Consultor de comunicação pra que?
Depois de mais de 20 anos atuando como profissional de comunicação, decidi partir para a área de consultoria. Quando eu vendia os produtos de minha agência, praticamente falava para meus clientes o que eles precisavam. Agora, preciso ajudar que eles descubram por si mesmos.
No passado, quando as organizações viviam um problema com o qual não conseguiam lidar, a saída era contratar um especialista, um consultor que, como um médico, aparecia com seu conhecimento e seus instrumentos, para diagnosticar as razões para o problema e recomendar a melhor forma de tratamento.
Vivemos claramente a era do protagonismo. Não há, portanto, mais como ignorar que as pessoas querem tomar parte nas decisões que afetam suas vidas. Até mesmo quando vão a um médico de verdade, costumam antes pesquisar na Internet tudo o que estiver disponível sobre a doença que têm ou acham que têm. Médico mal-informado sofre um bocado na mão de paciente antenado. Ele já chega com um dossiê pronto, o histórico completo que inclui, algumas vezes, até as últimas descobertas publicadas naquela manhã.
Embora muitas organizações ainda continuem contratando consultores dessa forma, raros são os pacientes que, atualmente, respondem bem aos tratamentos preconizados por terceiros. Não quero dizer com isso que os consultores especialistas estão com os dias contados, mas que as organizações, que nada mais são do que um aglomerado de pessoas, já não conseguem mais o mesmo resultado com os remédios que vêm de fora para os problemas que, em sua grande maioria, elas mesmas criaram.
A informação está mais do que disponível. Ela está escancarada. Culpa – ou mérito – do Google. Mas o caminho entre informação e ação só é possível pela consciência, esta, sim, o novo campo de atuação dos consultores. O “detalhe” é que consciência é um produto que normalmente não se compra, embora muitos consultores da nova era tentem vendê-la na forma de palestras de auto-ajuda ou fórmulas do tipo “follow me”. Quando Paulo Coelho relatou seu processo de transformação em “O caminho de Santiago”, ninguém saiu transformado depois de ler o livro – a não ser ele, claro, que passou a vender livros sem parar. Quem fez o caminho foi ele e não o leitor. Pode ser que alguém tenha se inspirado a fazer seu próprio caminho, e este é, no fundo, o máximo que um consultor pode fazer: inspirar o outro a caminhar com suas próprias pernas, a tomar consciência sobre o que ele ou ela precisa fazer para resolver o seu problema.
Assim, o consultor, de especialista, se transforma em facilitador. De especialista técnico, o consultor passa a ser especialista humano. A matéria não é mais o conhecimento, mas a relação. Relação entre pessoas, a começar pela relação do consultor com a pessoa que o contrata.
Acontece que quem contrata um consultor, espera algum tipo de ajuda. De preferência, que ele resolva o seu problema, e o mais rapidamente e ao menor custo possível. Quem contrata um consultor ainda sonha que apareça um médico sabichão com uma mala cheia de remédios milagrosos. Isso porque à vontade de protagonizar, costuma se contrapor o medo de ter de pagar o preço pelas próprias escolhas. Quando aparece, portanto, um consultor-facilitador no lugar do consultor-especialista, muita gente ainda costuma estranhar. Afinal, para que contratar alguém se é você que terá que encontrar a solução? A resposta está na relação. Se as pessoas conseguissem resolver seus problemas sozinhas, não existiria necessidade de ajuda externa. É, no entanto, no relacionamento entre elas que costumam surgir as soluções.
As primeiras escolas do mundo foram as redes de conversações primitivas, que, segundo alguns pesquisadores como o biólogo Humberto Maturana, passaram a diferenciar o humano de outros animais. Enquanto os homens passavam o dia caçando, as mulheres ficavam na caverna conversando e aprendendo como cuidar dos filhos, como cuidar de si mesmas e como lidar com os homens, que ficavam o dia todo em silêncio e aprenderiam muito pouco se não se reunissem, de vez em quando, em volta da fogueira para compartilhar o que pensaram e sentiram enquanto caçavam.
Além de cenas de caçadas, as imagens rupestres retratam com frequência pessoas dispostas em círculo. Círculos não têm hierarquia, e diálogos só acontecem na ausência de hierarquia. Na hierarquia, o que temos são monólogos alternados, presencial ou digitalmente. O consultor em comunicação é, portanto, uma espécie de antítese do hipnotizador. Ele deve ajudar as pessoas nas organizações a sair do transe em que se meteram quando embarcaram cegamente na estrutura de poder hierarquizada. Não discuto que a hierarquia seja necessária em muitos aspectos, mas, quando encarada como único caminho possível para o exercício da liderança, ela tem se mostrado devastadora.
Nada se cria na hierarquia. A inovação é alimentada pelo diálogo. E nenhum consultor, nenhuma palestra ou livro de auto-ajuda ensina a dialogar. Mais uma vez, citando Maturana, diálogo se aprende dialogando. Cabe, portanto, ao consultor de comunicação ajudar as organizações a criar novos espaços de diálogo, onde se possa recuperar a confiança entre as pessoas e o prazer de estar junto, seja para resolver os problemas do dia-a-dia, seja para celebrar as grandes conquistas.
Bibliografia sugerida: MATURANA, H.; DÁVILA, X. Habitar Humano: Em seis ensaios de Biologia-Cultural. Editora Palas Athenas, 2009.
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