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COLUNAS


Fabio Betti Salgado


Fábio Betti Salgado é sócio consultor da Corall, consultoria com o objetivo de catalizar a criação e transformação das organizações para o surgimento de uma nova economia, baseada em bem-estar e felicidade, prosperidade distribuída e uso eficiente de recursos. Iniciou na área de comunicação em 1988, na Johnson & Johnson, e, depois, especializou-se em comunicação interna na Dow Química. Foi sócio da Novacia de 1995 a 2009 e, desde 2010, vem atuando como consultor em processos de transformação cultural, tendo como principal abordagem a cultura de diálogo e a comunicação de liderança. Graduado em Jornalismo (PUC-SP), com pós-graduação em Comunicação Empresarial (ESPM) e diversos cursos de extensão e especialização nas áreas de gestão, marketing e publicidade, Fábio é mestrando em Biologia-Cultural (Universidade Mayor do Chile), formado em consultoria antroposófica (ADIGO) e professor da ABERJE, Escola de Diálogo e Escola Matriztica de Santiago. Escreve regularmente sobre comunicação para sites e associações setoriais. Além disso, mantém um blog pessoal para conversar sobre o diálogo nos diferentes domínios dos relacionamentos.

De rei a réu, em três atos - sem amor, não há solução

              Publicado em 02/06/2010

Uma dolorosa experiência vivida na loja de uma empresa de telefonia celular me fez refletir sobre o que estaria acontecendo com algumas organizações que, na hora da verdade, do momento mágico com o cliente, esquecem-se de que, até há pouco tempo, ele era chamado de rei, “razão de nossa existência”, “nosso maior patrimônio”, entre outras expressões não menos dignificantes. Aliás, será que elas se esqueceram disso ou, na verdade, não conseguem por em prática aquilo que pregam?


Primeiro ato

Eu e minha  mulher resolvemos ir à loja de uma operadora de telefonia celular para trocar o aparelho dela e de nosso filho mais velho por modelos mais modernos e comprar o primeiro celular do filho menor, uma vez que seu aniversário se aproximava. Depois de cerca de 30 minutos de espera, fomos chamados ao guichê, onde nos aguardava, com um enorme sorriso, a atendente de nome Elaine.

Para escolher os aparelhos e o plano de serviços, levamos uns 30 a 40 minutos, mas acabamos ficando na loja cerca de 3 horas. O motivo? Um processo cheio de burocracias e um sistema que, a cada 30 minutos, caia ou se tornava irritantemente lento. Nosso martírio só não foi maior porque Elaine esbanjava simpatia, a ponto de entabularmos um papo que envolvia filhos e outras questões de natureza pessoal, que acabaram tornando esse nosso encontro mais íntimo e agradável.


Segundo ato

Um tanto quanto inexperientes com a tecnologia dos celulares, acabamos comprando para o filho menor um aparelho sem bluetooth, o que acabou frustrando-o na medida em que o pequeno via na transferência de músicas entre celulares a principal função do equipamento. E lá fomos nós, no dia seguinte, de volta à loja, só que, desta vez, resolvi levá-lo, para não correr o risco de errar de novo.

Rituais da senha e da espera completados, fomos atendidos pelo Hugo – atendente cordial, porém sem o sorriso aberto estampado no dia anterior pela Elaine. Explico a situação e meu desejo de trocar o aparelho. De imediato, ele me responde que acha que isso não seria possível. Rebato de pronto, apelando para o Código de Defesa do Consumidor. Hugo vai chamar a gerente que chega, depois de alguns minutos, toda sorridente. Explico novamente a situação e ela me diz que posso, sim, trocar o aparelho, mas que terei também que mudar o número, pois, por uma questão fiscal, chip e aparelho estão associados. Mesmo surpreso com a estranha condição, digo que isso não é problema – o problema era não ficarmos satisfeitos com a compra do celular. Ela então me pede a embalagem do chip, que eu havia esquecido em casa, pois em nenhum momento pensei que, para trocar um aparelho, precisaria também trocar o número de telefone. Criava-se, assim, mais um entrave.

Enfim, essa história de pode-não-pode foi se desenrolando - ou seria enrolando? -, até que, quando tudo parecia resolvido, Hugo descobre que o carregador do aparelho que seria trocado não estava na caixa. Nessa hora, automaticamente, olhei para meu filho de oito anos, a quem havia pedido para juntar todos os acessórios do celular e colocar dentro da caixa, mas, ao ver a cara de tristeza do menino, nem ousei puxar-lhe a orelha. Pelo contrário, voltei-me ao atendente e disse que voltar para casa sem o aparelho novo seria muito frustrante para o menino, que estava fazendo aniversário dali a poucos dias.

Hugo me explicou que não podia fazer nada, pois, pelos procedimentos da empresa, eu precisaria devolver o aparelho com todos os itens. Argumentei que, no dia seguinte, teria um almoço marcado no shopping onde a loja ficava e que poderia trazer o carregador e a embalagem do chip. Ele repetiu a mesma resposta, que isso não poderia ser feito por causa dos procedimentos. Apelei para um último pedido, oferecendo um cheque-caução no valor do aparelho como garantia de devolução do que estava faltando. E, mesmo assim, Hugo manteve-se impassível na defesa dos tais procedimentos.

Olhei novamente para o meu filho, que, a essas alturas, já estava quase chorando, respirei fundo e disse ao atendente que voltaria mais tarde naquele mesmo dia para pegar o novo aparelho e devolver tudo o que estava faltando. Encaramos o desconfortável tráfego do rush paulistano e, em pouco menos de duas horas, estávamos de volta para finalizar a troca. Mais 30 minutos de espera e lá fomos nós, finalmente, embora para casa – ele, feliz da vida, com seu novo “brinquedinho”, e eu morrendo de saudades da Elaine, que devia estar de folga naquele dia.


Epílogo


A empresa é a mesma. A loja é a mesma. O sistema é o mesmo. Os procedimentos são os mesmos. Mas o que teria provocado experiências tão diversas de um dia para outro? Saí com essa pergunta na cabeça e, no dia seguinte, voltei ao Shopping para almoçar com meu amigo, um executivo da área de comunicação de uma grande empresa. Coincidentemente, esse amigo me contou uma história que acabei relacionando com o episódio que vivi na loja de telefones celulares. Ele dizia que sua área estava envolvida com um processo de desenvolvimento de vendedores que me pareceu um tanto quanto peculiar. A empresa já tinha a marca bastante conhecida, ocupava uma posição de forte liderança no mercado, mas o que garantiria seu sucesso futuro seria o quanto ela conseguisse ser verdadeiramente admirada e recomendada por seus clientes, e isso estaria intimamente relacionado com o quanto os clientes se sentissem amados nos inúmeros contatos mantidos com a empresa. E aí veio o insight! A diferença entre os atendimentos prestados por Elaine e Hugo está diretamente relacionada a quanto cada um consegue, verdadeiramente, estabelecer uma relação com o cliente genuinamente baseada na gentileza, na cordialidade e – por que não dizer? - no amor.

Afinal, não é apenas um cliente que está ali na frente deles. É o Fábio, pai do Pietro, que irá aniversariar em breve e veio pessoalmente escolher seu primeiro celular. É a família Salgado, formada por quatro pessoas que tomaram a decisão de ficar com uma única empresa como sua operadora de telefonia celular.

Se o fato de sermos seres humanos únicos, cheios de histórias interessantes, aliás, como qualquer pessoa, incluindo a Elaine e o Hugo, somado à condição de nos apresentarmos como clientes fidelizados, não é suficiente para sermos amados, o que mais precisaria acontecer para que isso se concretizasse?

Que consumidor, hoje em dia, prefere uma empresa que o trata com desconfiança e que, na escala de prioridades, coloca-o após os “procedimentos”?

Se essa empresa sabe como as Elaines e os Hugos estão se relacionando com seus clientes, eu não sei. Não sei também como ela os prepara, para imaginar qual dos dois perfis teria mais chance de prosperar. Só sei que, se ela não coloca um canal de ajuda para que quem atende clientes possa levar questões que vão além dos procedimentos, ela está em maus lençóis – aliás, como o banco para quem outro dia fiz uma reclamação. Quando resolvi entrar em contato com a área de Ouvidoria do tal banco, fiquei intermináveis dez minutos pendurado na espera telefônica. Assim que fui atendido, resolvi incluir essa espera na reclamação. Meu argumento: como pode a Ouvidoria, última instância a que um cliente normalmente recorre antes da jurídica, não manter um serviço de atendimento impecável?

São incongruências como essas que me fazem crer que algumas empresas ainda não acordaram da catarse em que elas próprias se colocaram, estabelecendo, conscientemente ou não, uma relação amorosa com o próprio umbigo, auto-elogiando-se e investindo numa imagem fictícia, que mesmo elas, muitas vezes, acabam acreditando. Melhor seria abrir os olhos e perceber quão bela, diversa e rica é a vida que pulsa, dentro e ao redor delas.

A propósito, o Pietro continua feliz da vida com seu celular, e eu espero sinceramente que a empresa em questão promova a Elaine à supervisora do Hugo ou, se isso não ocorrer, que ela arrume um emprego em um lugar onde o amor seja regra e não exceção.


Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 1895

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