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COLUNAS


Rodrigo Cogo
rodrigo@aberje.com.br

@rprodrigo

Relações Públicas pelo Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria , é especialista em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e RP e Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Trabalhou por 10 anos com planejamento e marketing cultural para clientes como AES, Bradesco, Telefonica e BrasilTelecom. Tem experiência em diagnósticos de comunicação, para empresas como Goodyear, HP, Mapfre, Embraer, Rhodia e Schincariol. Atualmente, é responsável pela área de Inteligência de Mercado da Aberje, entidade onde ainda atua como professor no MBA em Gestão da Comunicação Empresarial.

Sobrecarga informativa não cria experiência: uma breve reflexão sobre a importância de histórias e ritos

              Publicado em 09/02/2011

O avanço econômico e social em diversas sociedades esteve fazendo emergir, durante muitos anos, um tipo de homem econômico com grande força motora, impulsiva e expansiva e altamente defensor da livre concorrência e da contínua busca por novos mercados. Com a ênfase na iniciativa individual, o vínculo social deixava de ser constituído por um sentimento orgânico de comunidade para encontrar resposta numa organização artificial e mecânica, desligada das antigas forças da moral e da religião – e dos mitos, ritos e rituais decorrentes, e portanto numa superioridade da razão sobre a tradição. Cada vez mais surgia uma impregnação de todas as esferas da vida por uma mentalidade comercial. Víamos que todo o ritmo da vida vinha se acelerando, diante da imposição de um conceito de tempo como produto útil. A dominação da natureza passava a ser um saber prático, proveitoso e aplicável, onde a metafísica e qualquer possibilidade de transcendência não interessavam num mundo sem Deus. Este modo de resolver tudo em equações matemáticas levava a entender a sociedade como independente de ligações naturais – o indivíduo é superior a tudo. Num tempo mercadológico, o futuro não tem lugar, e a pessoa-consumidor fica enclausurada no império da obsolescência e da produtividade supostamente ilimitada de um tempo sempre presente. Neste cenário, não seria de se estranhar o que se via: prevalência da comunicação unidirecional publicitária de massa, que entende tudo e todos como “consumidores” reais ou potenciais de algo e seduzíveis a partir de determinadas abordagens repetitivas. Se no mundo natural predominavam as relações pessoais e humanas, na economia monetária de inteligência calculadora só restaria uma objetivação das relações e uma saturação de conteúdos.

Mas alguma coisa foi mudando. A internet foi um dos caminhos que fez explodir esta vontade de ir contra a repressão completa do impulso e contra a tentativa de controle absoluto das emoções (ainda mais no mundo das empresas). Laços sociais e emotivos foram sendo estabelecidos, tela a tela, para além das limitações geográficas ou pretensos impedimentos culturais. Reconheceu-se que havia uma desvalorização do homem com aumento da valorização das mercadorias, e a constatação da finitude de recursos (humanos, financeiros, ambientais) forçou uma ampla reflexão. Dada a irreversibilidade do tempo, ficou evidente a necessidade de correr atrás do prejuízo e revisar convicções e práticas equivocadas. A importância de equilíbrio entre pretensões futuras e os traçados do passado ficava mais clara (e daí derivou uma verdadeira “moda da memória”, com toda a sorte de influências: moda de brechó, arquitetura retrô, regravações de discos, refilmagem de películas, reedição de clássicos literários, edição de peças históricas, construção de museus...).

Foi preciso compreender que, na estrutura do tempo, não existia somente o ordenamento cronológico e que muitas verdades teriam espaço. A verdade não seria algo que se apreenderia ou congelaria, mas se daria como um relampejo, uma revelação. Por isto, assinala Benjamin (1994, p.255), seria como “escovar a história a contrapelo”, e portanto também do ponto-de-vista dos vencidos, contra a tradição conformista do historicismo cujos partidários entram sempre em empatia com o vencedor. Afinal, como diz Nora (1993, p.9), “a memória é aberta à dialética da lembrança e do esquecimento”, e o dito e o não dito são carregados de significado. Ao evocar, há um reaprendizado, uma reconfiguração do passado, com olhares diferentes, como manifesta Lowy (online, 2002), do historicismo que se identifica enfaticamente com as classes dominantes e vê a história como uma sucessão gloriosa de altos fatos políticos e militares. A experiência verdadeira não partiria da existência do homem na sociedade, mas sim poderia ser invocada na contação de histórias a partir das artes, da natureza e da época mítica – crescendo, como pensou Bergson, a vida contemplativa sobre a vida ativa, bem mais propícia à memória, porque não sujeita ao jugo do intelecto.

O reflexo na comunicação organizacional desde então vem sendo imenso. Múltiplos protagonistas, detentores de potentes meios de difusão e repercussão, estão pulverizados no tecido social, não mais dependentes de estruturas institucionais pré-avalizadas (igreja, escola, família, empresa, meio de comunicação). Mais que isto, são pessoas desejosas de uma colaboração permanente no modo de conceber as coisas e as interações. Discursos oficiais e convencionais passaram a ser relativizados e comparados com as visões de mundo de outros agentes. Seria um afastamento da atrofia da experiência no mundo atual, porque quanto mais conduzida for a intenção da mensagem narrada, mais autoritária será e menos aproximativa. A narrativa genuína seria um discurso aberto, que prescindiria de explicação imediata e onde a “moral da história” estaria para ser construída em cada um – bem diferente da tendência informativa anestesiante que ainda se constata na fala organizacional. Quanto mais se estiver exposto a um bombardeio de estímulos, a consciência aciona uma proteção retaliadora da memória.  E esta qualidade plural da narrativa, que pode agregar diversos elementos de elaboração distinta (valores, padrões lingüísticos, mitos, metáforas, fatos), reconfigura as mensagens e as trocas.

Neste ínterim, cresceu a atribuição de relevância da oralidade, como comunicação espontânea que permitiria uma experiência mais viva e polissêmica – numa abertura de sentidos mais adequada à quantidade de pensamentos circulantes e completamente avessa à linguagem dura e fechada das comunicações dos até então dominantes. As abordagens agora precisariam ser mais poéticas, com uso de metáforas que auxiliariam na união dos mundos material e espiritual. A fala abre um mundo de interferência, porque o resultado é sempre mutuamente constitutivo, e portanto inclusivo. As figuras do emissor e do receptor se misturam num espaço expressivo forte, onde a atenção – tida como cada vez mais pulverizada e de difícil captura – resta natural e focada. A escrita fixa o conteúdo, mas na oralidade há um momento que não se repetirá igual. Este tom artesanal encontra eco num homem simbólico e espiritual que não acredita mais no progresso a qualquer custo. A narração não tem a pretensão de transmitir um acontecimento pura e simplesmente, mas sim envolve os ouvintes. Há experiência onde entram em conjunção na memória certos conteúdos do passado individual com outros do passado coletivo. Por isto que as histórias estão tão em voga.

É por isto também que se avulta na comunicação hoje o reconhecimento das celebrações. Os cultos e seus cerimoniais produziriam exatamente a fusão do voluntário e do involuntário da memória: com a rememoração e reminiscência dariam sentido para a continuidade da vida. As festas, como suspensão do cotidiano, facilitariam a eclosão das lembranças, muito propício numa época onde os sentimentos expressados são tão fundamentais.


REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter: Sobre o Conceito de História. In: BENJAMIN, Walter.  Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1985.

BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. 2ª.ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.

BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

LOWY, Michael. A filosofia da história de Walter Benjamin. Estudos Avançados.  São Paulo,  v. 16,  n. 45,  ago.  2002 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142002000200013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em  21  jan.  2011.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, 1993. p.9.


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