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COLUNAS


Fabio Betti Salgado


Fábio Betti Salgado é sócio consultor da Corall, consultoria com o objetivo de catalizar a criação e transformação das organizações para o surgimento de uma nova economia, baseada em bem-estar e felicidade, prosperidade distribuída e uso eficiente de recursos. Iniciou na área de comunicação em 1988, na Johnson & Johnson, e, depois, especializou-se em comunicação interna na Dow Química. Foi sócio da Novacia de 1995 a 2009 e, desde 2010, vem atuando como consultor em processos de transformação cultural, tendo como principal abordagem a cultura de diálogo e a comunicação de liderança. Graduado em Jornalismo (PUC-SP), com pós-graduação em Comunicação Empresarial (ESPM) e diversos cursos de extensão e especialização nas áreas de gestão, marketing e publicidade, Fábio é mestrando em Biologia-Cultural (Universidade Mayor do Chile), formado em consultoria antroposófica (ADIGO) e professor da ABERJE, Escola de Diálogo e Escola Matriztica de Santiago. Escreve regularmente sobre comunicação para sites e associações setoriais. Além disso, mantém um blog pessoal para conversar sobre o diálogo nos diferentes domínios dos relacionamentos.

Diálogos improváveis em um mundo nem sempre virtual

              Publicado em 02/12/2010

A temida página em branco. Era ela o terror dos antigos escritores em seus momentos de crise de inspiração. Mesmo há anos luz de distância da velha Remington onde aprendi a datilografar, a página em branco surgiu a minha frente assim que decidi me debruçar sobre meu artigo mensal para esta coluna. Sobre a hipotética página em branco, de repente, surge uma ideia: escrever uma carta para Papai Noel, pedindo-lhe um par de orelhas novas e óculos com um jogo completo de lentes. Metáfora perfeita e oportuna para eu abordar o mesmo assunto de sempre: o diálogo e a arte da escuta, meu samba particular de uma nota só. Ainda não totalmente convicto do brilhantismo com o qual iria preencher minha página em branco, resolvi testá-lo com uma amiga que conheci no Twitter.

Assim que a encontrei, apresentei-lhe a ideia e obtive de volta, em menos de 140 toques, a resposta: “se colocar no lugar do outro é básico na comunicação... mas de onde veio isso agora? ai, ai, ai...” E sugeriu que eu escrevesse sobre “comunicação face a face virtual”. A partir daí, sucedeu-se uma troca intensa de DM (“Direct Messages”, troca privada de mensagens), com o “delay” (atraso) entre o envio e o recebimento da mensagem criando histórias paralelas, na medida em que nenhum dos dois tinha paciência para esperar a resposta do outro e ia criando em cima dos espaços vazios, ou seja, no silêncio antes da resposta do outro.

Migrávamos de um assunto a outro com uma velocidade espantosa, ao mesmo tempo em que ela postava um artigo em seu blog e conversava com outras pessoas na seção aberta do Twitter. O fato de minha amiga estar fazendo várias coisas ao mesmo tempo começou a me incomodar, a ponto de me desconcentrar e perder o interesse pela conversa. E, a despeito de ela ter justificado que, mesmo assim, conseguia concentrar-se em me escutar, meu sentimento de não ser escutado era muito mais forte.

Decidimos prosseguir a conversa no Skype e, com um “delay” muito menor, conseguimos, finalmente, estabelecer um diálogo ou o que parecia um diálogo, na medida em eu explorava o tema de meu artigo –naquele momento, modificado para “diálogos virtuais” – e ela, com a experiência de mais de 10 mil tuites e mil seguidores, ia respondendo minhas perguntas pacientemente – ou assim me parecia. Para não cansar o leitor, reproduzo apenas alguns achados – ou, dependendo do ponto de vista, perdidos – da entrevista:


•    Hoje em dia, todo mundo tem muita experiência virtual, mas as trocas nesse tipo de plataforma ganham mais peso para pessoas com vida mais reclusa.

•    Os “hashtags”, conjunto de “tags” aplicada em algum tweet para classificar o assunto da mensagem em uma espécie de categoria, não se restringem ao Twitter e acabam sendo utilizados em todo tipo de mídia escrita, mesmo que não leve a mensagem a ser agrupada no menu “Trending Topics”, como ocorre  no Twitter. Minha amiga diz que mulheres acabam usando os “hashtags” como “rachatags”. (Se você nunca tuitou, meu amigo ou minha amiga, lamento, mas ou você começa logo ou continua boiando).

•    Quando ocorrem mal-entendidos, é só dar uma segunda chance ao outro para explicar melhor o que ele ou ela quis dizer. Para que isso ocorra, é preciso vontade genuína de entender, perguntar se era aquilo mesmo que a pessoa queria dizer. Quando essa vontade não ocorre, o recurso do “DM”, muitas vezes, acaba utilizado com o significado de “Direto no Maxilar”.

•    Twitter é superexposição, por isso muitas pessoas usam “nicks” (abreviação de “nick name” ou apelido). Alguns aproveitam para extravasar emoções que não permitem fluir no “mundo real”, como, por exemplo, as angústias do trabalho.

Quando pergunto se ela acredita que, num mundo onde uns se escondem atrás de “nicks”, outros exageram na exposição, há como estabelecer diálogos verdadeiros, ela explica que, quando entrou no Twitter e usou seu “nick”, achou que só ia seguir e ser seguida em razão dele. No entanto, acabou fazendo bons amigos e até conheceu seu último namorado.

Neste ponto da conversa, sou interrompido por minha esposa, que me lembra da tarefa de pegar nosso filho mais velho no clube, quando me dou conta de que, num curto espaço de tempo, eu e minha amiga colocamos pontos de vistas diferentes, divergimos, discutimos, “trollamos” (vê se descobre sozinho ou sozinha essa gíria, né?) um com o outro, concordamos, conversamos, nos divertimos e, sobretudo, estabelecemos um diálogo de alto nível, respeitoso e interessado, num exercício de escuta raro de ocorrer no “mundo real”.

Na hora de organizar este texto, resolvi reler trechos do “Diálogo e Redes de Convivência”, de David Bohm, na tentativa de encontrar algo que fundamentasse minha experiência e acabei encontrando a resposta que eu buscava:

“Num grupo de diálogo, não decidimos o que fazer a respeito de nada. Isso é crucial. Devemos ter um espaço vazio, no qual não somos obrigados a fazer nada nem chegar a quaisquer conclusões, nem a dizer seja o que for, ou mesmo a não falar. É um espaço aberto, livre, vazio. Num grupo de diálogo, há uma espécie de espaço vago no qual qualquer coisa pode entrar. Ao terminar, nós apenas o esvaziamos de novo.”

E aí me lembrei que a amiga em questão acabou se interessando por meu trabalho a ponto de me presentear com um blog novinho em folha e se oferecer para editar um livro com meus artigos sobre relacionamentos. E isso sem nunca termos nos encontrado pessoalmente ou sequer conversado por voz, o que me faz acreditar que, não importa a plataforma, diálogos são espaços criados por pessoas que se interessam genuinamente umas pelas outras e que constroem significados comuns em um processo criativo colaborativo tão poderoso que suplanta qualquer limitação tecnológica. Terminado o diálogo, basta esvaziar o espaço e deixar que o próximo surja, mais uma vez, de repente, espontâneo e grávido dos significados que só o vazio pode oferecer.


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