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Rodrigo Cogo
rodrigo@aberje.com.br

@rprodrigo

Relações Públicas pelo Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria , é especialista em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e RP e Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Trabalhou por 10 anos com planejamento e marketing cultural para clientes como AES, Bradesco, Telefonica e BrasilTelecom. Tem experiência em diagnósticos de comunicação, para empresas como Goodyear, HP, Mapfre, Embraer, Rhodia e Schincariol. Atualmente, é responsável pela área de Inteligência de Mercado da Aberje, entidade onde ainda atua como professor no MBA em Gestão da Comunicação Empresarial.

Ritos e rituais numa comunicação transversal: o efeito de um filme

              Publicado em 12/02/2010

Um jovem violoncelista é dispensado com a dissolução de sua orquestra em Tóquio e, ao andar pelas ruas sem esperanças, decide voltar para sua cidade natal na companhia da esposa. A partir de então, arruma um emprego na NK Agent como "nokanshi", responsável pela cerimônia de lavagem e vestimenta de mortos antes da cremação, e descobre o sentido da vida. O longa-metragem “A Partida”, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro 2009 dirigido por Yojiro Takita, conta a história de Daigon Kobayashi e seu retorno para o interior de Yamagata. Interpretado com sensibilidade por Masahiro Motoki, conduz o espectador a uma viagem sobre o sentido da vida e da morte, do status profissional e do amor incondicional. Além disto, o filme – de título original “Okuribito” – tem a força de situar cada um na importância de conhecer, e até mesmo utilizar, a magia e o impacto dos ritos e rituais numa sociedade hoje tão avassalada pela velocidade e pela superficialidade.



 
Ritual fúnebre de “A Partida”, filme de Yojiro Takita


Na história das sociedades, há registros de expressões culturais que acompanham o processo de civilização. A cultura é produção e construção de um povo, na sua relação com o mundo da natureza e da sociedade, e se torna visível através de produtos artísticos e culturais, hábitos, costumes e práticas presentes nas relações que se estabelecem entre as pessoas e nas organizações. É através da cultura que os grupos sociais expressam suas concepções de mundo, construindo e preservando ritos e rituais.

Rituais e ritos são determinados costumes carregados de uma simbologia, de significado e importância para aqueles que os praticam. Podem servir, de modo positivo, para a afirmação da identidade de um grupo, e também podem mascarar as relações sociais e reafirmar práticas de dominação e de autoritarismo. É comum ouvirmos falar em rituais de iniciação, de consagração, de passagem, de exclusão e outros. Com eles, as pessoas e as organizações podem afirmar e reafirmar seus valores, suas crenças e a ideologia dominante no seu grupo social.

Ritual é um conjunto de atividades organizadas, no qual as pessoas se expressam por meio de gestos, símbolos, linguagem e comportamento, transmitindo um sentido coerente Em geral, os rituais são atos repetitivos, que rememoram o acontecimento inicial da história de determinada cultura. Dizem os especialistas que é fundamental na celebração do ritual que as palavras e os gestos sejam sempre os mesmos, pois trata-se de uma reafirmação dos laços entre os humanos e os deuses. São mais visíveis nas celebrações que marcam mudanças de status de uma pessoa em seu coletivo. Historicamente, vê-se que são cerimônias que, mais do que representarem uma transição particular para o indivíduo, representam igualmente a sua progressiva aceitação e participação na sociedade na qual estava inserido. Nascimento, batismo, festas de aniversário, menstruação, 15 anos, maioridade, ingresso no ensino superior, formatura, casamento, bodas e funeral são alguns rituais correntes. Os ritos, por sua vez, significam a série de procedimentos integrantes de um ritual, a sua manifestação concreta e conduzida dentro de um ordenamento específico para conferir as significações desejadas, os tempos e ritmos de realização e fixação do ritual.

O ritual fúnebre de acondicionamento feito por Daigon é chamado no Japão por “nokan” e realizado na presença dos parentes e amigos do defunto, em sua última aproximação física. Tem, entre seus ritos, o apalpamento da face, a arrumação das mãos com dedos cruzados sobre o peito, o embrulhamento com vestes brancas (cor representativa de luto naquele país), limpeza discreta do corpo e maquiagem final do rosto. Como diz o chefe da personagem principal, é uma limpeza que tira a fadiga, a dor e os desejos deste mundo.

Mas a narrativa não pára aí e demonstra a transversalidade da comunicação: o fechamento da Orquestra por falta de publicidade, a conformação e a validação de identidade através de um cargo, o erro no anúncio da funerária com o slogan “Ajudando a partir” que leva Daigon a acreditar ser uma agência de viagens, a hipocrisia das pessoas sobre a suposta falta de importância de determinadas profissões (o caso recente Boris Casoy e garis é um infeliz exemplo), o clima familiar do ambiente de trabalho, a simbologia dos sentimentos perpetuados no suporte da “pedra-carta”, as práticas culturais localizadas nas casas-de-banho, as memórias de vida estabelecendo condutas. Refletir sobre tudo isto num filme e empregar no cotidiano de trabalho é um privilégio.

Cabe aos comunicadores conhecer em detalhes as particularidades dos países onde mantêm atividades profissionais, e mesmo para onde partem em suas viagens de turismo. A relações públicas Gilda Meirelles, ao lado de Maria Eliza Barros, registrou no livro “O Negócio é o seguinte: hábitos e costumes dos povos e sua influência na vida empresarial” um apanhado notável de questões culturais. Editada pelo Ibradep e com instigantes 487 páginas, a obra traz peculiaridades que fazem diferença na aceitação de uma relação amistosa, comercial ou não. O tratamento do estrangeiro por sobrenome (já que o primeiro nome nunca pode ser utilizado sem autorização do interlocutor), a reverência na hora do cumprimento (onde a hierarquia define o grau da inclinação e a primazia) e a extrema importância do cartão-de-visita (entregue sempre com as duas mãos) são algumas delas em relação ao Japão, todas também vistas no filme.

Bem, em sua próxima “sessão-pipoca” ou em visita a uma exposição, e certamente na leitura de um livro, fique atento: não tenho dúvida de que “tudo é comunicação”, como bem escreveu Paulo Nassar - um pesquisador que descreve ritos e  rituais como componentes fundamentais na elaboração das narrativas organizacionais, dando uma dimensão mais ampla daquela que opera o cerimonial. Enfim, é preciso destacar que podemos aprender em todo lugar a todo instante. Basta aguçar nosso senso de observação. E agora, com licença, porque vou assistir a “O livro de cabeceira”, de Peter Greenaway.


Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor. 2279

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