A demonização de nossas diferenças
Debatendo sobre política com uma amiga, me vi de repente defendendo com unhas e dentes minha verdade como se ela fosse a única possível, como se eu estivesse num duelo que só seria vencido quando um dos dois lados concordasse que o outro era o dono da razão. O que estava em jogo não eram meras opiniões, mas nossas próprias vidas.
Sobre política, religião e futebol, não se discute, é o que dizem por aí. Mas como se discute sobre política, religião e futebol! Acaloradamente! Mas tão apaixonadamente que, como costuma dizer Humberto Maturana, estamos tão certos sobre nossas opiniões que nos tornamos cegos. A certeza não só nos cega para uma ampliação de nossa compreensão sobre o que chamamos de realidade como nos isola em um canto, separando-nos do outro que insiste em não aceitar nossa verdade como única possível.
O outro transforma-se em nosso inimigo, pois, na luta entre bem e mal, nós somos o lado do bem. Nós somos os que temos o pensamento correto, os valores corretos, as atitudes corretas. Se somos os mocinhos da história, o outro só pode ser o bandido. E cada um de nós pensa exatamente assim. Nesse ponto, todos concordamos: o mal (inferno, como diria Sartre) são os outros. No entanto, para um observador imparcial, quando dois debatem, há, pelo menos dois lados do bem e dois lados do mal. Cada um se acha do bem. Cada um acha o outro do mal.
Para nos ajudar nessa guerra, inventamos os conceitos de esquerda e direita. Para os que são de esquerda, os de direita são conservadores retrógrados, desprezam os pobres e servem ao capitalismo predatório. Para os que são de direita, os de esquerda são idealistas irresponsáveis, desprezam os avanços da economia e servem ao socialismo utópico. Ao ouvir esses julgamentos, um observador poderia dizer que o que vê é o duelo entre dois ditadores. Cada qual dita ao outro a sua verdade. Cada qual se auto-proclama autoridade suprema sobre a verdade, mantendo-a presa em seu domínio. Não é incomum que, quando esses lados se exacerbem em suas opiniões, o que se produz sejam justamente regimes autoritários e totalitaristas.
Segundo o Wikipedia, “totalitarismo (ou regime totalitário) é um sistema político onde o Estado, normalmente sob o controle de uma única pessoa, político, facção ou classe, não reconhece limites à sua autoridade e se esforça para regulamentar todos os aspectos da vida pública e privada.” Segundo minha própria experiência, toda vez que discutimos com o outro porque não validamos sua forma distinta de pensar, estamos exercitando nosso totalitarismo, tentando instalar nosso sistema de controle sobre o outro, escravizando-o sob nossos domínios – nós, os faraós, postados no alto da pirâmide pelos próprios deuses e únicos detentores da verdade.
Diferentemente do que ocorre para um observador, essa dinâmica muitas vezes não é percebida pelas pessoas que estão imersas no calor das paixões em que os debates se transformam. Elas não têm olhos para ver os outros nem para ver a si próprias negando a possibilidade de ampliarem sua visão sobre o mundo e, dessa forma, condenando-as à ignorância de sua compreensão limitada.
A única forma de escapar desse ciclo vicioso autodestrutivo é instalar sensores capazes de indicar quando o debate de idéias está avançando para o duelo de verdades. Tenho experimentado – e ensinado em meus workshops – alguns exercícios simples que, realizados com disciplina, têm sido capazes de me tirar desse estado de inconsciência em que mergulho inúmeras vezes. O mais simples deles é baseado na respiração.
Assim que percebo o debate se inflamar, respiro profundamente uma, duas, três vezes. Quando o debate é via Twitter ou MSN, isso é mais fácil, pois há um “delay” natural em diálogos praticados via mídias digitais. Quando ele ocorre ao vivo, no entanto, é ainda melhor, pois o outro percebe esse movimento e acaba, invariavelmente, desacelerando o seu próprio discurso. E é exatamente isso o que precisamos fazer: desacelerar o diálogo, para oxigenarmos, primeiro, o cérebro e, assim, abrirmos nossa mente para pontos de vista diferentes do nosso; e, segundo, nosso corpo todo, apaziguando-o, para abrirmos nosso coração a um outro ser.
Segundo Otto Scharmer, quando superamos a voz do julgamento e a voz do cinismo, descobrimos que esse outro, apesar de tão diferente, tem tantos pontos em comum conosco que, longe de inimigo, só pode mesmo ser nosso maior aliado na aventura do viver.
Referências
ROMESIN, H. M.; YANEZ, X. Habitar Humano em Seis Ensaios de Biologia-Cultural. 2009. Palas Athena.
SCHARMER, Otto. Teoria U.
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e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 1513
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