Em comunicação, disciplina vale muito mais do que talento
Passei a vida acreditando que um bom comunicador era feito de muitos talentos. A oratória, a capacidade de ouvir, o domínio da escrita, habilidades inter-relacionais e de mediação de conflitos eram resultado de talentos burilados por leituras, cursos e uma sólida formação em Ciências Humanas. Um especialista em comunicação era, assim, alguém que também compreendia profundamente a natureza humana. Na outra via, no lado dos péssimos comunicadores, estava o pessoal de Exatas, liderado, claro, pela turma dos engenheiros, estes seres que, sem talento para lidar com pessoas, escolhiam viver no mundo dos números e das máquinas.
Ao longo de minha carreira de executivo de grandes organizações e, depois, de profissional de agência, sempre acreditei nesta teoria, que dividia o mundo da comunicação entre esses dois grupos – Humanas e Exatas. E, estando no primeiro grupo, também eu jogava minha pipoquinha sobre o segundo, essa gente dura, fechada, autoritária e que só atrapalhava o meu meio de campo. Atrapalhava porque insistia em métricas e medições, ao invés de focar as questões que realmente importavam para a comunicação – e aqui estou falando da criatividade, da clareza do conteúdo e da agilidade na transmissão da mensagem, só para citar algumas delas.
Travei esse duelo com os engenheiros durante décadas – cada um olhando a questão de seu próprio ângulo e, assim, ninguém se entendendo de verdade. Não posso nem dizer que era um duelo, na medida em que nós, de Humanas, nem considerávamos o outro lado digno de uma peleja, uma vez que já o pré-classificávamos como perdedores – e eles, claro, faziam o mesmo, nos rebaixando à categoria de “artistas”, no sentido pejorativo do termo, ou seja, de gente despreocupada com a realidade e só interessada em fazer arte.
Desde que comecei a olhar a comunicação por um novo ângulo, que não é nem da turma de Humanas nem da turma de Exatas, essa divisão deixou de fazer sentido para mim. É que, quando amplio meu olhar da comunicação como mídia para a comunicação como ambiente relacional, tudo parece mudar.
O especialista deixa de sê-lo, na medida em que o ambiente relacional é permanentemente mutante e, por isso, totalmente imprevisível. E aquele que antes era visto como o ignorante sem talento, agora leva tremenda vantagem, primeiro, porque, ao ignorar, abre espaço para aprender e, segundo, porque se o originário em Humanas tem a visão criativa, o formado em Exatas tem a disciplina para praticar o que for, ou melhor, o que fizer sentido para ele de ser praticado. E aí está o pulo do gato!
A comunicação vista como espaço relacional só se aprimora como prática. Estudar sobre o diálogo não ensina ninguém a dialogar. Dialogar se aprende dialogando. Nesse aspecto, não há turma mais aplicada em praticar do que os engenheiros. Eles são aprendizes fantásticos. Aprendem a dialogar exercitando o diálogo e não porque nasceram prontos para o diálogo ou estudaram o diálogo. E, ao praticar disciplinadamente o diálogo, de fato, tornam-se bons comunicadores.
Um cliente que se tornou um grande amigo, engenheiro eletrônico de formação e atualmente dono de uma escola, me confessou outro dia, com ar de desânimo, que havia concluído que seus problemas, tanto em sua vida profissional quanto pessoal, estavam todos relacionados a sua completa incapacidade de ouvir.
Lembrando de meus aplicados clientes engenheiros, resolvi ensinar-lhe um exercício de escuta muito simples, que consistia em chamar para uma conversa as pessoas que ele mais tinha dificuldade em ouvir. A ele, caberia revelar o motivo da conversa – praticar o ouvir – e exercitar a seguinte dinâmica: Ele não poderia fazer qualquer julgamento ou comentário sobre o que o outro iria dizer, mas só fazer uso de perguntas.
Ajudei-o a estruturar três pautas diferentes, de acordo com o tipo de público. Uma semana depois, ele me ligou todo entusiasmado dizendo que a tática estava funcionando. Com as conversas, ele descobriu coisas importantes sobre si mesmo, sobre o espaço relacional, ou seja, o que acontecia entre ele e o outro que ele não conseguia ouvir, e sobre os problemas que ele não conseguia resolver. E dizia que nem precisava mais da pauta, que era criada na hora, a partir do que ele ia ouvindo. Por outro lado, me assegurava que continuava praticando disciplinadamente o exercício de só perguntar. Fiquei orgulhoso dele, um engenheiro eletrônico que descobriu o poder da arte da escuta e, de tão disciplinado, já estava dando um banho em muito jornalista metido a comunicador. E antes que os amigos jornalistas me apedrejem em praça pública, estou falando de mim mesmo, claro!
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