e estruturantes, pode sonhar alto. Pode pensar em continuar competitiva no mercado, ser perene. Pode acalentar o desejo de continuar a existir, obtendo resultados sustentáveis e não a qualquer custo. Eis um caminho.
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