“A abóboda celeste se rompeu e liberou a vista para o infinito.1”
Ernest Bloch
Feliz aqueles que acompanham a juventude dos tempos. Não apenas a juventude cronológica, mas a juventude das épocas que fazem com que se sonhe acordado e não apenas dormindo. Felizes porque revelam capacidade de viver a realidade e de lerem, com clareza, a época em que vivem. É o que temos visto no Brasil dos dias atuais: multidões saindo às ruas; num único dia mais de um milhão de pessoas numa centena de cidades, para dizer o que pensam e como desejam que o País seja no cotidiano. Um lugar feliz e saudável, humano e real, para todos.
Se olharmos para trás, podemos constatar que a República está sendo criada, desta vez com participação da sociedade. Por quê? A república brasileira nasceu de um golpe militar. Não houve sequer tempo para a sociedade se organizar e participar do poder. Caiu a monarquia, criou-se a república. Tudo muito rápido, com velocidade sem rival na história. Foi mais do que isso: foi obra de positivistas que acreditavam num governo de grandes homens, de visão científica, que descartava a participação das massas populares.
Assim, a sociedade não pode discutir a grande desigualdade que se adensou no Brasil Colônia, com o escravismo, e nunca foi, de fato, resolvida. Foi amenizada, isto sim. Resolvida não. Pelo contrário, em 1964 quando podíamos optar entre uma sociedade menos ou mais excludente, isto antes da queda de João Goulart, acabamos seguindo pelo rumo pantanoso da exclusão e da ditadura. E, hoje, a despeito da incorporação de milhões de pessoas ao consumo, não superamos os erros do passado.
Prometeu-se uma sociedade democrática, prometeu-se reformas, prometeu-se transparência, educação, saúde, segurança e transporte público de qualidade. economia sem o aterrorizante fantasma da inflação. E justiça acessível e eficaz porque não pode existir democracia sem leis e justiça que se concretizem. Caminhou-se na contra mão do que ensinam as boas prática da comunicação. E o resultado foi surpreendente. A multidão saiu às ruas para exigir que as promessas republicanas se cumpram e que os impostos pagos sejam revertidos a favor da sociedade. Essa é a mensagem: estamos transitando da sociedade de consumo pura e simples para a sociedade política. Agora, ao que tudo indica, a transição vai se realizar de outra forma, embalada pela voz das ruas.
Interpretações para a realidade presente não faltam. Pela ótica liberal, podemos dizer que a classe média, sobretudo a nova classe média, se rebela porque seus impostos são desviados para finalidades que não são aquelas anunciadas pelo Estado. Pela ótica da esquerda, podemos dizer que a infraestrutura, isto é a base da sociedade, caminhou muito mais rápido que a superestrutura, a ideologia dominante, e exige mudança. Pela visão do centro, pode-se admitir que há um distanciamento entre o que os governantes fazem e o que os governados desejam. Pela visão de centro-esquerda, pode-se argumentar que pequenos fatos foram se somando e acabaram provocando uma grande explosão de descontentamento. À luz da moderna democracia, pode-se ter uma visão cristalina: a sociedade exige participação. Não mais apenas a sensação de que possuem direitos. Exige que promessas sejam cumpridas, como parte de uma ética do dia a dia. Efetiva.
Essa a juventude dos tempos: a busca da contemporaneidade. Hoje, esta busca está nas ruas. Amanhã, quer dizer, no dia seguinte, as manifestações tendem a se traduzir em atividades práticas. Cotidianas. Uma comunicação direta: dizer não a tempos ossificados, não contemporâneos, que perderam, há muito, a capacidade de construir novos horizontes.
1 - BLOCH, Ernest. O princípio esperança. Tradução Nélio Schneider. Rio de Janeiro: Contrapondo, 2005. P. 125, v. 1.