A contação de histórias organizacionais e o refúgio na história e na memória
Nas sociedades ditas tradicionais, a Antiguidade tem um valor seguro: os antigos dominam, como velhos depositários da memória coletiva, garantia da autenticidade e da propriedade. Estas sociedades voltam-se para os conselhos dos antigos, a gerontocracia. Já o termo ‘moderno’ assinala a tomada de consciência de uma ruptura com o passado, sendo que ‘novo’ implica um nascimento e assume o caráter quase sagrado de batismo. Vira um esquecimento, uma ausência de passado, com o sentido de recém-aparecido, de nascido, de puro. Já o uso de ‘progresso’ elimina o moderno, desvaloriza permanentemente o presente como algo ultrapassado e sempre na espera do porvir. O moderno adquiriu um ritmo de aceleração desenfreado, chegando mesmo a voltar-se para o passado – recusa o antigo, mas busca refúgio na história e na memória.
A temática do meu mestrado*, como já comentado em artigo anterior, gira em torno da constatação de que emergem simultaneamente na sociedade atores diversificados e comunicantes, com alta potencialidade de criação, estimulados por plataformas conectadas facilitadoras de trocas e difusões de posicionamento. São pessoas que apresentam um nível superior de exigência em termos de conteúdo e atratividade contextual, bem distantes da postura passiva atestada até então – e supostamente adequada ao formato unidirecional broadcast vigente. Hoje, com multiprotagonistas em interações mediadas ou incitadas pela tecnologia, a Comunicação Organizacional e as Relações Públicas acabam reconfiguradas para dar conta de expectativas mais elevadas em torno da transparência e da relevância das mensagens. Um centramento estratégico da narrativa, se localizado na memória organizacional como estimuladora de significados e geradora de pertencimentos, deve considerar a necessidade de recriação de formatos interativos como força atrativa diante da atenção pulverizada. Afinal, com o descentramento do sujeito corporativo, fica redobradamente difícil atingi-lo com mensagens, porque ele não é mais singular e estável, mas sim múltiplo e mutável de acordo com a situação que enfrenta. Conquistar sua atenção e sua palavra de recomendação se torna algo complexo.
Embora exista um volume e uma consistente produção acadêmica sobre a Comunicação das e nas organizações, e mesmo já esteja sendo desenvolvida notável base teórica sobre a memória organizacional como postulado de reputação e de inspiração informativa e relacional, ainda é preciso uma maior análise dos formatos de geração de conteúdo que viabilizem a atenção necessária para as mensagens organizacionais, como a contação de histórias. Em língua portuguesa, não se registra, até o momento e bem diferente do encontrado nos idiomas inglês e francês, nenhuma obra com este enfoque como suporte para incremento da efetividade dos discursos das organizações, hoje em cenário de absoluta concorrência com uma diversidade de apelos de múltiplas origens e frequentemente desenvolvidos sob estruturas vocabulares mais interessantes.
A ideia é contribuir com questões e reflexões que levem a uma melhor compreensão das dimensões de interfaces da Comunicação nas e das organizações com ações de memória e dar início ao desenvolvimento de uma tipologia que possa fazer com que as organizações consigam consolidar o discurso institucional oficial como atrativo e gerador de conhecimento junto a públicos de interação. É preciso reconhecer que o desafio de estabelecer quais os requisitos de linguagem e abordagem tendem a reter a atenção dos públicos organizacionais na diversidade de mídias operantes é grande, mas, de todo modo, busca-se fomentar e subsidiar a discussão conceitual sobre as temáticas da memória organizacional e da contação de histórias organizacionais, de forma a ampliar o escopo teórico e embasar uma construção de significado nacional no assunto.
A condução deste trabalho já contou com um extenso levantamento bibliográfico. Estou buscando tratar da complexidade social e da consequente reconfiguração dos esforços de conexão entre organização e seus públicos, com um apanhado das correntes e análises contemporâneas sobre processos comunicacionais no universo corporativo numa sociedade em rede. A gestão da confiança é apresentada como saída para manutenção de credibilidade e de colaboração neste meio, onde o estilo de linguagem tem atuação importante. Na seqüência, estou tentando compreender o fenômeno histórico e suas diferenças conceituais com a memória, área do conhecimento que vem atraindo cada vez mais atenção de estudiosos e estrategistas no enfrentamento da falta de referências de valores e do amplo questionamento de regras da contemporaneidade. Em outra parte, pretendo consolidar as percepções de pesquisadores sobre memória organizacional, apresentando um histórico e as possibilidades de fontes no tema. Não vou deixar de abordar a oralidade como estratégia de interação e faz a inserção definitiva do storytelling como processo narrativo de memória, além de elencar as formas de contar histórias disponíveis na bibliografia consultada.
Será que estou no caminho certo?
* curso Mestrado em Ciências da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo/ECA-USP, sob orientação do Prof.Dr. Paulo Roberto Nassar de Oliveira.
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e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 4110
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