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COLUNAS


Fabio Betti Salgado


Fábio Betti Salgado é sócio consultor da Corall, consultoria com o objetivo de catalizar a criação e transformação das organizações para o surgimento de uma nova economia, baseada em bem-estar e felicidade, prosperidade distribuída e uso eficiente de recursos. Iniciou na área de comunicação em 1988, na Johnson & Johnson, e, depois, especializou-se em comunicação interna na Dow Química. Foi sócio da Novacia de 1995 a 2009 e, desde 2010, vem atuando como consultor em processos de transformação cultural, tendo como principal abordagem a cultura de diálogo e a comunicação de liderança. Graduado em Jornalismo (PUC-SP), com pós-graduação em Comunicação Empresarial (ESPM) e diversos cursos de extensão e especialização nas áreas de gestão, marketing e publicidade, Fábio é mestrando em Biologia-Cultural (Universidade Mayor do Chile), formado em consultoria antroposófica (ADIGO) e professor da ABERJE, Escola de Diálogo e Escola Matriztica de Santiago. Escreve regularmente sobre comunicação para sites e associações setoriais. Além disso, mantém um blog pessoal para conversar sobre o diálogo nos diferentes domínios dos relacionamentos.

A arte da escuta - Parte 1

              Publicado em 02/07/2010

Muitas pessoas se perguntam, vez ou outra, se têm sido bons ouvintes. Alguns poucos, no entanto, costumam aceitar sua deficiência nessa área. Minha experiência no estudo e na condução de workshops sobre comunicação face-a-face tem me mostrado que é, de fato, difícil assumir que temos problemas em uma atividade tão inerente ao ser humano quanto o ouvir.

Afora o fato de que nascemos com duas orelhas e apenas uma boca, indicador natural de que fomos talhados muito mais para o ouvir do que o falar, a origem do humano está diretamente relacionada às redes de conversações e, portanto, à nossa capacidade humana de aprendermos uns com os outros a partir da escuta, como reza o biólogo Humberto Maturana, um dos grandes pensadores da atualidade sobre o tema. Confessar publicamente nossa surdez torna-se, portanto, um ato raro de ousadia. No entanto, não refletir sobre esse comportamento nos impede de estudá-lo mais a fundo, para compreendê-lo e, aí sim, modificá-lo. Por essa razão, antes de prosseguir com a leitura deste texto, gostaria de convidar o leitor ou a leitora a observar, nem que seja apenas como exercício reflexivo, a ocorrência de sérios desvios no ato de escutar, na grande maioria das relações que se dão no mundo em que vivemos hoje.

Posto isto, iniciamos por falar do tipo de escuta que praticamos usualmente em nosso dia-a-dia, de modo quase que automático, como uma espécie de segunda  pele. Chamemos essa forma de “Escuta do Tipo 1”. Nesse tipo de escuta, escutamos para descobrir se o que o outro ou a outra diz coincide ou não com o que pensamos.   O médico e pesquisador brasileiro do pensamento complexo Humberto Mariotti chama essa escuta de mecanismo concordo-discordo. “Quando alguém diz alguma coisa, em vez de escutar até o fim, logo começamos a comparar o que é dito com idéias que já temos”, argumenta Mariotti. Em outras palavras, enquanto o outro ou a outra fala, nossa mente continua em seu diálogo frenético, selecionando tudo o que ouvimos entre o que faz sentido para nós, ou seja, o mundo seguro e conhecido a que chamamos de realidade ou “mundo racional ou lógico”, e o que não faz sentido e que, portanto, não corresponde à realidade, ou seja, o “mundo emocional ou subjetivo”.  Sobre isso, o físico e filósofo David Bohm diz: “Como compartilhar, quando você sabe que está com a verdade, o outro tem certeza de que também está e essas verdades não concordam?”

Esse sistema de pensamento sustenta-se na lógica aristotélica que predomina sobre o pensamento ocidental há nada menos do que 23 séculos.  Embora as contribuições de Aristóteles para a Física, Biologia, Psicologia e Ética, dentre outras, tenha sido essencial para a evolução da humanidade, sua crença no conhecimento objetivo e na verdade universal prestam um sério desserviço ao relacionamento humano. Isso ocorre, pois, ao ignorar a existência de realidades – ou verdades – simultâneas, fechamos o espaço do diálogo e partimos para o debate entre a “verdade do outro” e a “minha verdade”. Mais do que isso, ignoramos, de uma só vez, uma evidência biológica e uma evidência cultural fundamentadoras da forma como cada um de nós conhece e, portanto, vê o mundo.

O estudo da biologia demonstra que nosso sistema nervoso vive como verdade tudo aquilo que percebemos do mundo. Isso significa que, no momento em que nosso telefone nos acorda às 4h da manhã, o sentimento de que algo ruim está acontecendo é tão real que nosso corpo reage de maneira correlata, despejando adrenalina e provocando taquicardia, acidez estomacal  e suor frio. E, mesmo que, no instante seguinte, descubramos tratar-se de um engano, da próxima vez em que isso ocorrer, provavelmente reagiremos da mesma forma. Aos olhos da lógica, incorreremos no mesmo erro, ou seja, agiremos como autênticos burros (sobre isso, recomendo a leitura de “Persistir no erro é humano” - http://bit.ly/aU2ozF).

A cultura, por sua vez, entendida como a forma particular de pensar e de viver de cada indivíduo, reforça a existência das multi-realidades quando estabelece que cada um de nós perceba o mundo, a cada instante, de uma forma diferente e absolutamente única. O raciocínio é simples: percebemos o mundo a partir de nossos valores e crenças, cujo conjunto é único e inimitável, e aquilo que percebemos é, indiscutivelmente, verdade para nós. Sobre isso, Mariotti escreveu: “O mundo em que vivemos é o que construímos a partir de nossas percepções. Por conseguinte, nosso mundo é a nossa visão de mundo. Se a realidade que percebemos depende da nossa estrutura – que é individual -, existem tantas realidades quantas pessoas percebedoras.”

Recorro também a Fernando Pessoa em uma pequena parábola de sua autoria: “Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um outro lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.”

Quando apresento esses conceitos em programas de desenvolvimento de líderes, a aceitação é praticamente unânime.  No entanto, no dia-a-dia, esses mesmos líderes defendem suas verdades com unhas e dentes e apontam orgulhosos os erros alheios. Sobre isso, Maturana tem uma frase ótima que, a exemplo da parábola de Pessoa, dispensa explicações: “quando se pune alguém que se equivoca, faz-se um convite à mentira.”
No domínio do diálogo, 1 + 1 = 3

O que fazer, então, para resolver esse gap entre teoria e prática?

Essa questão começa a ser resolvida pela compreensão da “Escuta do Tipo 2”.  Nesse tipo de escuta, escuto para descobrir de onde é válido o que o outro ou a outra diz, ou seja, foco minha atenção não em minha verdade, mas na verdade do outro. Mais do que isso, meu interesse está em tentar entender por que é verdade para ele ou ela. Assim, aceitando os fundamentos biológico-culturais que sustentam o operar humano, abrimos espaço para o diálogo e a reflexão e para um processo de co-criação no respeito mútuo. Co-criação do que? De um espaço de entendimento comum – da minha verdade e da verdade do outro – e de um mundo novo, que não é nem o meu mundo nem o mundo do outro, mas um terceiro mundo, fruto da experiência de diálogo que estabelecemos entre nós. Enquanto  que na “Escuta do Tipo 1”, cada um espera sair do encontro com o outro com a mesma visão que entrou, no segundo modo, cada um sai com, pelo menos três visões -  a sua, a do outro, e a nova visão co-construída pelos dois.

Esse processo, que denominamos simplesmente de “Escuta do Tipo 2”, é a base para a inovação. E não é só. É premissa fundamental também para a gestão eficaz de qualquer empresa nos dias de hoje, posto que vivemos a era da individuação, impulsionada pelo empoderamento do indivíduo por meio das mídias sociais, e a era da transformação, onde a mudança deixa de ser encarada como “o que nos acontece” para ser aceita como “o que somos”. 

Dirigindo-se ao novo líder, Margaret Wheatley escreveu: “Quando nos abrimos para diferenças que nos pareciam perturbadoras, descobrimos que as interpretações que os outros têm do mundo são essenciais à nossa sobrevivência... Em vez de tentar salvar as pessoas do temido caos, os líderes podem ajudá-las a viver com ele, a atravessá-lo juntas e a buscar as novas visões e os recursos que surgem.” Em outras palavras, aceitar, identificar, entender e aprender com as múltiplas realidades torna-se um caminho obrigatório para o exercício da liderança em qualquer tipo de organização onde co-existam dois ou mais indivíduos.

Falaremos mais detalhadamente sobre nosso entendimento sobre esse caminho nesta mesma coluna, no próximo mês. Não espere, porém, nenhum modelo do tipo "faça isso, faça aquilo", pois, além de ser apenas minha visão particular sobre o tema, concordo totalmente com Wheatley quando ela se refere ao perigo potencial dos cases e do benchmarking."Não se pode impor modelos pré-frabricados a ninguém. Fora do lugar onde foram criados, eles fornecem inspiração e não soluções."

 


Biobliografia recomendada:

BOHM, D. Diálogo - Comunicação e Redes De Convivência. 2008. Palas Athena.

MARIOTTI, H. As Paixões Do Ego: Complexidade, Política e Solidariedade. 2008. Palas Athena

ROMESIN, H. M.;  YANEZ,  X. Habitar Humano em Seis Ensaios de Biologia-Cultural. 2009. Palas Athena.

WHEATLEY, M. J. Liderança Para Tempos De Incerteza. 2007. Cultrix


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