Fala que eu não te escuto
Atrasos em vôos já viraram rotina. Estamos a ponto de comemorar quando conseguimos decolar com menos de 30 minutos além da hora marcada. Claro que, durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, tudo será diferente. Se não houver investimentos imediatos, será, sim, bem pior do que os dias de hoje. E não falo das óbvias e necessárias obras em infraestrutura e em revisão de processos. Sem isso, não dá nem para começar a conversar. Aliás, conversar deveria ser o primeiro passo, porque tudo indica que é de uma boa conversa com seus clientes que as companhias aéreas mais precisam.
Outro dia, descobri que havia comprado um bilhete de uma companhia aérea coligada apenas depois que amarguei a espera de quase uma hora na fila do check-in da empresa que eu acreditava que iria me transportar. Para complicar minha relação com a tal companhia, quando o avião apresentou problemas técnicos e a tripulação nos manteve cativos por mais de três horas, resolvi ligar para o serviço de atendimento de quem havia me vendido o bilhete e este simplesmente “lavou as mãos”. Não adiantou recorrer à Ouvidoria, que, aliás, ficou o tempo todo me explicando porque não poderia me ajudar, preenchendo meus espaços de silêncio – e indignação – com palavras e mais palavras. Uma questão de cultura - cultura de falar, ao invés de escutar. Tanto é que, ao jogar a toalha, sugeri que mudassem o nome da área para Faladoria.
Consumidor quer, sim, ouvir explicações, justificativas claras e objetivas, quando surgem problemas na relação com um fornecedor de produtos ou serviços. Custa, por exemplo, explicar qual o problema técnico?
Em outra situação, depois de quase duas horas de atraso no vôo, ficamos meia hora aguardando nossas malas na esteira, sem que aparecesse qualquer bagagem. Juntei-me a mais três ou quatro passageiros e, ao contatar um profissional da equipe de solo da companhia aérea, ouvimos que havia ocorrido um problema com a porta do compartimento de bagagens. Perguntamos por que ele, simplesmente, não comunicava isso pelo altos falante, e o sujeito já saiu se defendendo : “Estou fazendo o meu melhor”. Praticamente imploramos para que essa informação fosse divulgada a todos. Bastou dar as costas para ele e ouvimos a resposta padrão: “Problemas técnicos atrasaram a retirada das bagagens da aeronave, porém, dentro de instantes, o serviço será normalizado”. Claro que isso não nos impediu de espalhar a informação completa para os demais passageiros, acrescida de comentários maldosos sobre o comunicado oficial.
Mais do que a cultura do não escutar, as companhias aéreas mostram que ainda são dominadas pela cultura do medo. Tudo bem que a segurança é uma questão de honra para quem viaja de avião, mas isso não significa que não se possa falar com um pouco mais de transparência sobre os problemas do dia a dia. Por que o avião atrasou em uma hora e meia? Quando faço esse tipo de pergunta, invariavelmente, recebo, antes de qualquer palavra, uma expressão facial pouco amistosa, que me dá uma forte sensação de que sou o chato do pedaço e que estou ali para incomodar. Incomodado estou eu, e não é só com a falta de pontualidade. O que mais me incomoda – e parece que não sou o único com esse sentimento – é a falta de consideração. O atraso acontece e eu, um reles passageiro, não mereço nem um pedido de desculpas.
O que custaria ao comandante, ao invés de me informar sobre a temperatura fora da aeronave, usar o seu – e o meu – precioso tempo para pedir desculpas pelo atraso em nome da companhia? Quanto isso custa, literalmente falando? Faça as contas aí. Custa nada! Nem um centavo. Custa muito menos, portanto, que a propaganda e qualquer outro investimento que se faça na imagem da companhia – investimento que, nos casos citados, pode escorrer pelo ralo, porque, como disse o filósofo americano Ralph Waldo Emerson e eu repito o tempo todo – quem sabe assim uma hora entre na cabeça de quem tem que entrar -, “suas atitudes falam tão alto que eu não consigo ouvir o que você está querendo dizer”.
Que fique claro, o que está em jogo não é apenas a qualidade do serviço. Por trás desses episódios registrados no setor de aviação comercial, mas que também podem ser observados nos mais diversos segmentos, é o tipo de cultura em que se quer viver: a velha e conhecida cultura de guerra que transforma empresas concorrentes em inimigas e pauta a relação entre clientes e fornecedores pela desconfiança mútua, ou uma cultura de paz, onde se aceita o erro como uma condição humana e as relações não como um espaço de disputa, mas um espaço de bem-estar e de aprendizado e crescimento conjuntos.
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