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COLUNAS


Fabio Betti Salgado


Fábio Betti Salgado é sócio consultor da Corall, consultoria com o objetivo de catalizar a criação e transformação das organizações para o surgimento de uma nova economia, baseada em bem-estar e felicidade, prosperidade distribuída e uso eficiente de recursos. Iniciou na área de comunicação em 1988, na Johnson & Johnson, e, depois, especializou-se em comunicação interna na Dow Química. Foi sócio da Novacia de 1995 a 2009 e, desde 2010, vem atuando como consultor em processos de transformação cultural, tendo como principal abordagem a cultura de diálogo e a comunicação de liderança. Graduado em Jornalismo (PUC-SP), com pós-graduação em Comunicação Empresarial (ESPM) e diversos cursos de extensão e especialização nas áreas de gestão, marketing e publicidade, Fábio é mestrando em Biologia-Cultural (Universidade Mayor do Chile), formado em consultoria antroposófica (ADIGO) e professor da ABERJE, Escola de Diálogo e Escola Matriztica de Santiago. Escreve regularmente sobre comunicação para sites e associações setoriais. Além disso, mantém um blog pessoal para conversar sobre o diálogo nos diferentes domínios dos relacionamentos.

A experiência (im)possível da comunicação num mundo onde tudo acontece ao mesmo tempo

              Publicado em 01/04/2010

Estar online é o mesmo que estar conectado? Tenho me feito esta pergunta desde que comprei meu primeiro smartphone e me vi, repentina e compulsivamente, lendo e respondendo e-mails enquanto jantava com amigos, dirigia o meu carro ou conversava com um cliente ao telefone.

Dizem que as mulheres são muito mais multi-tarefas do que os homens. As crianças, de hoje, independentemente do sexo, também parecem ser multi-tarefas. Observo os meus filhos cuidando de sua fazendinha no Facebook, assistindo televisão e fazendo o dever de casa, tudo ao mesmo tempo, e me espanto. Será que algum dia chegarei a esse nível? Respondo a essa pergunta com o pessimismo de alguém que não nasceu entre bits e bytes e nem sonhava com a possibilidade de reunir amigos sem que fosse num ambiente físico.

Não tenho DNA de geração Y, mas faço praticamente tudo o que ela faz.  Participo com regularidade de minhas comunidades no Facebook e no LinkedIn, tuito com freqüência razoável, posto minhas fotos de viagem no Flickr, escrevo em blogs – no meu e no dos outros – e baixo tudo o que é novidade em aplicativos para iPhone. E, muitas vezes, me sinto dependente desse universo de conexões, sejam conexões com pessoas que eu já conhecia e das quais as mídias digitais me aproximam, sejam conexões com pessoas que conheci primeiro e, algumas vezes, exclusivamente, por meio de mídias digitais.

Tenho dúvidas, no entanto, se minha dependência é das conexões com as pessoas ou das ferramentas que me permitem conectar a elas. Explico. Nem sempre acesso minhas comunidades com o intuito de me conectar a alguém. Acesso-as, frequentemente, por impulso. Elas, as ferramentas, entraram em minha rotina e, como escovar os dentes ou dirigir o carro, já estão naquele estágio de piloto automático, onde fazer praticamente dispensa o pensar. No entanto, acidentes costumam acontecer quando nos desconectamos do presente contínuo cambiante, para usar uma expressão cunhada pelo biólogo Humberto Maturana.

Recentemente, enquanto voltava de uma viagem de férias com minha esposa, observei, na imensa fila de estrangeiros que aguardavam sua vez no guichê da imigração, um garoto tentar inutilmente chamar a atenção do pai. O menino havia pendurado um brinquedo na fita que organizava a fila e queria mostrar ao pai o quanto aquilo era divertido. O olhar e, provavelmente, os pensamentos do pai pareciam estar totalmente tomados pelo tamanho da fila e pela documentação que ele segurava nas mãos, pois só faltou o garoto sapatear e gritar para conseguir ser ouvido. O homem não estava presente para o filho, e não estar presente ao outro torna qualquer forma de comunicação impossível.

Minha esposa, que também observava a cena, teve o mesmo ímpeto de correr em direção àquele pai e dar-lhe uma forte sacudida para trazer-lhe de volta à realidade. Mas nenhum de nós fez qualquer movimento, a não ser partilhar o desejo de abraçar e beijar carinhosamente nossos filhos, a quem não víamos há oito dias.

Curiosamente, por motivos diversos, permanecemos quase que offline durante essa viagem - os hotéis em que ficamos ofereciam um serviço péssimo ou muito caro de Internet e as taxas de roaming cobradas pelas operadoras de nossos celulares eram simplesmente absurdas. Para a comunicação com nossa família, resolvíamo-nos com cartões telefônicos. E mandamos, com o perdão pela expressão, uma banana para a Internet!

A experiência me remeteu à minha crise de abstinência quando decidi parar de fumar, 12 anos atrás. Tremedeiras nas mãos - especialmente nos dedos, acostumados a tuitar velozmente no iPhone - uma certa sensação de incompletude e um estranho vazio existencial se somaram a lampejos de culpa pelas centenas de e-mails não respondidos e pelas comunidades de amigos totalmente abandonadas.

No entanto, minha abstinência das conexões online foi bem mais fácil de ser encarada do que a abstinência do cigarro. Primeiro, porque não se tratava de um abandono para sempre. E, segundo, porque logo que pintava uma coceirinha nas mãos, eu olhava para o lado e me via entre os paradisíacos bares de tapas de Madri ou, alguns dias depois, em meio aos muitos cenários de filme de Paris. Com isso, senti-me muito mais presente, com minha atenção focalizada em cada experiência concreta da viagem. Perdi a conta de quantos museus e castelos visitamos em apenas oito dias, o que demonstra que a viagem, em certo sentido, também foi multi-tarefas. O diferente foi a maneira como essas “tarefas” eram realizadas. Quando estávamos admirando uma obra de arte ou detalhes arquitetônicos de uma construção histórica, nesse exato instante em que fazíamos isso, era só para isso que olhávamos, e o objeto de nossa atenção crescia tanto aos nossos olhos que, por vezes, nos emocionamos com sua presença. Sem a concorrência de nossas ferramentas digitais, conseguíamos nos manter presentes para cada atividade, conectando-se com ela de uma maneira íntima, inteira.

Viver uma experiência radical como essa me fez refletir sobre o outro extremo. Algumas semanas antes da viagem, participei da Conferência Internacional de Redes Sociais, que aconteceu em Curitiba, concomitantemente ao Congresso de Cidades Inovadoras. Como redes e inovação constituíam-se, portanto, uma espécie de essência do encontro, os organizadores tiveram a idéia de colocar dois imensos telões cercando o palco onde os palestrantes se apresentavam. Enquanto as palestras e os debates aconteciam, os telões exibiam em tempo real os comentários da platéia publicados no Tweeter. Resultado: nosso foco ficava dividido entre o que acontecia no palco e o que se desenrolava fora dele e, muitas vezes, o segundo se tornava mais interessante do que o primeiro, especialmente, quando alguém resolvia fazer uma piadinha sobre a performance de algum palestrante. Além de diversas situações de constrangimento, essa iniciativa acabou explicitando a atenção difusa em que nos mergulhamos e na qual nos enredamos, afastando-nos da possibilidade real de conexão com o momento presente e, portanto, inviabilizando a comunicação.

Já no aeroporto de São Paulo, logo após perder de vista o menino e seu pai desatento, lá estava eu de novo tuitando e, em certo sentido, aliviado por estar conectado mais uma vez ao universo digital do qual não consigo mais me ver separado. Mas, ao me distanciar dele por alguns dias, tive a oportunidade de vê-lo com outros olhos, reconhecendo que, se quiser me conectar verdadeiramente ao mundo a minha volta, precisarei organizar essa anárquica rede de tarefas em uma espécie de fila indiana, onde nada é deixado por fazer, mas tudo tem seu espaço e seu momento certo para ser feito.


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