Comunicação reinventada na dinâmica das novas interações sociais
Os computadores, a telefonia celular, a internet e os softwares sociais modificaram as formas de conceber as distâncias, o tempo e os relacionamentos, numa conjuntura de transição entre a sociedade industrial e a sociedade informacional. Emergem simultaneamente atores diversificados e comunicantes, com alta potencialidade de criação, estimulados por plataformas conectadas facilitadoras de trocas e difusões de posicionamento. Se antes as pessoas eram tomadas como usuários passivos de serviços pensados unidirecionalmente e distribuídos por poucos, hoje elas são protagonistas de novas interações mediadas ou incitadas pela tecnologia, que multiplicam poderes. Isto reconfigura o processo comunicacional, porque instaura um panorama de desenvolvimento de redes horizontais de interação conectadas local e globalmente, construindo renovados fluxos de sentido.
O estudioso André Lemos diz que o ato de conectar-se no ciberespaço sugere, mesmo que simbolicamente, a “passagem da modernidade (onde o espaço é esculpido pelo tempo) à pós-modernidade (onde o tempo comprime o espaço); de um social marcado pelo indivíduo autônomo e isolado ao coletivo tribal e digital”. As tecnologias estão sendo utilizadas como ferramentas para o convívio e a formação de comunidades, dentro de um conjunto de técnicas, práticas, atitudes, modos de pensamento e valores, desenvolvido neste espaço virtual.
E o impacto na comunicação é inquestionável, porque se vê o surgimento de uma nova forma de comunicação socializada, chamada por Castells de “auto-comunicação massiva” ou “comunicação massiva individual”. Miconi assinala que a transição aos meios digitais foi impulsionada por acontecimentos como a crise dos formatos culturais generalistas, a difusão de produtos cada vez mais personalizados e a transformação trazida pela internet. Entre as características mais fundamentais que implicam mudanças e devem balizar a visão de contato das organizações estão a convergência, a oferta multiplataforma e a diversidade de protagonistas. Neste cenário, a rede, além de ser condição da comunicação, também age como reestruturadora das relações de poder, que modifica a cultura, as regras de socialização e a ordem da produção. Castells reitera que a atual transformação da tecnologia da comunicação na era digital amplia o alcance dos meios de comunicação a todas as esferas da vida social. Como resultado, as relações de poder se determinam cada vez mais no campo da comunicação.
De todo modo, se antes as mídias clássicas possuíam um centro emissor e um grande número de receptores, passivos e dispersos, no que se refere ao ciberespaço há uma outra forma de comunicação com suporte tecnológico, co-produzida pela interação entre as pessoas e constituída de uma memória comum que se alimenta de múltiplas contribuições. Conforme manifesta Lévy, o ciberespaço oferece um dispositivo comunicacional original “de todos para todos”, que permitiria a constituição de comunidades de modo progressivo e de maneira cooperativa, numa espécie de “inteligência coletiva” em que a base seria o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas, proporcionados por suas experiências no espaço virtual. E as potencialidades no plano social são muitas: relações mais transversais e menos hierárquicas, novas formas de identidade e um universo de contatos.
O mundo organizacional certamente não sai ileso deste novo cenário, com cidadãos mais propositivos e críticos e detentores de ampla capacidade de comunicação via redes digitais. Como bem lembra Nassar, “as políticas e ações empresariais precisam passar por processos de legitimação, produzidos por meio de processos participativos”, os quais necessariamente envolvem grande número de protagonistas. Este caminho exige a concatenação dos discursos da ação privada, sem abandonar seus fins produtivos e lucrativos, mas contemplando as aspirações das comunidades, que deve entender seus valores. Neste ínterim, agiganta-se a importância da comunicação e dos relacionamentos entabulados, com o fator de haver um descentramento da fonte emissora, saindo da empresa e migrando para os múltiplos públicos. Com isto, há uma intensa negociação de interesses e de práticas decorrentes. As novas mídias digitais permitem grande abrangência, baixo custo, altas interatividade e velocidade, a partir de vários produtores de conteúdo, o que configura o que Castells denominou de “apropriação da capacidade de interconexão por redes sociais de todos os tipos”.
Todo um longo aprendizado, derivado da escola norte-americana de comunicação empresarial, acaba questionado em sua postura técnica, autoritária e instrumentalizadora, baseada em manuais prontos e em profissionais-comunicadores pouco reflexivos e incapazes de compreender a complexidade do entorno de seus postos de trabalho. Agora, eles não se dirigem mais a receptores passivos e estanques em cenários econômica e socialmente estáveis. Como uma saída para este desafio, Nassar postula que “são as mensagens, as histórias, que configuram as redes de relacionamentos, é só por meio da análise, da interpretação e da opinião sobre esses conteúdos é possível entender a rede”.
Questões como novos padrões de urbanização, crise de legitimidade dos governos, desintegração da família nuclear tradicional e fragmentação do contexto espacial da existência estimulam a saída do indivíduo da esfera pública e o surgimento deste novo padrão de sociabilidade. Isto demonstra que, apesar do caráter potencializador da internet, há uma conjuntura que apela para mudanças.
As organizações, para acompanhar os novos paradigmas e não perder o engajamento e o aval de seus públicos prioritários para sua continuidade, precisam exercitar o diálogo transparente, com a consciência sobre os amplos impactos que uma sociedade em rede pode causar. Neste ínterim, o setor de comunicação tem papel estratégico para liderar os relacionamentos com sensibilidade e efetivo benefício e bem-estar para toda a comunidade, como único caminho para atingimento de metas econômicas. O desafio, nesta fase, é utilizar expedientes de franqueza numa negociação aberta e não os tradicionais artifícios de sedução e manipulação que não mais surtem efeito na opinião pública da era digital.
De todo modo, com a descentralização do sujeito fica redobradamente difícil atingi-lo com mensagens, porque ele não é mais singular e estável, mas sim múltiplo e mutável de acordo com a situação que enfrenta. Ademais, este novo sujeito rejeita padronizações, sejam de estilos e formas ou de linguagens, e encontra nas redes sociais digitais a possibilidade de exercer sua identidade e de reforçá-la através do encontro de afinidades. Com o gosto pela experimentação bastante liberado, acaba surgindo outra faceta complicadora para as estratégias comunicativas de atração: há uma perda de comprometimento, uma possibilidade de abraçar vários projetos, produtos, relações e causas, mesmo que aparentemente antagônicos, e com isto uma maior imprevisibilidade comportamental e um afastamento definitivo da satisfação do consumo do campo da materialidade. É o cidadão-consumidor no exercício do poder de customizar seu mundo, construindo sistemas simbólicos por meio do manuseio das tecnologias que reinventam a comunicação.
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