Os tangíveis da comunicação
Em uma animada roda de bate-papo com amigos profissionais de comunicação de empresas e agências, de repente, aparece o histórico dilema: como provar os resultados de nosso trabalho para a organização? Como medir se o que fazemos afeta, de fato, o bottom-line dos relatórios financeiros utilizados pelas empresas para orientar sua gestão? Certamente, estas são boas perguntas, mas será que são, de fato, as perguntas certas?
Qual é o ROI da comunicação? Só de ouvir essa sigla, já fico com os cabelos em pé – e não é de medo, não. O ROI, ou Return On Investment, ou simplesmente taxa de retorno já é um conceito secular, tanto é que, “em 1920, a Harvard Business Review já se referia ao ROI como a medida de análise essencial para conhecer o valor do resultado de investimento de capital” (fonte: Wikipedia). Sua equação é, em essência, simples, bastando dividir o lucro líquido pelos investimentos ou pelo total de ativos. Ativos são os nomes que recebem os bens e direitos que a empresa possui em um determinado momento e costumam ser divididos em tangíveis e intangíveis. Máquinas, prédios, móveis, veículos são considerados ativos tangíveis, enquanto patentes, direitos autorais e marcas são intangíveis – assim como conhecimento, comunicação e outros processos envolvendo relações humanas.
Para medir os ativos tangíveis, o ROI é uma maravilha, uma simples equação matemática. Já para medir os intangíveis, a ginástica costuma ser grande. Na área do conhecimento, encontrou-se uma forma simples de aplicar o ROI, que é a nota atribuída a uma prova ou um trabalho realizado pelo aluno. Também concorrem outros quesitos como presença e comportamento, mas nosso bottom-line na área do conhecimento costuma mesmo ser medido pela superação de obstáculos – passar de ano, passar no vestibular, terminar a faculdade são algumas das expressões que o ROI recebe quando o ativo é o conhecimento. Há muitos anos, no entanto, se discute a eficácia desse sistema de avaliação, na medida em que já está demonstrado que nem sempre as melhores notas na academia obtém os melhores resultados na vida prática. A aplicação do conhecimento já é algo um tanto quanto intangível para o ROI, na medida em que é um processo realizado de maneira absolutamente diferente por cada indivíduo e, portanto, incontrolável.
Estamos falando de conhecimento, mas poderíamos falar de comunicação. Medimos o antes e o depois de uma campanha. Medimos se as pessoas entenderam algo que foi informado. Medimos a percepção sobre a qualidade dos canais. Medimos um sem número de coisas em comunicação, mas não há uma maneira científica de provar que aquele resultado na última linha do relatório financeiro e que recebe o nome de lucro está relacionado ao nosso trabalho. E, mesmo assim, é isso o que nos cobram. Qual é o ROI de comunicação? A questão, na verdade, deveria ser retornada para quem nos faz essa pergunta. Porque, afinal, você quer o ROI de comunicação?
É duro constatar, mas se precisamos convencer algum líder da importância da comunicação, este líder ou a empresa que ele lidera tem sérios problemas. Se temos de convencê-lo, não é pelo fato de ele não acreditar na função de comunicação. Ele não acredita na importância da comunicação em sua vida. E aí me desculpem, mas esse líder não precisa de um assessor de comunicação e sim de um terapeuta ou um coaching. Separar o pessoal do profissional, é como observar átomos, só ocorre na nossa imaginação. O líder que precisa ser convencido da necessidade de comunicação deve ser alguém que não se comunica com seus amigos, com sua esposa ou seu esposo, não se comunica com seus filhos.
Fabio Barbosa, atual presidente do Grupo Santander Brasil e um dos maiores comunicadores com o qual tive oportunidade de trabalhar, repete insistentemente que é investindo na pessoa que se melhora o profissional.
Muitas vezes, a comunicação, que, em essência, é um modo de viver e conviver nas relações, é reduzida ao seu estado de ferramenta, a exemplo da pessoa reduzida à condição de profissional. Em minha visão, isso decorre basicamente de dois fatores:
Temos uma enorme dificuldade em lidar com as questões que realmente importam. O problema é realmente o custo da campanha? A eficácia do canal? Ou é a forma como a empresa estabelece ou quer estabelecer sua relação com as pessoas? Ou são os jogos políticos sobre os quais se destina um silêncio sepulcral? Pode até parecer que há uma crise em comunicação, quando, na verdade, o que existe é uma crise mais profunda, uma crise de propósito, um queijo em que ninguém quer mexer.
Parece coisa de briga de casal. Discutimos por causa de detalhes insignificantes numa tentativa, muitas vezes consciente, de evitar tocar nos assuntos que interessam, pois temos medo do que pode sair da Caixa de Pandora. No entanto, abrindo-a ou não, as intenções e os sentimentos estarão lá e, o que é pior, ocultos e, dessa forma, com muito mais poder de agir sobre nós, quer queiramos ou não.
De outro lado, todo mundo entende de comunicação, só que nós somos os especialistas. Somos graduados, pós-graduados, mestres, somos doutores em comunicação. “Doutor, qual é o meu problema?” Estamos apegados à função de especialista e acreditamos piamente que, se deixarmos de ser os sujeitos que entendem de comunicação na organização, o que será de nós? Se não atuarmos como oráculo, o que faremos?
Não sei o que você pensa sobre isso, mas os melhores comunicadores que eu conheci não eram especialistas em comunicação, pelo menos, não na acepção técnico-acadêmica do termo. Eram excelentes comunicadores, pois praticavam a comunicação não como ferramenta, mas como um modo de viver e conviver com o outro. Não se precisa convencer um líder que vive imerso na comunicação da importância da comunicação para a organização.
Perguntei outro dia a um amigo que trabalha com branding há muitos anos e é extremamente bem-sucedido e reconhecido nessa área como ele conseguia demonstrar a relação entre suas intervenções nas empresas com resultados mensuráveis como aumento de lucro ou do valor das ações de seus clientes. Ele simplesmente me respondeu: “eles sabem”.
E aí me pergunto se os clientes do meu amigo atingiram esse estado de consciência em razão da análise que eles fazem de coisas absolutamente tangíveis como sorrisos, abraços, gestos de gentileza, atitudes de respeito, ou, por outro lado, como conseqüência da análise de coisas absolutamente intangíveis como números – pois é, números! O dia em que alguém conseguir pegar um número na mão, colocar no colo ou, de repente, comer um número, me avise, que eu desdigo tudo o que disse aqui.
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