Apurar os ouvidos é remover obstáculos à comunicação
Tive uma experiência rápida em um curso de Biologia Cultural, que Humberto Maturana e Ximena D´Ávila conduzem em São Paulo, e participei de uma das dinâmicas daquele dia. Uma técnica simples, que consistia em apoiar as palmas das mãos nas mãos de outra pessoa e experimentar o falar e o escutar sem palavras, mas através dos movimentos do corpo. O “falante” posicionava-se com as mãos sobre as do “ouvinte”, conduzindo o processo, enquanto o parceiro esmerava-se para “escutar”, usando sentidos que não o da audição.
Tudo certo, mas incômodo, para mim. Não havia o verbo a que estamos tão acostumados. Apenas o olhar, no meu caso, pra uma pessoa estranha, e o toque. Procurei permanecer o mais receptiva que pude, mas, ainda assim, o incômodo persistia. Inquietava-me a possibilidade de eu não entender aquela pessoa, ou de não ser entendida. Ao longo de várias tentativas com a mesma pessoa, em silêncio e com músicas de diferentes ritmos, notei que ela também tentava perceber-me da melhor forma possível, mas eu ainda me sentia incomodada.
Até que parei. Literalmente. Fiquei de pé, sem me mexer. Mantive minhas mãos sobre as dela e esqueci minhas preocupações com a performance ou com a compreensão da pessoa à minha frente. Naquele momento, precisava entender o que se passava comigo e escutar a mim mesma. Senti-me confortável e tentei dizer isso com as mãos para minha companheira de exercício. Ela pareceu entender tranquilamente.
De fato, não é possível ouvir o outro sem antes ouvirmos a nós mesmos! Essas conclusões óbvias ainda me impressionam e espero que me impressionem sempre, propiciando-me reflexões capazes de me tirar do modo automático de viver. Enquanto me esforçava para escutar e mergulhar no universo do outro, focando no resultado do exercício, não conseguia me comunicar. Quando mergulhei em mim, a mágica aconteceu. Descobri o que e como desejava comunicar, e pude fazê-lo através dos meus movimentos.
Lembrei, então, de uma história que ouvi, certa vez, sobre o aprendizado de um jovem príncipe com um sábio hindu. A esperada lição consistia em uma longa incursão na floresta para escutar os sons que ela produzia. O jovem retorna, mas o mestre o manda de volta até que ele, depois de muito tempo, retorne dizendo que escutou o orvalho, o nascer e o pôr do sol, entre outros sons inaudíveis. O sábio, então, explica que só aqueles que aprendem a ouvir o coração das pessoas podem entendê-las e compreender suas necessidades.
Num texto publicado pela primeira vez em 1952, C. Rogers e F. J. Roethlisberger dizem que “podemos alcançar uma comunicação verdadeira e evitar essa tendência a avaliar (que, segundo os autores, obstrui a comunicação) se ouvirmos com compreensão. Isto significa perceber a ideia e a atitude expressas do ponto-de-vista da outra pessoa, sentindo como isso parece à pessoa, compreendendo seu quadro de referência sobre o assunto que está sendo discutido.”
Parece simples, mas não é o que ocorre na prática. E não me refiro somente aos ambientes corporativos. Nesse texto, que sempre me parece tão atual, os dois apontam razões para as dificuldades em ouvir, e nenhuma delas tem a ver com a vida corrida, o excesso de tarefas ou a tecnologia. Entre todas, a que me convida à maior reflexão é a “falta de coragem”. Dizem que aquele que se propõe a escutar o outro corre o risco de se transformar e afirmam que poucos têm coragem para uma troca desse nível. Talvez, por isso, o processo de ouvir e de comunicar-se necessite desse movimento interno. Quando nos voltamos e atentamos para nós mesmos, podemos, então, voltarmo-nos para o outro, ação imprescindível a processos de comunicação realmente eficazes.
Leitura recomendada
Rogers, C. R.; ROETHLISBERGER, F. J. Barreiras e portas para a comunicação. Comunicação eficaz nas empresas: como melhorar o fluxo de informações para tomar decisões corretas. Rio de Janeiro: Elsevier, 1999. (Harvard Business Review Book)
Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje
e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 1672
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