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COLUNAS


Fabio Betti Salgado


Fábio Betti Salgado é sócio consultor da Corall, consultoria com o objetivo de catalizar a criação e transformação das organizações para o surgimento de uma nova economia, baseada em bem-estar e felicidade, prosperidade distribuída e uso eficiente de recursos. Iniciou na área de comunicação em 1988, na Johnson & Johnson, e, depois, especializou-se em comunicação interna na Dow Química. Foi sócio da Novacia de 1995 a 2009 e, desde 2010, vem atuando como consultor em processos de transformação cultural, tendo como principal abordagem a cultura de diálogo e a comunicação de liderança. Graduado em Jornalismo (PUC-SP), com pós-graduação em Comunicação Empresarial (ESPM) e diversos cursos de extensão e especialização nas áreas de gestão, marketing e publicidade, Fábio é mestrando em Biologia-Cultural (Universidade Mayor do Chile), formado em consultoria antroposófica (ADIGO) e professor da ABERJE, Escola de Diálogo e Escola Matriztica de Santiago. Escreve regularmente sobre comunicação para sites e associações setoriais. Além disso, mantém um blog pessoal para conversar sobre o diálogo nos diferentes domínios dos relacionamentos.

Eu, a memória e a comunicação: estamos em crise?

              Publicado em 25/11/2009

Talvez por cansaço de final de ano, talvez por eu estar vivendo um daqueles momentos da vida em que acordamos e gastamos um ou dois minutos para acertar o ponteiro de nosso rádio com o sentido da vida, ando pensando seriamente para onde estamos indo: eu, a memória e a comunicação.

Quase quinze anos atrás, o Museu da Pessoa fazia seus primeiros CDROMS, fomos convidados a participar de um encontro internacional de história oral na Suécia. Me lembro claramente do paper que escrevi sobre as maravilhas que a multimídia poderia fazer pela democratização da memória. Era o fim da era do emissor autoritário e o início da era do receptor. No CD ROM que havíamos acabado de produzir, por exemplo, cabia ao receptor conectar as histórias, definir seu trajeto de consulta, fazer uso dos links.

Naquele mesmo momento, lembro-me, começava, aos poucos, a popularização da Internet, dos emails, dos celulares e de todos os inúmeras possibilidades de comunicação imediata. Tornei-me uma das maiores entusiastas dessas novas possibilidades, tanto de registro da memória quanto das novas possibilidades de comunicação. No dia em que todas as pessoas se tornassem autoras de suas memórias e pudessem registrar suas histórias, teríamos de fato a “democratização”da memória social e, consequentemente, uma História mais múltipla. Isso transformaria nossos valores sociais. Da mesma maneira, a comunicação  possibilitaria que conhecêssemos novas perspectivas acerca dos mesmos fatos.

Seria uma revolução, pois como dizem os organizadores do livro publicado recentemente Save as...digital memories¹  “guardar o passado era um empreendimento caro, muitas vezes só acessível para a elite, enquanto que as mídias digitais barateiam muito o registro e arquivamento de dados, facilitando enormemente  o acesso e provendo um acesso global jamais visto- tanto para consulta quanto para a produção de novas memórias”.  Sairíamos de um momento que poucos e grandes decidiam o que poderia ser amplamente comunicado e/ou preservado (os grandes jornais, as grandes redes de TV, as editoras e os grandes museus). Isto significaria uma ruptura na forma tanto de produzir quanto de transmitir conhecimento.  De certa forma, continuo acreditando nestas possibilidades...mas, algo não havia me ocorrido então. O que acontece se todos podem falar e falam, mas se poucos param para escutar?  O que acontece se registramos e disseminamos inadvertidamente todos nossos momentos de vida: dos banais ao extremamente significativos?

Passei a pensar nas fotos de família  do início da primeira metade do século XX. Por que será que as crianças estão vestidas de marinheiro? Será que elas andavam na rua vestidas assim? Acho que não. Fotografar a família era um momento monumento. Todos se vestiam, marcavam hora no estúdio, as crianças vestiam suas melhores roupas (de marinheiro). Sabia-se que era um momento sagrado. De preservação da memória. E hoje, qual seria nossa foto de família? Em qual das inúmeras fotos que tiramos com celular, câmeras e tudo mais, estaríamos vestidos de marinheiros? Em quais dos momentos em que registramos imagens com nosso celulares e inserimos o conteúdo nas redes sociais e enviamos com cópia para toda família estamos de fato querendo preservar um instante significativo? E em quais estamos apenas fazendo uso frenético das possibilidades tecnológicas?

As histórias são formas poderosas de comunicar. As memórias são tesouros inesgotáveis para produção de histórias. Tesouros para a comunicação. Mas, memória, como diz o historiador Peter Burke, é mais sobre o que esquecemos do que sobre o que lembramos. É profundamente necessário esquecer para poder lembrar. Como indivíduos e como grupo. Da mesma maneira, comunicar pressupõe não só a fala, mas também a escuta.

Então...twitter, facebook, blogs, blogs e mais blogs, Orkut, blackberry, ipod, celular... sim, podemos falar. Blogs, blogs, programas digitais de rádio, tv...sim, podemos registrar e contar nossas histórias.  Fazemos isso individualmente, as empresas fazem isto comercialmente (todas possuem site, twitter, mensagens pelo SMS e mais e mais). E? E, quem escuta?

Ampliamos de fato nossa capacidade de comunicação? Ampliamos de fato nossa consciência histórica? Ou estamos apenas preenchendo nosso vazios espaciais, mentais, espirituais com tantas vozes que, embaralhadas, acabam por se tornar apenas ruídos? Quem sabe?

 

¹Garde Hansen, Joanne; Andrew Hoskins & Anna Reading. Save as...Digital memories. UK, Palgrave Macmillan, 2009.pp1. (tradução livre da autora)
 


Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor. 3861

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