Crise de comunicação na campanha eleitoral
Legislação eleitoral à parte, a utilização da imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na propaganda eleitoral gratuita de José Serra, candidato do PSDB ao Palácio do Planalto, foi um grande equívoco técnico no tocante à comunicação. Tratou-se de uma estratégia impensada, com múltiplas facetas e consequências muito negativas.
A principal delas é o desrespeito à inteligência do eleitorado. Será que o gênio da propaganda criador da ideia e quem a aprovou e permitiu que fosse ao ar ousaram imaginar que a malandragem retórica ludibriaria algum cidadão, levando-o a mudar seu voto pela associação da imagem dos dois políticos? Com a circunstância agravante de que, no mesmo dia, Serra fizera contundentes críticas ao governo nos programas anteriores, e contradição é um dos mais graves ruídos comunicacionais.
É preciso subestimar menos o brasileiro! Afinal, este é um povo que conquistou sua definitiva democracia sob a égide da paz e do civismo, por meio do exercício mais nobre e digno da política, expresso na memorável Campanha das Diretas Já. E fez isso apesar de ter enfrentado as agruras do colonialismo, a intermitência de ditaduras, no Império e na República, o descaso crônico do Estado com o ensino e tantos outros problemas que sempre conspiraram contra a soberania de sua consciência!
Candidato José Serra, o senhor estava nos palanques dos grandes comícios das Diretas Já, em 1984, na Praça da Sé e no Anhangabaú, em São Paulo. Aliás, foi um dos protagonistas daquele momento sublime de redenção democrática. Viu e ouviu, com seus próprios sentidos, que não eram apenas os clamores da elite intelectual que retumbavam naquele uníssono de um milhão de gritos pela liberdade. Portanto, sua propaganda eleitoral não tinha o direito de atentar contra a inteligência dos eleitores.
A segunda grande consequência negativa do erro publicitário eclode no âmbito interno do PSDB, a começar pela coerente reação pública do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a resistência de Geraldo Alckmin, candidato do partido ao governo paulista, quanto à participação na campanha de Serra. Este, ao buscar locupletar-se dos 80% de apoio popular a Lula, nega, numa mensagem quase subliminar, o Governo FHC, cujas realizações positivas, como as de Lula, também foram reconhecidas pelos brasileiros, que o reelegeram ao segundo mandato.
Contudo, o maior estrago em termos de estratégia de propaganda eleitoral ocorre, com certeza, no universo de candidatos a deputados estaduais e federais, cuja capacidade de mobilização do eleitorado é grande. Aliás, a esta altura, as chances de virada do resultado da eleição presidencial apontado até aqui pelas pesquisas seriam muito maiores nos comícios ante a base eleitoral do que na propaganda gratuita do rádio e TV. Afinal, os palanques são territórios absolutamente livres e libertários da dialética, da retórica e da semântica.
Porém, qual candidato a deputado irá disparar contra o presidente Lula e o governo, arriscando a pele de sua (re) eleição, depois que o próprio Serra incluiu o presidente da República em seu programa televisivo? A tendência é a de que, a partir de agora, os comícios do PSDB, com exceção, óbvio, daqueles em que Serra estiver presente, sejam marcados por um tom de “salve-se quem puder”. E muitos deverão salvar-se, pois as bancadas tucanas no Congresso Nacional e assembleias legislativas têm quadros respeitáveis e importantes no jogo político. Ademais, não se pode esquecer que oposição frágil é sempre ruim para a democracia.
Finalmente, há que se comentar o aspecto irônico do grande equívoco da propaganda de Serra, que evidencia a existência de uma crise de comunicação em sua campanha: a barafunda ocorreu simultaneamente à sua eloquente defesa da liberdade de expressão e imprensa. Ora, é preciso saber usar, com um mínimo de respeito à inteligência coletiva, essa maravilhosa e irreversível conquista do povo brasileiro!
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