O rei está nu e você sabe disso
Naked King, de Katarina Vavrova
Trocando mensagens com uma amiga, que também trabalha como consultora em comunicação organizacional, dei de cara com uma contradição que me acompanha desde meus tempos de executivo: a distância entre o que dizemos e o que fazemos. Para exemplificar a dicotomia, cito frase da amiga em questão: “Já obtive de diretores de comunicação, quando pergunto acerca da participação do empregado no processo de comunicação, a resposta de que eles fazem o café com o presidente mensalmente.” E eu completo: isso resolve tudo, né? O presidente fica com a sensação de dever cumprido, e o executivo de comunicação pode eliminar mais uma pendência do check list de seu “Plano de Comunicação Estratégica”. Nem lhes passa pela cabeça que o que fizeram está longe de ser um diálogo efetivo – pior, pode ser interpretado como mero jogo de cena, comprometendo a credibilidade do canal, da mensagem e do próprio presidente. Aliás, será mesmo que alguém acredita que, em um café da manhã com o presidente, o que ocorra seja um diálogo? Ou que, de fato, estabeleceu-se um processo de comunicação horizontal?
Minha amiga é aluna de um festejado curso de aperfeiçoamento na área e estranhou que, mais uma vez nas palavras dela, “tudo o que tenho visto e ouvido é muito alinhado com as estratégias da empresa, mas, a bem da verdade, o empregado, no caso da comunicação interna, não é inserido no processo. Fala-se em comunicação horizontal, mas ainda há muito de top-down disfarçado.” Essa reflexão leva-a a concluir que, a despeito de se trabalhar o resgate do diálogo e a construção de planos de comunicação com a participação efetiva de todos os envolvidos seja algo estimulante, isso não se aplicaria a todas as empresas. E aí sou eu que me angustio...
A crença de que um trabalho de comunicação mais inclusivo e respeitoso não cabe a todas as organizações oculta outra crença de efeitos ainda mais perversos: a de que existem empresas que são humanas e outras que não o são. Ao não reconhecermos a possibilidade de se estabelecer uma comunicação onde todos têm direito a falar, ouvir e serem ouvidos, negamos o caráter humano da empresa, aliás, como fazem sistematicamente as revistas especializadas em nos dizer o que devemos ou não fazer para sermos admitidos e nos “darmos bem” em uma empresa. A revista Veja chegou a publicar uma lista de “certos” e “errados”, onde consta a recomendação expressa para que um empregado evite chorar a qualquer custo, até mesmo no banheiro! Esse tipo de viés também nega a natureza humana, ao ignorar que somos seres únicos, tanto no que se refere à forma como conhecemos o mundo quanto aos nossos talentos. E mais: vende uma visão pessimista, que prega a participação nos jogos políticos corporativos como única chance de sucesso – aliás, não só propaga essa idéia mesquinha, como treina e aperfeiçoa os jogadores.
Um dia antes do desabafo de minha amiga consultora, conheci a executiva de comunicação de uma grande empresa nacional, uma das líderes em seu segmento. Ela se dizia desanimada com o que observava a sua volta, com as pessoas doentes de tanto trabalhar e entregues a uma competição desenfreada. Para usar palavras dela, ela se sentia nadando contra a corrente, isolada em seu espanto e sua insatisfação frente a uma situação, em sua opinião, insustentável. Pergunto-me, como fiz a ela nesse encontro, se ela está de fato só em seu espanto. O que tenho observado é que, a cada dia, mais e mais pessoas estão se mostrando indignadas com que o que vêem, negando-se a continuar vivendo o jogo. Só que, a exemplo de minha amiga, elas acreditam que isso só é possível com uma ruptura radical, o que significa abandonar suas carreiras bem sucedidas e, até, mudar completamente de área e ares.
Será que, para poder criticar o que não se acha certo, é realmente preciso adotar medita tão radical?
Para mim, uma atitude como essa não faz sentido, pois ela é fruto da desesperança, e eu sou um otimista por natureza, alguém que acredita que tudo o que está errado pode ser consertado. Só que, como o tio Einstein já dizia, um problema não pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou. O que quero dizer com isso é que os colegas de comunicação que me lêem e que, como eu, vêem claramente que o rei está nu – e, todos sabemos, não é de hoje – só vão começar a contribuir para uma comunicação verdadeiramente estratégica – comunicação entendida, ao mesmo tempo, como recurso, espaço e cultura de troca e aprendizagem recíproca – quando eles também se conscientizarem dos jogos que praticam e/ou ajudam a praticar para perpetuar esse modelo cruel de organização onde o sentimento, seja de dor ou amor, foi amputado, aleijando dessa forma os seres humanos que a constituem.
Tomar consciência do estado em que se está é a única maneira possível de movimentar-se para um estado de consciência alimentado pela esperança e não mais pelo medo. E, lembrando outro grande pensador, para ver a mudança que se deseja no mundo, só mesmo mudando a si mesmo - mudar não apenas a forma de pensar, mas, principalmente, mudar a forma de agir.
Sugestão d e leitura: “O rei nu”, de Rubem Alves
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