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COLUNAS


Fabio Betti Salgado


Fábio Betti Salgado é sócio consultor da Corall, consultoria com o objetivo de catalizar a criação e transformação das organizações para o surgimento de uma nova economia, baseada em bem-estar e felicidade, prosperidade distribuída e uso eficiente de recursos. Iniciou na área de comunicação em 1988, na Johnson & Johnson, e, depois, especializou-se em comunicação interna na Dow Química. Foi sócio da Novacia de 1995 a 2009 e, desde 2010, vem atuando como consultor em processos de transformação cultural, tendo como principal abordagem a cultura de diálogo e a comunicação de liderança. Graduado em Jornalismo (PUC-SP), com pós-graduação em Comunicação Empresarial (ESPM) e diversos cursos de extensão e especialização nas áreas de gestão, marketing e publicidade, Fábio é mestrando em Biologia-Cultural (Universidade Mayor do Chile), formado em consultoria antroposófica (ADIGO) e professor da ABERJE, Escola de Diálogo e Escola Matriztica de Santiago. Escreve regularmente sobre comunicação para sites e associações setoriais. Além disso, mantém um blog pessoal para conversar sobre o diálogo nos diferentes domínios dos relacionamentos.

Aprender a nadar

              Publicado em 28/10/2009

Neste mundo em que nos acostumamos com qualquer coisa em tão pouco tempo (e lá vem outro evento com o qual nos acostumaremos nos próximos dias, horas, minutos) já nos soam velhas as notícias sobre o furacão que abalou a economia mundial e as empresas a partir de setembro de 2008. Um ano e um mês depois, estamos mesmo fartos, enfastiados das notícias, siglas, nomes. Citi, Ford, IndyMac, AIG, Lehman Brothers (lembra dele?), GM, Hypo Real Estate, Fortis, a fila de mega-empresas quebradas ou em crise profunda é grande, parece interminável. Faz tanto tempo que a crise já parece estar passando...

O fenômeno captado por jornalistas e analistas ao redor do mundo foi a crise de empresas que explodiram com a bolha especulativa, um verdadeiro infarto num sistema de alavancagem sem precedentes na história, construído pela combinação: 1) das redes de comunicação mercadológicas globais instantâneas; 2) com a ousadia de CEOs tornados heróis midiáticos; 3) e a sonolência (complacência, cumplicidade) de autoridades reguladoras (durma-se agora com a condenação a 150 anos de cadeia de Bernard Madoff, o ex-presidente da Nasdaq, a bolsa das empresas de tecnologia dos EUA, ícone do capitalismo contemporâneo).

O que tem sido captado nos últimos treze meses pelas mídias é a face visível (econômico-financeira) do que se afigura como uma crise ampla e profunda, um questionamento à essência das empresas tal como nos acostumamos a vê-las ao longo de nossas vidas.

As empresas foram a grande afirmação, a criação suprema da modernidade, de um padrão de ver-o-mundo segundo o qual o planeta estava disponível à conquista do homem (daquele que chegasse primeiro). Bastava ambição, ousadia, inventividade, capital, tudo isso organizado numa associação chamada empresa. Por longos anos alguns alimentaram a utopia de que esta organização, com algum controle do Estado, seria o dínamo (palavra típica da modernidade!), o motor da felicidade possível. No período culminante da modernidade, chegou-se ao paroxismo de anunciar que as empresas deviam libertar-se do Estado, que o Estado devia se conformar a ser mínimo, ínfimo.

Este tempo, depois de mais de 400 anos de domínio, está em xeque. Convive há mais de 30 anos com outro, que começou à sua sombra e agora  ensaia soterrá-lo, conhecido como pós-modernidade.

Empresas são as filhas diletas do tempo que se esvai. Empresa foi a palavra-chave, conceito-chave num elenco de outras quatro que preencheram de sentido a modernidade: Força, Segurança, Solidez, Conquista. Na modernidade, pisávamos (ou ao menos pensávamos pisar, ou efetivamente pisavam os que estavam incluídos) em terreno sólido. Respiravam-se garantias, estabilidade, certezas.

Na segunda metade do século XX as primeiras trincas começaram a surgir e, diante do cenário que surgia, as empresas iniciaram tímidos movimentos de mudança e tentativa de adaptação. Surgiram os conceitos de responsabilidade empresarial, responsabilidade social e, mais recentemente, sustentabilidade. Na esfera própria da gestão, tomou fôlego depois da crise de contabilidade e governabilidade do início do século (os escândalos Enron, WorldCom) e da edição da Sarbanes-Oxley (2002), o  estatuto da governança corporativa. Todas essas iniciativas, na esfera do modelo empresarial tradicional, são relevantes, mas não conseguiram oferecer resposta à crise -a maior parte das empresas que entraram em colapso a partir de setembro de 2008 adotava o elenco de procedimentos-padrão dos últimos anos.

As empresas estão em crise, pois o modelo civilizatório que as gerou está encerrando seu ciclo. As palavras-chave da modernidade deixam mais e mais de fazer sentido. O novo mundo, a nova civilização, ainda é uma criança, mas não é mais um bebê e caminha rapidamente para a adolescência.

Os conceitos tradicionais que davam segurança e conforto no velho mundo estão desabando. Não há mais um mundo a conquistar, há um planeta a salvar; não há mais poucos emissores que “fazem a cabeça” de bilhões de receptores, mas milhões e milhões de pessoas que se tornam emissoras-receptoras; reduz-se o espaço de artistas encastelados que projetam sua sensibilidade e saber sobre platéias atônitas -os espectadores mais e mais se tornam autores, atores, artistas (dj’s e grafiteiros são apenas a faceta mais visível da transformação); chega ao fim o tempo de  Estados que se estruturam apenas sobre uma base de segredo e poder militar.

É claro que ainda subsiste um pouco disso tudo, um passado que insiste em se fazer presente; há um restinho de planeta a conquistar (para os que ainda pensam e agem como os conquistadores dos séculos XIX e XX), emissoras que atingem milhões (cada vez menos milhões), artistas à espera de aplausos passivos, ditaduras caricaturais. Mas a força do velho diminui a cada dia.  

 No novo tempo, do presente e da presença, depois da modernidade, onde havia Força, irrompeu a fragilidade; onde reinava a Segurança, sobreveio a insegurança; onde esteve proclamada Solidez, a dissolução na fluidez; a pujança da Conquista foi alquebrada pelo fantasma da instabilidade, da ameaça. Quanto à Empresa, seu império está cercado por milhões, bilhões de indivíduos, pessoas, gentes cada vez mais com mais poder, conectadas.

No presente que se espalha e invade todos os espaços, reais e virtuais, as palavras que o vento sopra são fraqueza, insegurança, fluidez, ameaça e indivíduo (chega a ser um paradoxo falar ou escrever a expressão palavras-chave a respeito de um tempo mais e mais habitado por imagens e sensações).

Há sobrevida para as empresas? Intuo que do jeito que elas foram estruturalmente concebidas, não. Por mais que as empresas tenham se esforçado por mudar nos últimos anos, sua maneira de ver o outro, pensar e fazer ainda pretende ser a mesma: baseada em força, segurança, solidez, conquista. Este caráter não sobreviverá ao novo mundo.

Tudo está mudando à nossa volta, de maneira mais e mais acelerada. As empresas não mais podem ser o que foram, mas ainda resistem a se transformar (na coluna do mês que vem penso em escrever um pouco mais sobre este jeito envelhecido que prevalece no cotidiano das empresas). 

Algumas poucas empresas tateiam um caminho diferente. Reconhecem o novo mundo e se reconhecem nele; deixam de resistir às palavras que moldam a pós-modernidade e assumem suas fragilidades e insegurança; buscam acolher o tempo da ameaça e da fluidez, encaram o indivíduo como um igual, diferente, mas essencialmente igual.

Eis o belo e complexo desafio posto para as empresas: encontrar novos jeitos de ser, fazer e se relacionar.

O sertão virou mar. Será preciso aprender a nadar. O melhor de tudo: não há nadadores exímios, são novas águas para todos. Teremos que aprender juntos.


Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor. 4949

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