A sustentável leveza dos desejos e a gestão de marcas
Já faz um tempo que a questão da sustentabilidade me inquieta. Há alguns anos, durante meu doutorado no Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento Econômico e Social da Sorbonne, na França, acabei me dedicando a estudar o mercado da reciclagem e a institucionalização das atividades a ela ligadas no Brasil. Vi, ouvi e presenciei a importância da reutilização dos resíduos para gerar emprego e renda para catadores e cooperativas, ressignificando vidas, trabalho e esferas de sociabilidade; constatei como a atividade era potencial fonte para menores custos de produção na indústria; e como, a partir do apoio político e da mídia, configurava-se como solução socioambiental e econômica legitimada, seja nas experiências vistas no Brasil, no Egito ou mesmo na Bélgica.
Fim do doutorado, retorno ao país e à carreira que tinha escolhido antes mesmo de sair da faculdade: a de comunicadora empresarial. As minhas inquietações não pararam. Pelo contrário, ao planejar ações e iniciativas para apoiar as estratégias de negócio das empresas por onde passava, ficava mais e mais patente a importância de buscarmos a sustentabilidade nas organizações, nos processos e na nossa vida. E de fazer uma comunicação sustentável: verdadeira, próxima, legítima, autêntica e consistente. Desde então tenho refletido, escrito e posto em prática algumas idéias. Por isso, nesta minha primeira coluna aqui na Aberje, não poderia falar de outro tema.
Dados do Instituto Akatu¹ indicam que a humanidade consome atualmente 30% a mais de recursos naturais que a capacidade de renovação da Terra. Já a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO²) alerta que, ao final de 2009, o número de vítimas da fome poderá ultrapassar a marca de 1 bilhão de pessoas. Essas duas informações mostram, independentemente de “guerras estatísticas”, um dos paradoxos mais constrangedores do nosso mundo: a coexistência de padrões de consumo acima das necessidades com ausências assustadoras de itens básicos para a vida, como alimento.
Neste (s) mundo (s), há quem defenda que o avanço da globalização e de um modo de vida ancorado na produção e no consumo é a única saída viável para eliminar a vergonhosa fome de muitos. Outros denunciam que o consumismo num padrão inspirado no modo de vida ocidental poderá extinguir as condições da nossa vida neste planeta.
O fato é que assistimos nas últimas décadas a uma revolução tecnológica e logística que possibilitou ampliar a produtividade das empresas assim como multiplicou a gama de bens e serviços. Se vamos a um supermercado para comprar um xampu, por exemplo, temos à nossa disposição várias marcas, origens, preços e finalidades para um produto que, anteriormente, servia apenas para deixar os cabelos limpos. Hoje podemos lavar e hidratar, usar um produto com ou sem sal, com embalagem econômica ou de um design premiado, feito com ingredientes tradicionais ou industrializados.
Neste mundo multi-tudo, a construção e o gerenciamento de marcas tornaram-se efetivamente fator de competitividade, já que facilitam a identificação de produtos, serviços e negócios, ao mesmo tempo em que os diferenciam dos concorrentes, assegurando que uma empresa ou produto ganhe a disputa pela preferência do consumidor. Isso porque nos relacionamos e tendemos a gostar de quem e do que conhecemos.
Assim, a gestão de marca traz para o primeiro plano da cena comunicacional a importância do diálogo e a interação. Diálogo e interação só acontecem quando se tem respeito pelo outro e pela vida, e este é um dos princípios de uma ação sustentável. Não basta mais apenas a empresa entregar bens e serviços dentro de um padrão esperado de qualidade e destacar estas qualidades numa abordagem mercadológica pura, sem se preocupar com os efeitos do produto/serviço ou mesmo do seu ciclo produtivo.
É necessário o estabelecimento e a manutenção de canais abertos com os consumidores, potenciais consumidores e até mesmo não-consumidores, para que a marca ganhe vida, voz e se ressignifique não apenas no plano material, mas, sobretudo, imaterial. Afinal, o bem ou serviço, uma vez adquirido, já trará em si os genes da obsolescência do movimento próprio da sociedade do consumo, e as marcas devem ser fortes o suficiente na mente e nas preferências das pessoas para sobreviverem à insaciabilidade dos indivíduos ou às contingências do cenário.
Se o nosso mundo é um mundo mediado por organizações, devemos lembrar que elas são feitas – e dirigidas - por pessoas. Assim, tanto na construção de organizações mais humanas quanto de um mundo menos desigual e mais sustentável, cada um de nós pode ter sua parcela de protagonismo. E, principalmente, se temos o privilégio de trabalhar a comunicação das organizações com seus diferentes públicos, podemos nos tornar agentes propulsores de mudanças necessárias para nós, para as pessoas a nossa volta e, por que não, para o mundo?
¹ Organização não-governamental brasileira criada em 2001 e que milita pelo consumo consciente (www.akatu.org.br)
² www.fao.org
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