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Marcos Ernesto Rogatto
marcos@vistamultimidia.com.br

Jornalista e Mestre em Multimeios pela Unicamp. Trabalhou na TV Manchete, Revista Veja e TV Globo São Paulo. Foi diretor de Comunicação da Prefeitura de Campinas e colaborador da Gazeta Mercantil. Há 25 anos trabalha com vídeos e multimídias corporativas. Atualmente é Diretor da produtora Vista Multimídia e participa do Grupo de Estudos de Novas Narrativas/GENN.

O acaso e o caso Toyota

              Publicado em 30/03/2010

Como toda grande empresa, com suas sete décadas, a Toyota tem muita história para contar. Especialmente essa companhia japonesa, que é líder mundial na produção de veículos e em parâmetros de qualidade e de produtividade. Isso até recentemente quando teve início a série de graves problemas de engenharia e de comunicação.

É no mínimo curioso ver a situação da crise atual daquela que, na época na qual os operários não faziam muito mais do que apertar parafusos, teve a idéia da produção ser puxada ao invés de empurrada. Da empresa criativa que também implantou a lógica dos operadores polivalentes. Aí vieram sistemas e metodologias como o 5S, Poka-Yoke, Kanban e Manufatura Enxuta, entre outras tantas inovações. Ao longo das últimas décadas todos queriam ter algo parecido com o Sistema Toyota de Produção ou, como metonímia, produzir um “Toyota” como sinônimo de coisa boa, confiabilidade e durabilidade.

Mas, na era dos carros com suas dezenas de dispositivos eletrônicos, microprocessadores e da produção em escala gigante - em que um modelo líder como o Corolla chega a mais de 32 milhões de unidades vendidas – a possibilidade de pane eletrônica, erro na produção ou falha humana deveria ser mais considerada.

Analistas afirmaram que a empresa parece o aluno que só recebe dez e, no dia em que recebe nota vermelha, não sabe como contar aos seus pais. Mas os representantes daqueles sérios e aplicados japoneses assumiram o tom professoral e abandonaram a mão dupla da comunicação.

Não é meramente uma crise de qualidade, os problemas tiveram relação direta com a comunicação, ou assim digamos, com a falta dela. Pareceu haver uma inércia na gestão de crises e nas relações públicas da companhia com seus stakeholders. Os usuários relataram problemas e as estatísticas apontavam acidentes. O que fez com que o ministro dos transportes do Japão, Seije Maehara, chegasse a afirmar que a empresa não colocou os consumidores em primeiro lugar. Mais que os milionários recalls, a demora em responder às demandas por informações plausíveis renderam incomensuráveis prejuízos.

No The Late Show, as piadas de David Latterman e nas manchetes de jornais e telejornais do mundo todo, as fortes críticas ao silêncio ou a falta de explicações. Só no jornal USA Today, as matérias da versão on line sobre o assunto tinham centenas de comentários. Dá para imaginar como foi essa repercussão nas redes sociais de todo o mundo. Artigo de Martin Fackier, do The New York Times, afirmava que mesmo em Kariya, cidade natal da montadora, espécie de Detroit do Japão, funcionários e fornecedores se sentiam traídos pela companhia.

Segundo analistas, depois de aceitar o erro, as estratégias erradas atrapalharam o gerenciamento da crise. A entrevista coletiva de James Lentz, presidente da Toyota nos Estados Unidos, por exemplo, não conseguiu esclarecer a causa da aceleração involuntária dos veículos, deixando os consumidores desconfiados e preocupados. Após o descrédito sem precedentes, a produção chegou a ser interrompida no país – seu maior e mais rentável mercado - por queda de demanda.

Após a longa letargia inicial, a empresa se dispôs a executar tarefas incomuns como buscar o veículo, que passará por recall, na casa dos clientes e até emprestar carros durante o reparo.

Outro fato incomum no mundo corporativo foi a forma do pedido de desculpas e a imagem de reverência de Akio Toyoda, presidente da empresa e neto do fundador. A cena possivelmente vai entrar para a história do fotojornalismo e esse case para os anais, congressos e teses.

Creio que o fato ajuda a refletir sobre a atual estrutura produtiva das grandes companhias, em que o ciclo de expansão, a necessidade de escala, dos resultados formidáveis, das glórias administrativas e dos pagamentos de bônus implicam em perda de controle. Não tem metodologia, plano ou Poka-Yoke - com seus dispositivos a prova de erros – que resista quando se abandona o consumidor. Isso sepulta o código de qualidade e de conduta. Se não houver transparência e desejo inequívoco de resolver a crise, tendo os clientes como meta, cai por terra o trabalho de comunicação e de engenharia.

A tempestade passará e a Toyota com seu histórico de sucesso provavelmente continuará triunfando. O fato concreto é que o impacto financeiro do recall global pode chegar a mais de US$ 5 bi e o vendaval de más notícias afetará em muito o próximo ano fiscal e será caso de estudos de algumas gerações.


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