Comunicação e Memória Organizacional: refletindo sobre a oralidade
A partir do que diz Wood Jr. (1996, p.23), sobre estratégia como “um padrão de comportamento, algo que se constrói ao longo da história da empresa, algo com raízes no passado”, é preciso pensar quais estratégias e táticas de relacionamento e comunicação se deve empreender para criar e manter confiança, para mover-se da desconfiança para a confiança e para superar um eventual abuso na confiança para sua recuperação. A prerrogativa das minhas reflexões de Mestrado, compartilhadas aqui no portal da Aberje, é demonstrar a força da memória organizacional como legitimadora das diretrizes comunicacionais e do storytelling como recurso narrativo de confiança. A temporalidade hoje é fragmentada e repetitiva e o cotidiano não traz o encantamento necessário para obter atenção num cenário de instabilidade e múltiplos apelos concorrentes. Halliday (1998, p. 32) apresenta uma definição fundamental para a área, fazendo esta conexão entre comunicação, organização, história, memória e storytelling, ao dizer que “a comunicação organizacional é um conjunto de atos retóricos cuja argumentação evoca o passado, justifica o presente e prepara o futuro” (HALLIDAY, 1998, p. 32).
Citando Émile Benveniste (apud LE GOFF, 2003, p.209), existe o tempo físico contínuo, uniforme, linear e divisível, o tempo cronológico ou tempo dos acontecimentos – através dos calendários é socializado; e o tempo lingüístico que tem o próprio centro no presente da instância da palavra, o tempo do locutor – onde este trabalho se foca, através da valorização da contação de histórias e testemunhais, precioso neste estudo. Pinto (2001, p.294), defendendo uma “poética da memória”, fala na preparação de uma linguagem adequada à fixação dos referenciais passados e na articulação entre as muitas temporalidades de que se compõe a memória – abrindo caminho, a partir de agora neste estudo, para a continuidade das abordagens através da memória, da memória organizacional e do storytelling. E traz uma importante contribuição, afirmando que “a memória recupera a história vivida, história como experiência humana de uma temporalidade, e opõe-se à história como campo de produção de conhecimento, espaço de problematização e de crítica. Na operação histórica, o passado é tornado exclusivamente racional, destituído da aura de culto, metamorfoseado em conhecimentos, em representação, em reflexão; na constituição da memória, ao contrário, é possível reincorporar a ele, passado, um grau de sacro, de mito” (PINTO, 2001, p.297).
Fazendo distinção de conceitos e remetendo à análise do universo organizacional, Worcman (2004, p.24) entende memória como uma experiência retida porque selecionada como significativa, sendo a história uma forma de organizar e traduzir ao outro a memória. Nassar (2008a, p.199) postula que “são as mensagens, as histórias, que configuram as redes de relacionamentos, é só por meio da análise, da interpretação e da opinião sobre esses conteúdos é possível entender a rede”. O grande desafio das corporações é exatamente encontrar o formato ideal de expressão para então garantir atenção e legitimidade e, neste ponto, surge a contação de histórias como recurso de registro e utilização da memória e no resgate de valores e princípios com uma dinâmica interativa própria e envolvente. Neste sentido, avulta a importância de políticas de relações públicas lastreadas na memória na busca por engajamento, através de uma comunicação integral pautada por alguns preceitos de universalidade e troca dialógica, na consciência de que “a história empresarial é a história de suas relações públicas” (NASSAR, 2008b, p.111-112). Mais que isto, é entender que “as organizações são percebidas, lembradas e narradas de inúmeras formas pela sociedade, pelos mercados, pelos públicos e pelos indivíduos. Uma das formas mais importantes é definida pela história e pelas diferentes formas de memória dessa história que os protagonistas sociais têm das organizações como um todo e também em suas expressões individuais” (NASSAR, 2008b, p.117).
Neste momento, é importante considerar o alargamento do conteúdo do documento na chamada revolução documental que, a partir dos anos 60, faz-se tanto nos termos quantitativos quanto qualitativos ao ampliar o interesse histórico por todos os homens. A curiosidade não está mais nos grandes homens, nos grandes feitos, mas nas massas dormentes, inaugurando a era da documentação de massa aliada aos novos instrumentos tecnológicos, como o computador. Da revolução tecnológica com a revolução documental nasce a história quantitativa. Como diz Furet (apud LE GOFF, 2003, p.541), a história quantitativa é uma revolução da consciência historiográfica, na qual a cabo dos instrumentos tecnológicos concede ao documento um valor relativo com a série que o procede e o segue. A memória que o documento invoca também resulta do esforço de uma sociedade em criar imagem de si mesma para o futuro, seja essa criação voluntária ou involuntária. Dessa forma, o documento vai além de suas perspectivas sociais, econômicas, políticas para ser primeiramente um instrumento de poder.
Nos relatos de memória, a seletividade das experiências passadas acarreta reflexos no presente da organização, quando a exaltação ou negativa de adversidades e êxitos influenciam a própria trajetória como marcos de inspiração ou de reticência e envergonhamento. Esta contação de história, por outro lado, acaba retomando as realidades relacionais da organização com os diversos públicos considerados estratégicos para a gestão da sua conduta, buscando legitimidade nas múltiplas versões dadas por diversas vozes resgatadas, com valor de documento. Para Sarlo (2007, p.11-12), é muito claro: mudaram os objetos da história. De um lado, a história social e cultural passou a destacar os pormenores cotidianos articulados numa poética do detalhe e do concreto. De outro, uma linha da história para o mercado não se limita mais à narração de personagens privilegiados, mas sim adoto um foco próximo de todos os atores. As lembranças, durante tanto tempo confinadas ao silêncio e transmitidas de uma geração a outra oralmente, até porque não tinham espaço nas publicações, permanecendo vivas sobretudo numa sociedade civil impotente quanto ao excesso de discursos oficiais. As redes familiares e de amizades sempre serviram para vazão de lembranças dissidentes, na espera da hora da verdade. Aliás, a vivacidade das lembranças individuais são celebradas em sua difusão por redes familiares ou de sociabilidade afetiva e/ou política, que, guardadas em estruturas de comunicação informal, podem passar despercebidas pela sociedade englobante. Neste sentido, Domingos (2009, p.8) acresce que, como não há narrativa que não seja seleção de fatos vividos por personagens em um determinado tempo e espaço, “o ato de narrar é inevitavelmente um ato de deslocamento e de negociações entre a consciência e a inconsciência, gerando significativas formas de ser e estar no mundo”, daí que postula não haver na narrativa um ‘eu’ puro. Narrar histórias, portanto, trata justamente das relações humanas com conotações informativas, psíquicas, neurológicas e sociais como sendo um prazer universal (DOMINGOS, 2009, p.10).
Como a preocupação não deve estar apenas na mensagem a ser transmitida, mas sim na forma, há um reconhecimento crescente da importância do discurso, da retórica e da oralidade como fatores que podem distinguir a comunicação organizacional com públicos estratégicos. O discurso e a retórica organizacional requerem configurações individuais e de integração grupal. Estas características igualmente envolvem a personalidade, a motivação, a liderança e a satisfação dos públicos. Zumthor (1993, p.18) menciona a existência de três formas distintas de oralidade: a primária, em que não se tem nenhum contato com a escrita; a mista, onde a oralidade convive com a escritura, apesar de exercer pouca influência no cotidiano; e a secundária em que a apropriação da escrita possibilita a manutenção do oral. A proeminência da oralidade é dada pela capacidade para integrar e harmonizar os discursos semântico e estético, com a condição de animar os ambientes, atrair a atenção e a simpatia de ouvintes e interlocutores. A nova questão é pensar sobre a efetividade destas emissões ou mesmo interações comunicacionais num universo de abundância, em que a aderência do conteúdo gere reflexão e conhecimento entre os interlocutores. Nesta perspectiva é que formatos como storytelling podem ser preciosos na garantia da atenção, num primeiro momento, e de estímulo à legitimação na sequência. O embasamento histórico como lastro para contação de histórias só reforça a credibilidade pela característica da verificabilidade, ainda que componentes ficcionais possam ser agregados à narrativa como forma de transcendência.
4. REFERÊNCIAS
DOMINGOS, Adenil Alfeu. Storytelling: evolução, novas tecnologias e mídia. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, XXXII, 2009, Curitiba. Comunicação, Educação e Cultura na Era Digital. Anais... Curitiba: Universidade Positivo, 2009. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2009/resumos/R4-2427-1.pdf>. Acesso em: 10 mar.2010.
HALLIDAY, Tereza. A missão do retor. Comunicação Empresarial. São Paulo: Aberje, n. 29, p. 32-35, 3. trim. 1998.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 5.ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2003.
NASSAR, Paulo. A mensagem como centro da rede de relacionamentos. In: FELICE, Massimo Di (Org.). Do público para as redes: a comunicação digital e as novas formas de participação social. São Caetano do Sul: Difusão, 2008a, p.191-201.
NASSAR, Paulo. Relações Públicas na construção da responsabilidade histórica e no atualização da memória institucional das organizações. 2.ed. São Caetano do Sul, SP: Difusão, 2008b.
PINTO, Júlio Pimentel. Todos os passados criados pela memória. In: LEIBING, Annette; BENNINGHOFF-LÜHL, Sibylle (Orgs.). Devorando o tempo: Brasil, o país sem memória. São Paulo: Mandarim, 2001. p.293-300.
SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
WOOD JR, Thomaz. Uma nau sem rumo. Carta Capital, São Paulo: Confiança, a.2, 26 jun.1996, p.20-25.
WORCMAN, Karen. Memória do futuro: um desafio. In: NASSAR, Paulo (Org.). Memória de empresa: história e comunicação de mãos dadas, a construir o futuro das organizações. São Paulo: Aberje, 2004. p. 23-30.
ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje
e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 1578
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