Discutir a relação
Um dia desses, em um estudo nada científico e nem comprovado, observei que a maioria de meus colegas e conhecidos na área de comunicação são casados ou mantêm um relacionamento estável com profissionais de outras áreas ou profissões. Deixando de lado a polêmica que minha observação possa causar, comecei a me perguntar sobre os motivos pelos quais algumas áreas dentro das empresas não conseguem manter um relacionamento estável, amigável ou sequer pacífico. Se funciona em casa, por que não funciona na corporação?
Pense comigo: em sua empresa, a área de Comunicação mantem uma relação produtiva com a área de TI? Os colegas de Vendas ou Comercial conseguem se entender com a área de Recursos Humanos? O pessoal de Sustentabilidade anda de mãos dadas com os Gerentes de Produtos? Pode parecer uma heresia dizer que ninguém se entende em uma empresa, mas é muito fácil encontrar indícios de que os relacionamentos interdepartamentais não são um mar de rosas e que as áreas precisam discutir a relação de tempos em tempos.
As dificuldades começam nas diferenças técnicas e se estendem às disputas por atenção, reconhecimento e poder. Um exemplo clássico:
O ilustre Comunicador (A) entra em contato com o distinto gerente de TI (B) para solicitar a criação imediata de um blog para o temido presidente da empresa.
A: Oi, preciso que você crie um blog do presidente e coloque no ar amanhã! Ele deve ter comentários moderados e somente a minha área terá acesso para atualização.
B: Não posso atender.
A: Mas é algo simples. Não precisamos de nenhum modelo complexo.
B: Mas eu não fui informado dessa solicitação com a antecedência necessária, conforme consta no procedimento NP0037 que estabelece o SLA e cronograma de entrega dos projetos de TI.
A: Veja bem. Este não é um pedido da Comunicação. É do nosso presidente.
B: Desculpe, mas não posso ajudar. Vou escalar o problema para que nosso diretor converse com o presidente e encontre a melhor solução.
A: Enquanto eles conversam você já não poderia dar início ao projeto? O presidente está contando com o blog pronto amanhã, no primeiro horário!
B: Não tenho autoridade para tomar essa decisão. Vou correr com o processo de escalação e te informo assim que possível.
Para essa coluna não se transformar em uma novela da vida corporativa, vou resumir alguns dos erros cometidos nessa cena:
01) Cordialidade: bom dia, boa tarde, boa noite, por favor e obrigado podem abrir várias portas;
02) Atenção: procure entender os limites do outro. Questione. Mostre interesse.
03) Alternativa: junte-se ao seu interlocutor na busca por soluções alternativas.
04) Flexibilidade: não é não! Mas isso não elimina a possibilidade de rever posições e decisões em favor do bem comum.
05) Assumir a responsabilidade: se você tem autoridade para dizer não, deve ter autoridade suficiente para argumentar, questionar e buscar soluções.
Vamos aplicar?
A: Bom dia, B. Em uma reunião no final da tarde de ontem o nosso presidente manifestou interesse em desenvolver um blog de sua autoria. Gostaria de verificar com você quais as alternativas para apresentar a ele uma proposta concreta.
B: Bom dia, A. É realmente uma ótima ideia, mas preciso entender melhor o projeto. Qual o prazo?
A: Lançamos a ideia, ele gostou e quer ver a proposta. Claro que gostaríamos de apresentar algo rápido e de fácil implementação. É possível?
B: Não temos hoje as ferramentas de TI necessárias para isso, mas posso verificar alternativas. Se realmente o presidente tiver urgência, podemos avaliar algo provisório até que tenhamos condições de criar o blog. Posso conversar com meu diretor e levantar as possibilidades
A: Ok. Precisamos apresentar uma proposta ainda hoje. Posso contar com sua ajuda?
B: Claro, vamos nos falando ao longo do dia para tentar chegar a um modelo, senão ideal, que possa atender às necessidades mais imediatas do presidente.
Ok! Sei que não funciona assim. Mas deveria!
Existem inúmeras outras formas de se manter um relacionamento saudável entre departamentos. Teorias de administração nos ensinam há anos os modelos ideais para gerir uma empresa de forma construtiva, alimentando o processo de inovação e mantendo pessoas motivadas. Mas, como a maioria das teorias, na prática estamos falando de gente, de suas expectativas e medos.
Experimente extrapolar o diálogo acima para um relacionamento social (amizade, casamento, namoro etc.). Você acha mesmo que conseguiria manter um relacionamento pacífico com sua esposa se chegasse em casa e, antes mesmo do beijo de boa-noite, ordenasse a ela que todas as suas camisas deveriam estar limpas no dia seguinte? Se seu melhor amigo te pedisse dinheiro emprestado você responderia com um sonoro “não posso atender” sem questionar o motivo do pedido? Você ainda usa o nome de seus pais para forçar seus filhos a obedecerem seus comandos? Consegue tomar uma decisão prática e objetiva sem ter que consultar um superior?
A comunicação continua sendo o gatilho das relações humanas. Portanto, se você não sabe se comunicar com seu namorado, com sua mãe e seus amigos você não consegue estabelecer uma relação saudável e proveitosa com eles. A mesma fórmula se aplica às relações profissionais. Comunicação e relacionamento andam de mãos dadas.
O economista inglês Arnold Toynbee disse: “Os componentes da sociedade não são os seres humanos, mas as relações que existem entre eles.”
Da próxima vez que cruzar com o colega de TI, do RH ou da gerência de produtos, demonstre interesse em conhecer sua área, sua rotina. Procure saber quais as limitações daquela função e não esqueça de dividir as suas! Expor fragilidades é uma ótima forma de ganhar aliados. Agindo assim você conseguirá estabelecer relacionamentos duradouros e, quando precisar (você vai precisar), ficará mais fácil travar um diálogo produtivo.
Não é preciso pedir ninguém em casamento! Mas vale aplicar as dicas para o seu relacionamento pessoal, se quiser!
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