Empresas podem ser espirituais? Onde está a espiritualidade nas corporações?
Era uma conversa sobre um dos documentários mais belos que já vi: “José e Pilar”. Ele, o Saramago, ateu declarado, assim como meu interlocutor, com quem compartilho a admiração pelo escritor português. Digo que me impressiono com a espiritualidade que permeia a vida de Saramago. Estranhando o comentário, o amigo sai em defesa do escritor e de si mesmo, com a palavra humanista. Aceito, conciliadora. Penso que humanitário seria uma descrição mais adequada, mas ainda falha para dar conta dos valores que nortearam a vida do célebre homem. Debato-me entre o imaterial e o material, até entender que essa dualidade não tem mais espaço na dinâmica do momento em que vivemos.
Espiritualidade diz respeito ao que transcende à matéria e, com todo respeito aos materialistas, nem mesmo buscando a objetividade e o apoio da semântica, consigo alcançar a vida com esse olhar excludente. Não há como deixar de perceber que há uma alma a conduzir obras como as de Saramago, com desejos e propósitos que transcendem este espaço corpo-tempo, descrito e medido em nosso cotidiano. “A espiritualidade pode ser definida como a fonte de nossa criatividade”, diz Otto Scharmer, conferencista do Massachusetts Institute of Technology (MIT). E isso nada tem a ver com dogmas e crenças, mas com a busca por uma fonte geradora de ações mais inovadoras e éticas.
Apesar de ainda causar estranheza no ambiente organizacional, a palavra começa a ganhar espaço aliando-se a outras como amor, respeito e liberdade. Cientistas de diferentes países debruçam-se sobre novas formas de unir ciência e consciência, com teorias aplicadas às organizações sociais. O professor chinês Nan Huai-Chin, que publicou mais de 30 livros em seu País, alerta: “O que tem faltado no século XX é um pensamento cultural central que unifique todas essas coisas: economia, tecnologia, ecologia, sociedade, matéria, mente e espiritualidade.”
A busca pelo resgate da consciência e do pensamento integral, deixados de lado pelo foco em resultados financeiros adotado pelas empresas nas últimas décadas, reflete-se na tendência a aderir a práticas inspiradas em modelos religiosos. É um movimento tão forte que fez com que, em meados de 2000, a física norte-americana Danah Zohar, em parceria com o psiquiatra Ian Marshal, lançasse o conceito Quociente Espiritual (QS). O que os pesquisadores chamam de terceira inteligência é a base necessária para que as outras inteligências (QI e QE) operem de modo eficiente.
“Ter alto QS implica em ter uma vida mais rica e cheia de sentido, adequado senso de finalidade e direção pessoal. O QS aumenta nossos horizontes e nos torna mais criativos. Ele está ligado à necessidade humana de ter propósito na vida e é usado para desenvolver valores éticos e crenças que vão nortear nossas ações”, diz Danah Zohar. Outros autores referem-se a esse mesmo conceito como a “inteligência que vem do coração”. E nada disso tem a ver com rezas ou religiões. Trata-se, simplesmente, da capacidade que o ser humano tem de conectar-se consigo mesmo e o com o outro, criando ambientes de confiança propícios, por exemplo, ao surgimento de ideias e à colaboração.
E é aí que entra a comunicação corporativa, facilitando conexões entre os diferentes públicos da empresa, que possibilitem relacionamentos mais saudáveis, produtivos e satisfatórios. Cabe a ela, entender que a dualidade também não tem mais lugar na empresa, que, tal qual os indivíduos, tem no imaterial uma parte fundamental e inegável de sua constituição. Quiçá, uma alma. Acolhendo as sutilezas que envolvem as relações organizacionais, observando mais do que falando, provocando a expressão de cada colaborador, a comunicação contribui para criar um ambiente onde a empresa possa ser percebida em sua complexidade, de forma integral.
Assim, a missão, a visão e os princípios da empresa ganham sentido para todos os seus integrantes, tornando possível uma gestão, de fato, sustentável. Indo além, abre-se espaço para que cada colaborador descubra sua própria missão dentro do contexto da organização e recupere a capacidade de sonhar com uma empresa melhor e, por conseguinte, com um mundo melhor. Tudo isso está relacionado diretamente com o exercício pleno dos potenciais individuais em prol de objetivos comuns.
Não é a crença em doutrinas que fortalecerá a conexão interior, imprescindível nessa jornada de descobertas. Na integração, mais do que nunca necessária, entre pensamentos, emoções e ações, está a recuperação do ser humano integral e integrado, capaz de contribuir na superação dos desafios atuais da empresa. Nada disso é novo, mas impõe-se diante das demandas por felicidade, sustentabilidade e respeito mútuo e da necessidade premente de inovar e colaborar. No século passado, esse caminho já era apontado por Rudolf Steiner. O filósofo dizia que a falta de consciência era um obstáculo ao desenvolvimento da humanidade e que a ação, a partir da ética interior de cada um, era o primeiro passo para a revolução organizacional, que, ainda hoje, não aconteceu. E, mais uma vez: isso nada tem a ver com religião!
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