A Arte da Escuta - Parte 2
Não me agradam as sagas, sobretudo quando sou eu a protagonizá-las. Obrigar-se a produzir continuações, é sobre isso que estou falando. E é uma continuação que o título deste artigo sugere – culpa do primeiro artigo sobre o tema, que nasceu como “Parte 1” e acabou se transformando na maldita “Cadê a Parte 2?”
A sequência não veio no mês seguinte, que acabou trazendo um texto sobre nossa cegueira consciente, mas ficou martelando em minha cabeça, até fazer o estrago necessário para as idéias vazarem em palavras. Não espere, no entanto, que a segunda parte cumpra o papel de continuação – não, pelo menos, na forma como o senso comum entende continuações. É uma segunda parte que sequer evolui a primeira – não, pelo menos, na forma como o senso comum entende evoluções. Linearidade,é sobre isso que estou falando. No presente contínuo cambiante, o único elemento linear é o tempo, ou seja, o linear em nossa história é a invenção. A realidade vai se alterando como as paisagens numa viagem de trem. Mesmo que a viagem pareça monótona, não há uma única paisagem igual à outra. E a paisagem que ficou para trás já não existe mais, pois, mesmo que façamos a viagem de volta, ela já não mais será a mesma, porque, além da vida que habita aquela paisagem ter se modificado pelo tempo, o olhar que a observa também já não é mais o mesmo.
O que tudo isso tem a ver com a escuta? Numa linha direta, talvez, nada. Mas desse mundo complexo da vida que muda a cada instante, a escuta é companheira inseparável. Porque só conseguimos escutar verdadeiramente o outro, praticando a escuta que, de fato, se interessa em aprender de onde o outro diz o que diz, quando estamos totalmente imersos no presente. Quando escutamos a partir do presente que emerge a cada instante, não estamos escutando com o ouvir do passado, encaixando as novas paisagens em fotos antigas. Escutamos com a “candura das crianças”, como costuma dizer o biólogo Humberto Maturana. E é só com a candura das crianças que conseguimos abraçar algo novo – o mundo do outro sobre o qual o outro quer nos contar -, posto que o máximo que conseguimos com nossa rigidez é defender nossas velhas opiniões. Sobre isso, outro Humberto, o Humberto Mariotti, diz que “a desconfiança - e também a prudência excessiva - é, evidentemente, uma forma de proteção contra o inédito”.
Gilceana Galerani, amiga recente, questionadora contumaz e pesquisadora dedicada da comunicação organizacional, postou um comentário sobre a fatídica parte 1 de “A Arte da Escuta”, que, na verdade, explica o essencial: “falta de tempo e o egocentrismo privam o outro do carinho que temos tão bem escondido - isso estaria correto?” Eu diria que está corretíssimo, Gilceana, corretíssimo. Mas falar que tudo se resolveria com mais carinho ou amor pelo outro poderia ser interpretado como algo banal demais ou superficial demais – como se o amor fosse banal e superficial. Por isso, inventamos toda uma teoria, citamos autores bacanas e criamos um sem número de dinâmicas para aprender “A Arte da Escuta”.
No recente workshop sobre comunicação face a face que facilitei na ABERJE junto com o amigo e professor Carlos Parente, logo no início do dia, comentei com as participantes – 20 mulheres e nenhum homem! – que o que faríamos naquele dia seria uma espécie de samba de uma nota só, onde, por meio de uma série de abordagens teóricas e dinâmicas de grupo, estaríamos sempre fazendo a mesma e mesmíssima coisa: praticando a tal “Escuta do Tipo 2”. (quem desejar saber mais detalhes sobre essa escuta, por favor dirija-se à “A Arte da Escuta – Parte 1”)
Estamos tão condicionados a praticar a escuta que julga o tempo todo o que o outro diz, tentando confrontar o que escutamos com a nossa verdade, que precisamos realmente repetir muitas e muitas vezes essa outra forma de escuta, para, quem sabem, em algum momento, ela se torne, novamente, parte de nosso viver. Digo “novamente”, pois, como diz Maturana, nossa natureza é a do Homo Sapiens Amans Amans. Homo nos define como primatas bípides; Sapiens como seres que vivem imersos no conversar; Amans porque, ao nascermos, precisamos do espaço relacional amoroso para sobrevivermos; e o último Amans nos define como a espécie capaz de perpetuar a dinâmica de viver que conserva esse espaço relacional amoroso.
A questão é como perpetuamos a nossa espécie se, atualmente, nos transformamos em Homo Sapiens Amans Agressans? A resposta é simples: praticando, praticando e praticando a velha forma de escuta, que nos ajudava a sobreviver ao mundo hostil na época das cavernas e continua ajudando cada bebê a novamente sobreviver nesse mundo que só será menos hostil quanto menos hostil formos cada um de nós.
E aguardem no mês que vem pelo “A Arte da Escuta – Parte 3”, que promete não ter nada em comum com o que acabo de escrever aqui. Ou não.
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