Comunicação de interesse público enfoca uma nova sociedade
Comunicação Pública é toda a comunicação de interesse e utilidade para o cidadão, tendo a interatividade como ferramenta de diálogo, com caráter formal e oficial. Ela busca orientar o usuário com informações úteis e racionais, sem subjetividades. Todavia, num panorama em que os partidos políticos ainda não se consolidaram, em que os governos são de coalizão e cooptação e assim pautam suas práticas, e no qual os partidos políticos acham que têm direito a espaços no governo mediante a ausência de burocracia estável, tumultuando a compreensão das pessoas sobre a função de cada órgão, é bastante complicado trabalhar efetivamente com comunicação nesse campo.
O campo da Comunicação Pública é uma área estratégica para construção e consolidação de uma sociedade civil democrática, que contribui para desenvolver um Estado de direito justo e participativo, onde os processos de comunicação entre o governo e o cidadão contribuem para o benefício comum. Profissionais de comunicação e interlocutores que se utilizam do campo da Comunicação Política freqüentemente incorrem na tentação de – devido à ênfase no uso de ferramentas de comunicação de massa e discurso persuasivo – eclipsar uma proposta de Comunicação Pública mais progressista, favorecendo grupos e indivíduos que querem se aproveitar da sociedade para obter vantagens pessoais em detrimento de uma política de fortalecimento da sociedade como um todo através da representação democrática dos interesses da coletividade.
O processo de descrédito das instituições públicas e o desgaste da imagem do governo e de seus órgãos executivos e representativos demonstram a urgente necessidade de se promover uma grande reforma nos conceitos que regem o uso das ferramentas e processos comunicativos do Estado. Aliás, a exigência de que os governos procurem estabelecer projetos e procedimentos que promovam o fortalecimento das instituições do Estado e não dos partidos políticos no poder ou da gestão governamental ora no poder, é um imperativo.
Segundo Mariângela Haswani, a esfera pública foi introduzida pela revolução burguesa, cuja vitória sobre a monarquia absolutista trouxe a concepção de “participação política” e a relação entre “Estado e sociedade”. Há, então, um começo do que poderíamos denominar “comunicação pública”, que era o Estado prestando contas à sociedade daquilo que estava fazendo através dos meios de publicidade disponíveis na época. A pesquisadora Sandra Jovchelovitch assinala que “a vida pública existe precisamente para enfrentar questões de interesse coletivo que não podem ser resolvidas através de caminhos que contém apenas verdades singulares, radicadas em interesses privados”. A partir da revolução liberal, a idéia de “público” torna-se intimamente ligada à concepção de Estado e do exercício de sua autoridade, embora mereça uma flexibilidade nesta nova dinâmica social de co-responsabilidades entre diferentes instâncias e atores. Habermas faz um relato histórico da esfera pública, desde a Grécia, passando pela Idade Média, com destaque para o surgimento da esfera pública burguesa integrada por pessoas que se reuniam para debater sobre a regulação da sociedade civil e a administração do Estado, sempre em salões e cafés. Com o tempo, também livros e jornais passam a se configurar como essa área privilegiada para a troca de informações e desenvolvimento de idéias ou doutrinas.
A mídia ocupou o espaço de intermediação das relações entre os atores sociais e onde as controvérsias associadas às relações de poder se materializam, como um grande espaço público. E não dá para dizer que esses atores têm o mesmo poder: de um lado temos os porta-vozes dos partidos, de grupos organizados e os meios de comunicação, e do outro, o público– daí que surgem os movimentos sociais para preencher este hiato, ou seja, a sociedade civil organizada se fortalecendo para participar do espaço público com mais força. As organizações da sociedade civil devem participar desse processo pressionando as instâncias governamentais para implementar políticas e instâncias comunicacionais que promovam o exercício da cidadania por parte de cada cidadão. A iniciativa privada, que também faz parte da sociedade, deve igualmente protagonizar esse movimento social de cidadania em busca da eficiência e transparência dos serviços governamentais para o bem comum. Ambos – organizações da sociedade civil e iniciativa privada – também devem se fazer presente no debate coletivo acerca das causas que defendem em prol do bem comum, sendo protagonistas legítimas da comunicação de interesse público. Neste contexto, João Roberto Vieira da Costa defende a ampliação de fronteiras e mesmo adoção de uma nova terminologia, trazendo a idéia de “Comunicação de interesse público” como alvo de instituições governamentais, ONGs e iniciativa privada, sem objetivo principal de beneficiar gestores públicos ou empresas, ainda que estas situações possam constituir-se num benefício secundário com ganhos para a imagem institucional perante a sociedade.
Pierre Zémor aponta que o domínio da Comunicação Pública se define pela legitimidade do interesse geral. O autor não deixa dúvidas de que a Comunicação Pública diz respeito às instituições públicas que compõem o governo em sua relação com o cidadão. Tratar-se-ía da comunicação formal que, com troca e partilha de informações de utilidade pública, contribui para a manutenção do liame social, cuja responsabilidade é incumbência das instituições públicas. Para o autor, idealmente espera-se da Comunicação Pública que sua prática contribua para alimentar o conhecimento cívico, facilite a ação pública e garanta o debate público, e por isto tem funções como informar, prestar contas, valorizar; ouvir as demandas, as expectativas, as interrogações e o debate público. Deve, também, contribuir para assegurar a relação social, ou seja, o sentimento de pertencer ao coletivo, para a tomada de consciência do cidadão enquanto ator social e para acompanhar as mudanças da sociedade, tanto as comportamentais, quanto as da organização social. Com a crise de legitimidade das instituições públicas brasileiras, é de se considerar que esta inspiração e postura ideal seja desenvolvida por outros agentes, tais como as organizações do terceiro setor ou instâncias da sociedade civil organizada.
De fato, as mensagens públicas são complexas porque o interesse geral resulta de um compromisso de interesses que não é dado e nem fixo, é resultado de debates e negociações, da relação de forças dos interesses em jogo; sendo assim, está sempre aberto à controvérsia. A complexidade das mensagens públicas também se dá em função de seus objetivos de regulação, proteção e/ou antecipação. A regulação consiste em assegurar o funcionamento e a manutenção do complexo sistema que constitui um país moderno, informando suas regras e partilhando sua aplicação. O terceiro objetivo que deve ser assegurado pela comunicação pública, segundo Zémor, é o da antecipação. O poder público deve antecipar no sentido de preparar o futuro. O autor acredita que os atores privados não estão naturalmente preparados para assumir os riscos da coletividade e, mais ainda, de seu futuro longínquo. Caberia ao serviço público as tarefas de pesquisa fundamental, da educação geral, da proteção ao meio ambiente, bem como dos investimentos a longo prazo, provisão de reservas financeiras, ordenação do território, provisão de infra-estrutura e equipamentos, ou seja, aspectos de interesse coletivo.
Tornar conhecidas as instituições públicas, tanto pela comunicação interna quanto externa, estabelecendo uma imagem positiva e uma identidade sólida estão entre os maiores desafios para os profissionais de comunicação nesse campo. Nesse sentido, é muito importante que esforços de comunicação da instituição pública tenham início com o público interno. Os funcionários públicos precisam conhecer amplamente os serviços oferecidos aos cidadãos, pois ele é o porta-voz do governo para o público geral. E por outro lado, é o funcionário público que, ao atender a população, conhece seus problemas, dificuldades e críticas, e tem condições de trazer para dentro da instituição as questões a serem aprimoradas para uma oferta mais eficaz do serviço público. É uma visão dentro de círculos concêntricos, em que a prioridade evidente é a área interna, de pessoal, seguida do micro-ambiente ou ambiente operacional envolvendo os usuários, e as relações públicas que devem ser desenvolvidas com vários parceiros ou interlocutores, como as associações locais. Então, parte-se para as relações interministeriais, estratégico-políticas com os representantes dos atores sociais e imprensa englobam o meio-ambiente setorial ou meso-ambiente para, por fim, chegar ao ambiente geral, ou macro-ambiente, onde se faria a comunicação cívica, política, cuja finalidade é a difusão das regras do Estado de direito, da mudança de comportamentos sociais e de políticas e onde as relações entre os poderes públicos e cidadãos sofrem mediações.
Entendo que os profissionais de relações públicas, jornalistas, publicitários e demais participantes da gestão dos processos comunicacionais dos órgãos governamentais, empresariais e de organizações do terceiro setor são peça fundamental para que essa visão de uma Comunicação Pública com vistas à consolidação dos processos democráticos e desenvolvimento de uma consciência cidadã seja compreendida e pleiteada pela sociedade. A educação e conscientização são fundamentais para que esse movimento de valorização da relação Estado-cidadão seja implementado progressivamente, e a conscientização da responsabilidade desses profissionais em todo esse processo é, sem dúvida um grande desafio.
* Este artigo, nesta temática, vem como homenagem ao IV Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e Relações Públicas/Abrapcorp, cujo tema central é “Comunicação Pública: interesses públicos e privados”, que acontece entre 17 e 22 de maio de 2010 em Porto Alegre/RS.
REFERÊNCIAS
COSTA, João Roberto Vieira. Comunicação de interesse público: idéias que movem pessoas e fazem um mundo melhor. São Paulo, Jaboticaba, 2006.
HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984 p.16.
HASWANI, Mariângela Furlan. Comunicação Governamental: em busca de um alicerce teórico para a realidade brasileira. Revista Organicom, São Paulo, ano 3, nº 4, p.24-39, 1º semestre, 2006.
JOVCHELOVITCH, Sandra. Representações sociais e esfera pública: a construção simbólica dos espaços públicos no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. p.49.
ZÉMOR, Pierre. La Communication Publique. PUF, Col. Que sais-je? Paris, 1995.
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e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 372
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